domingo, 2 de outubro de 2016

AGOSTINHO NETO, UM “IMPRESCINDÍVEL” NA HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA UNIVERSAL!

1 – O mês de Setembro, que em Angola tem como dedicação e referência a abordagem multifacetada da complexa personalidade do camarada António Agostinho Neto, 1º Presidente de Angola, está a chegar ao fim.

Este ano multiplicaram-se as iniciativas à volta da sua memória, até por que a Fundação António Agostinho Neto esmerou no seu próprio programa, (a Fundação perfez 10 anos de existência).

As abordagens multiplicaram-se e foram-se repercutindo na informação pública e nas redes sociais, com tendência para maior evocação da sua poesia.

Duma forma geral há um importante esforço para se transmitir às novas gerações um conjunto muito alargado de ensinamentos resultantes da vida do camarada Agostinho Neto e, na perspetiva de Angola, de sua incontornável experiência de luta.

2 – O contraditório à sua personagem foi sobretudo assumido no exterior, num centro difusor como é Portugal, por Carlos Pacheco (acerca do homem político) e por Agualusa (acerca do poeta).

No que diz respeito a Carlos Pacheco muitas observações já foram sendo produzidas, mas parece-me ser de realçar sobretudo uma insuficiência básica (ou propositada?) na sua produção dita“histórica”: ele faz uma leitura a partir do Arquivo existente na Torre do Tombo, profundamente sustentado nos documentos das autoridades coloniais, incluindo da PIDE/DGS… sem querer ter o cuidado mínimo de confrontar com outras fontes!…

O resultado no meu entender, na abordagem do homem político que foi Agostinho Neto, é ele assumir, enquanto “fazedor de história”, a alavanca duma espécie de “revivalismo pidesco” em pleno século XXI, cristalizada que está a sua personalidade no ambiente que viveu durante o próprio colonialismo…

Julga assim que está a ser muito útil (sem dúvida que é em relação a correntes “revivalistas” que têm vindo a despontar com os sentidos nas “novas” correntes, motivadas a partir também do exterior de Angola), pelo que a explicação põe a nu o seu inveterado oportunismo de salão!

Quanto ao escritor Agualusa, tem sido perentório em considerar Agostinho Neto como um poeta menor, pois considera que o facto de não ter uma trilha de formação com base nos clássicos da literatura, diminui o seu estro e as formas poéticas de sua expressão…

É o império que procura manipular o campo das atuais contradições por si mesmo forjadas!...

3 – Creio que quer um, quer o outro, se estão a aproveitar de serem muito poucos aqueles que chamam a atenção para o facto do camarada Agostinho Neto ser efetivamente um homem que, tendo-se dedicado por inteiro à Luta Armada do Movimento de Liberação em África por via do MPLA (contra o colonialismo, contra o “apartheid” e contra algumas das suas sequelas), ter cultivado o materialismo dialético aberto ao marxismo-leninismo e ao não-alinhamento, a ponto de transmitir aos seus contemporâneos e aos vindouros, a substância política e poética de sua própria trajetória, de sua própria obra e do próprio Movimento de Libertação em África, nesses mesmos termos!

Como nada que se passa em Carlos Pacheco, ou em Agualusa, tem tido implicância pessoal alguma em relação a essa corrente histórica, é evidente que ambos se socorrem à sua maneira e de acordo com suas próprias personalidades e trajetórias, de interpretações que correspondem a autênticas abordagens de salão, por que nenhum deles alguma vez se identificou com a Luta de Libertação em África, alguma vez mexeu um pé nessa trilha sacrificada, difícil e quantas vezes cheia de imponderáveis obstáculos, muito menos numa via próxima que fosse do materialismo dialético marxista-leninista e não-alinhada!

É claro que quando advogam os direitos humanos, jamais assumem que foi o Movimento de Libertação em África nesse caminho trilhado que trouxe ganhos incomensuráveis em benefício do resgate de povos que foram oprimidos com escravatura, colonialismo e “apartheid” até bem dentro da segunda metade do século XX…

Os direitos humanos que advogam, foram formatados pelos mesmos interesses e conveniências que instrumentalizaram colonialismo e “apartheid”: no seu verbo e na sua escrita autopromovem-se como fatores de progresso, quando são afinal atávicos fatores de evidente retrocesso.

Espreitaram o momento para tecer essa espécie de considerações que têm manifestado em relação a Agostinho Neto com o fito de integrar um propositado espaço contraditório perfeitamente identificável na sua orientação e nos seus propósitos imperialistas, sabendo também de antemão que são poucos os que perfilham hoje a mesma ideologia que o camarada Agostinho Neto, mais ainda, que se manifestem interessados em defender sua imagem integral com os mesmos argumentos vitais que ele assumiu então!

Se em relação a Carlos Pacheco estamos conversados por que é um homem do passado e duma espécie em vias de extinção, em relação a Agualusa haverá muito mais a dizer, inclusive em função de seus correntes alinhamentos doutrinários, ideológicos e sócio-políticos, a favor dos interesses, conveniências e correntes identificadas com a hegemonia unipolar…

4 – Não foi fácil gerar e gerir um Movimento de Libertação moderno e Não-Alinhado em África, nem sob o ponto de vista meramente geo estratégico, nem sob o ponto de vista doutrinário-ideológico e de prática, face à complexidade de situações que se colocavam em vários patamares de confrontação, uns mais visíveis que outros!

Efetivamente a Luta Armada de Libertação em África antes da independência de Angola, confrontava-se desde logo não só com o colonialismo, mas também com a multiplicidade de esforços e apoios de toda a ordem que contribuíram para a sobrevivência do colonialismo devidamente integrado e enquadrado no campo capitalista do império, até à implosão do sistema fascista e colonial português, com o advento do Movimento das Forças Armadas.

Era o campo capitalista que alimentava colonialismo, o “apartheid”, as opções neocoloniais e o próprio império que desde a IIª Guerra Mundial vinha a consolidar os alicerces de seu projeto de globalização.

Muitos dos que produziam esses esforços e esses apoios, sobrevivendo no espaço e no tempo ao fim do colonialismo e à proclamação da independência de Angola, prolongariam nos seus patamares e espaços geopolíticos eminentemente capitalistas, a proliferação de trincheiras contra o progresso e a liberdade, manipulando e injetando seu estro, criando múltiplos obstáculos, recorrendo quantas vezes a orientações sobretudo emanadas a partir da África do Sul sob a égide do “apartheid”, de países componentes da União Europeia, ou dos Estados Unidos, sempre com o fito de perpetuar seus interesses, suas conveniências e as expressões que se foram enquadrando nos processos típicos da fluência da hegemonia unipolar adaptados a África e vividos na região!

Muitas vezes também no campo socialista houve divisões e hesitações que beneficiaram os esforços do campo capitalista e da construção da hegemonia unipolar!

5 – Quando assumiu a liderança do MPLA, Agostinho Neto marxista-leninista e não-alinhado teve de se ver com uma corrente que não admitiu na altura os termos doutrinários, ideológicos e sócio-políticos conformes aos que seguiam seu curso nos países socialistas e nos de vanguarda do Movimento Não Alinhado (unindo seus esforços em confluência com a URSS), entrando em rutura com esse campo, que por seu turno se confrontava com o campo capitalista.

Esses acontecimentos divisionistas desenvolveram-se ao longo dos primeiros anos da década de 60 do século passado…

A República Popular da China entrou em rutura com a URSS e internamente, no MPLA, houve a imediata repercussão nos posicionamentos da corrente de Viriato da Cruz, o que coincidiu com os reflexos também dessa cisão no contexto africano e no então Zaíre, onde o MPLA tinha instalado suas estruturas.

A afirmação duma vanguarda progressista no MPLA teve então de ser feita sobre brasas, com importantes custos humanos, por que de outro modo seria a fragilização do próprio MPLA como uma organização moderna de Luta de Libertação Nacional, que cairia na vulgaridade submissa dum etno-nacionalismo, como era a UPA/FNLA, sem que em África houvesse inteligência e capacidade suficiente de manobra para contrariar a tendência para a confusão e a divisão.

O carácter neocolonialista do poder instalado na então Leopoldville, o carácter etno-nacionalista que instrumentalizava a UPA/FNLA a ponto de a tornar vulnerável à inteligência norte-americana (e até aos interesses e manipulações do colonialismo português) e o carácter da dissidência de Viriato da Cruz no âmbito da rutura maior do campo socialista, fragilizou o MPLA que foi expulso do Zaíre, afastado da fronteira com Angola (próximo possibilitaria levar a cabo a guerrilha de modo muito mais eficaz, no quadro dos pressupostos da sua Luta) e sujeito a uma prova de fogo que implicou a procura urgente em termos de sobrevivência de muitos dos seus dirigentes e quadros, dando o salto para a outra margem do rio Congo.

Salvou a Luta de Libertação Nacional, nessa época de “Vitória ou Morte”, o MPLA liderado pelo marxista-leninista e não-alinhado Agostinho Neto e a existência dum governo progressista instalado no poder em Brazzaville, do outro lado do rio Congo e face a Leopoldville, assim como o fato de Brazzaville ser àquela época, a par de Dar es Salam, um centro privilegiado de inteligência da também não-alinhada revolução cubana em África, mobilizados que já estavam por outro lado os esforços cubanos no apoio ao Movimento de Libertação em 1965, desde logo na perspetiva da passagem pelo terreno duma guerrilha sob a liderança do próprio Che (apesar da rápida deriva neocolonial do Zaíre, depois do assassinato de Patrice Lumumba)!

Chegar a Brazzaville significava substantivamente para o MPLA uma vitória… ficar em Leopoldville seria a morte!

Quantos terão pago com a própria vida a impossibilidade de atravessar o rio Congo?

O que isso terá implicado na passagem à clandestinidade de muitos membros e simpatizantes do MPLA no Zaíre?

Quanto essa prova de vida não contribuiu para o fortalecimento interno da direção de Agostinho Neto no reforço do Movimento de Libertação em África?

Quanto da humildade do Che no seu depoimento “passajes de la guerra revolucionaria: Congo”, não terão propositadamente escondido a coragem e a inteligência da Revolução Cubana em solo africano?

Simultaneamente, o empenhamento da inteligência cubana em Dar es Salam e em Brazzaville (em função da Iª e da IIª colunas do Che) reforçaria a sobrevivência e o imediato empenhamento do MPLA, ainda que ficasse barrada toda a fronteira do então Zaíre com Angola: havia desde logo a possibilidade de Cabinda e, ainda que com outro tipo de constrangimentos, a abertura do esforço da Frente Leste do MPLA!

Se a doutrina do MPLA sob a liderança de Agostinho Neto e da revolução cubana sob a liderança do Comandante Fidel, fosse outra que não a marxista-leninista e não-alinhada, se ambos não beneficiassem do apoio do governo progressista do Congo em Brazzaville, como do governo progressista da Tanzânia, então quer o colonialismo, quer o imperialismo teriam desde logo e nessa altura encontrado plataformas muito mais fortes para defender os seus próprios interesses e conveniências em toda a região, em prejuízo da Libertação do Continente africano!

A 20 de Junho de 1968, a OUA finalmente reconhece o MPLA como único representante e organização combatente do povo angolano retirando na altura todo o apoio à FNLA…

6 – Posteriormente foram ainda, quer o carácter marxista-leninista e não-alinhado de Agostinho Neto, quer o empenhamento dos apoios progressistas que o MPLA beneficiava, decisivos para fazer face a uma nova crise do MPLA, com o surgimento praticamente em simultâneo da Revolta Ativa e da erupção da fação de Daniel Chipenda, entre 1972 e 1974.

Na desesperada tentativa de neutralizar a guerrilha do MPLA instalada no leste de Angola, os serviços de inteligência dos países ocidentais (incluindo o português e o sul africano do“apartheid”), das multinacionais mineiras e do cartel dos diamantes, instrumentalizaram e“moldaram” o próprio Presidente Kenneth Kaunda da Zâmbia, levando-o a que ele procurasse a todo o custo alterar a direção do MPLA, substituindo o marxista-leninista e não-alinhado Agostinho Neto por um dirigente dócil (agente) que correspondesse aos seus desígnios! 

A própria URSS (vulnerável ao “lobby” dos minerais), teria apoiado Daniel Chipenda nesse contencioso contra o camarada Agostinho Neto…

Não o haviam conseguido em Leopoldville e por isso tentavam desesperadamente em Lusaka (o tempo esgotava-se para alguns integrantes dos processos capitalistas na África Austral), recorrendo a novos canais de acesso ao alvo.

Mais uma vez o Movimento de Libertação moderno correu o risco de se tornar num etno-nacionalismo, conforme se comprovou pela própria trajetória de Daniel Chipenda e dos que o seguiram: começaram por integrar, falhados os propósitos de Kenneth Kaunda, a UPA/FNLA, para depois virem a formar o Batalhão 32, Batalhão Búfalo, das South Africa Defence Forces e começar por participar na “Operação Savanah” na tentativa da tomada de Luanda a fim de proclamar a independência a 11 de Novembro de 1975!...

Seria também aí, com essa enorme contrariedade tornada internamente desafio, que os membros do MPLA encontraram psicologicamente forças para proclamar as Forças Armadas Populares de Libertação de Angola!

Esse foi um primeiro ato de heroicidade das FAPLA: a sua própria proclamação num ambiente tão hostil, sob o peso e o olhar das inteligências capitalistas e imperialistas!

Mesmo os mais relutantes países socialistas, acabariam por compreender e voltar a apoiar as razões do carácter e conduta de direção do camarada António Agostinho Neto, com a República Popular da China a dolorosamente ser obrigada a comprovar os seus equívocos em relação a Mobutu, a Holden Roberto, a Daniel Chipenda e a Savimbi, quando descobriu os papéis da CIA e do “apartheid” na tutela dos etno-nacionalismos angolanos, expostos e confrontados a 11 de Novembro de 1975!...

Mesmo assim isso não seria revelador do essencial: a República Popular da China integrou “o mercado” nos seus procedimentos internos e de relacionamento externo… até hoje!

7 – Foi toda essa linha de pensamento e ação que animou os primeiros anos da República Popular de Angola, ao longo de praticamente uma década, (de 1975 a 1985), uma história que aliás está toda devidamente por contar, aliás como dos anos de 1985 até nossos dias!

Há que considerar todavia importantes conclusões e entre elas realço:

- Que o MPLA, pela sua própria experiência, foi obrigado por vontade própria a, por via do marxismo-leninismo e não-alinhamento, assumir a Luta contra o colonialismo, contra o“apartheid” e contra as suas sequelas etno-nacionalistas vocacionadas para o neocolonialismo;

- Que o MPLA ainda pela sua própria experiência, foi por tabela assumindo capacidades anti-imperialistas e ao mesmo tempo anti-divisionistas, por que foram vínculos capitalistas que utilizaram instrumentos em toda a região, no sentido de criar divisões internas e obstáculos de toda a ordem para neutralizar a direção marxista-leninista e não-alinhada que tinha António Agostinho Neto à cabeça.

- Que essa herança é um património antropológico, histórico e sócio-político inspirador e inesgotável para as presentes e futuras gerações, tendo em conta que a vocação socialista não teria que ser assumida apenas no quadro da Luta Armada de Libertação Nacional (e contra o“apartheid” e respetivas sequelas), mas também num quadro de paz, qualquer que fossem as vulnerabilidade e os obstáculos que se viessem a encontrar sob a pressão bruta ou em estilo “soft power”  das políticas neoliberais correntes que integram o pacote de globalização da hegemonia unipolar!...

Se o materialismo dialético, marxista-leninista e não-alinhado foi o catalisador para levar Angola à independência e à soberania fora do âmbito neocolonial, assim como à vitória sobre o “apartheid”, não é já numa situação de paz que o capitalismo neoliberal, (que antes atuou provocando o choque e agora atua com o “soft power” da terapia), apagará da história a memória da experiência do camarada António Agostinho Neto e do que ela representa para o povo angolano e para África!...

Foto da chegada a Luanda, do camarada Presidente António Agostinho Neto (4 de Fevereiro de 1975).

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