O Recurso Extraordinário 888815 junto ao Supremo Tribunal Federal teve origem no mandado de segurança impetrado pelos pais de uma menina, então com 11 anos, contra ato da Secretária de Educação do Município de Canela (RS), que negou pedido para que a criança fosse educada em casa e orientou os pais a fazerem sua matrícula na rede regular de ensino, onde até então havia estudado.
Tanto o juízo da Comarca de Canela quanto o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJ-RS) indeferiram a segurança, com o fundamento de que, não havendo previsão legal de ensino nessa modalidade, não há direito líquido e certo a ser amparado.
Mas, recorrendo ao STF, os pais obtiveram êxito em seu recurso. Eles sustentam que “restringir o significado da palavra educar simplesmente à instrução formal numa instituição convencional de ensino é não apenas ignorar as variadas formas de ensino agora acrescidas de mais recursos com a tecnologia, como afrontar um considerável número de garantias constitucionais” (artigo 206, incisos II e III), tendo-se presente a autonomia familiar assegurada pela Constituição.
Assim, foi admitido o recurso extraordinário. O ministro Luís Roberto Barroso, designado para o processo, ressaltou que a Constituição prevê a educação como direito fundamental, cuja efetivação é dever conjunto do Estado e da família. “A controvérsia envolve, portanto, a definição dos contornos da relação entre Estado e família na educação das crianças e adolescentes, bem como os limites da autonomia privada contra imposições estatais”, observou.
“Possui, assim, natureza constitucional o debate acerca da possibilidade de a família de desincumbir do dever de prover educação (artigo 205) por meio de ensino domiciliar” (homeschooling).
Afirma o ministro Barroso em seu parecer que, “segundo a Associação Nacional de Educação Domiciliar (ANED), após o reconhecimento pelo MEC da utilização do desempenho no ENEM como certificação de conclusão de ensino médio, em 2012, o número de adeptos do homeschooling no Brasil dobrou e atingiu 2.000 famílias”.
O reconhecimento do homeschooling poderia reduzir os gastos públicos com a educação, concluiu.
Recordemos o ensinamento do Papa Pio XI no nº 79 da Encíclica Quadragesimo Anno, incorporado à doutrina social católica:
“Verdade é, e a história o demonstra abundantemente, que, devido à mudança de condições, só as grandes sociedades podem hoje levar a efeito o que antes podiam até mesmo as pequenas; permanece, contudo, imutável aquele solene princípio da filosofia social: assim como é injusto subtrair aos indivíduos o que eles podem efetuar com a própria iniciativa e capacidade, para o confiar à coletividade, do mesmo modo passar para uma sociedade maior e mais elevada o que sociedades menores e inferiores podiam conseguir, é uma injustiça, um grave dano e perturbação da boa ordem social. O fim natural da sociedade e da sua ação é subsidiar os seus membros, não destruí-los nem absorvê-los”.
Quase que da noite para o dia, em um curto período de tempo de 2012 para cá, a Educação Domiciliar passou do que era chamado de uma “excentricidade” de algumas famílias dissidentes para uma opção de ensino legítima, com uma mudança de perspectiva de que toda família deve ter a possibilidade de ensinar seus filhos em um país democrático, se assim escolher.
A comunidade de Educação Domiciliar no Brasil está em plena ascensão.
Segundo a Associação Nacional de Educação Domiciliar (ANED), “o reconhecimento pelo MEC da utilização do desempenho no ENEM como certificação de conclusão de ensino médio, o número de adeptos do homeschooling no Brasil dobrou e atingiu 2.000 famílias”.
No passado, famílias se deparavam com uma hostilidade direta da parte de secretarias locais e nacionais, tendo havido casos de multas e batalhas judiciais.
“Os brasileiros que utilizam a Educação Domiciliar continuam a lutar pela aprovação da legislação em prol da Educação Domiciliar, a fim de definir de forma clara os direitos dos pais de orientar a educação de seus filhos. Além disso, o despertar da mídia, as mudanças sutis, mas crescentes na percepção pública e o crescimento do número de alunos na Educação Domiciliar tornam-se uma declaração ousada para o mundo.
Particularmente para os países que desafiam o direito dos pais de tomar decisões semelhantes”.
O homeschooling está ganhando cada vez mais adeptos no Brasil, mas ainda é uma novidade. Pouco mais de três mil famílias estão cadastradas oficialmente no banco de dados da Associação Nacional de Ensino Domiciliar (Aned), mas o número total é bem maior, pois muitas famílias ainda não assumem publicamente, por receio da situação legal no País. O diretor jurídico da Aned, Alexandre Magno, garante que não há irregularidade em sua prática, e até oferece suporte a famílias que enfrentem qualquer problema.
O Global Home Education Conference (GHEC 2016) realizou-se no Rio de Janeiro, representou um grande passo para o debate e popularização desse modelo de ensino no Brasil, tão comum em outros países. Enquanto isso, o blog do GHEC informa como é o homeschooling em países cujo método de educação em casa é amplamente aceito.
Mas, afinal, o que é o homeschooling?
Significa estudo no lar, equivalente à “scuola parentale” italiana. Trata-se de uma instituição existente em vários países, dotada de um método de ensino que oferece aos pais a possibilidade de educarem seus filhos em casa, sem a necessidade de matriculá-los em uma escola de ensino regular.
Afasta-se assim uma ameaça para a sociedade, que é a “microchipalização”
dos alunos pelo Estado. A expressão enérgica e expressiva é de Jenny Inglee, que em 2013 denunciou a educação “chipada”. Para os que estiverem pouco a par do termo, esclarecemos que um microchip é um pequeno pedaço de silicone capaz de armazenar grandes quantidades de informações em um computador, mas que não tem alma…
Não desejamos evidentemente a generalização absoluta do sistema, e a supressão da ação subsidiária do Estado na educação. A proposta é de dar aos filhos um ambiente de aprendizagem diferente dos que são apresentados na escola estatal. Segundo o ministro Luís Roberto Barroso, a controvérsia envolve a relação entre o Estado e a família quanto à educação, bem como os limites da autonomia privada contra imposições estatais.
Os motivos que levam os pais a optarem pelo homeschooling vão desde a insatisfação com o bullying — atos de violência física ou psicológica, intencionais e repetidos, praticados nas escolas por um indivíduo ou grupo de indivíduos, causando dor e angústia — ao medo quanto à integridade física e psicológica dos filhos. (Fonte: Associação de Defesa do Ensino Domiciliar – HSLDA).
São os seguintes os números da educação familiar no mundo: EUA: 2 milhões; África do Sul: 150 mil; Reino Unido: 20 a 100 mil; Canadá: 80 a 95 mil; França 12 a 23 mil.
Os Estados Unidos são de longe o maior exemplo, pois são aproximadamente 2,2 milhões de alunos em idade escolar adeptos do homeschooling, segundo o National Home Education Research Institute(NHERI). Isso representa mais de 2% da parcela total de crianças e adolescentes nessa faixa etária.
Quanto à Itália, a scuola parentale é “a escola do futuro”, afirma Pier Luigi Bianchi Cagliesi, responsável pelo Instituto Regina Scholarum, de Schio. Ele explica que é próprio dessa proposta didática comunicar uma visão cristã a todas as matérias, despertar o interesse pleno das famílias e evitar a burocracia.
Outro dado interessante dos EUA: em 2006, um número crescente de homeschoolers participou da escola privada e familiar em escolas públicas com parcerias domésticas. Famílias que adotam ohomeschooling passaram a optar por eles para ajudar a ensinar disciplinas, como línguas estrangeiras e ciências, que são mais difíceis de ensinar.
Além disso, muitas famílias fazem parcerias para ajudar seus filhos a competir em termos acadêmicos e atletismo com crianças não educadas em casa. De acordo com o Centro Nacional de Estatísticas da Educação, por volta de 2006, 18% dos alunos estudando em casa participaram de uma escola pública ou privada em regime de tempo parcial. Alguns alunos assistem a uma ou duas aulas nos campusescolares tradicionais, outros passam neles vários dias por semana, já que são projetados para educar os estudantes em tempo parcial.
Como o homeschooling é regulamentado há mais de duas décadas, existem diversos estudos e materiais sobre o tema. O desempenho dos alunos em provas, comparado com o de estudantes que estudam em escolas, é em média 15 a 30% superior.
No Canadá, o homeschooling tem dimensões um pouco menores, mas ainda assim é significativo. São mais de 21 mil crianças registradas comohomeschoolers, um crescimento de 29% nos últimos cinco anos, indica o Fraser Institute.
Todas as províncias canadenses requerem que os pais notifiquem as autoridades sobre a escolha — as de Alberta, Saskatchewan e Québec pedem, inclusive, provas do progresso escolar da criança. Um aspecto interessante do homeschoolingcanadense é que as bibliotecas e ginásios esportivos possuem programas voltados para quem estuda em casa.
Na Inglaterra, nos Estados Unidos e em outras nações, os homeschoolers podem ascender aos cursos universitários mesmo antes que seus coetâneos escolarizados.
Países anglo-saxões estão entre os com mais adeptos do sistema. Além dos já citados neste texto, constam África do Sul, Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia.
Vários países europeus, como Noruega, Finlândia, França, Itália, Portugal e Grã-Bretanha, permitem a prática. Na Espanha existe uma espécie de limbo jurídico, embora mais de duas mil famílias pratiquem o homeschooling, situação bem parecida com a vigente há pouco no Brasil.
“A complementaridade do amor paterno e materno forma a plenitude do amor”, disse Plinio Corrêa de Oliveira. Essa complementaridade pode se manifestar de forma plena também no homeschooling. Lutemos, pois, por este alto ideal!
Fonte:ABIM
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