terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Sahara Ocidental. O lápis é a nossa voz, com ele curamos as nossas feridas e a nossa dor

Reino Alauita incapaz de entender o que é um julgamento justo
Iniciou-se a 26 de Dezembro o julgamento civil de 24 activistas saharauis de direitos humanos saharauis, 21 dos quais estão detidos há mais de 6 anos. O julgamento foi suspendido e retomado no passado dia 23 de Janeiro. Após 3 dias de um julgamento em que os acusados foram impedidos de ouvir a totalidade dos procedimentos o processo foi novamente suspenso até ao próximo dia 13 de Março.

Em Fevereiro de 2013, este grupo foi julgado em tribunal militar. Neste julgamento inicial, 25 activistas foram acusados e julgados, 24 dos quais já estavam detidos há três anos sem julgamento e um com pedido de exílio em Espanha, que foi condenado à revelia.
As sentenças vão de 20 anos a cadeia perpétua, sendo que nunca nenhum crime foi provado pela acusação nem foram aceites as provas de inocência, as únicas provas presentes foram confissões obtidas sob tortura extrema que os acusados não puderam ler. Dois presos foram libertados com mais de dois anos de prisão efectiva e um está em liberdade condicional devido ao estado de saúde debilitado em que se encontra.

Após três anos de protestos, relatórios e acções de solidariedade, em que a comunidade internacional condenou este julgamento ilegal, Marrocos decide fazer um novo julgamento desta vez civil. Os 21 presos serão acusados e julgados de novo com as mesmas acusações, e não sendo isto ilegalidade suficiente para Marrocos (não se pode ser condenado duas vezes pelo mesmo crime) ainda irão julgar novamente os dois ex-presos que foram libertados com pena cumprida em 2013, assim como o activista que se encontra em liberdade condicional.

Asilo político em Espanha

Hassanna Aalia, a quem foi concedido o asilo político em Espanha, devido ao facto de ser acusado de crimes que não cometeu e correr perigo de vida, não foi incluído no processo, provavelmente porque Marrocos não está interessado em ouvir os advogados de defesa apresentarem a justificação da sua ausência e as razões pelas quais Espanha concedeu o asilo político. Este facto é sem dúvida um dos maiores problemas para Marrocos uma vez que desmascara a farsa destes procedimentos que são perseguição política de activistas de direitos humanos.

Naama Asfari, preso político com sentença de 30 anos, é outro problema para Marrocos uma vez que através da associação francesa ACAT foi apresentada uma denúncia/queixa a Comissão de Tortura das Nações Unidas que em Dezembro 2016 condenou Marrocos pela prática de tortura, detenção arbitrária e processo jurídico nulo, provando que tanto Naama Asfari como os restantes presos de Gdeim Izik são vítimas de perseguição política.

Tone Moe, observadora internacional da Noruega acreditada pela FUSO diz que, em primeiro lugar, é preciso notar que o direito a um julgamento justo é uma salvaguarda básica quando se respeitam os direitos humanos mais elementares. O julgamento de apelação contra o grupo de  Gdeim Izik é, a este respeito, um tanto hipócrita. Por um lado, temos um juiz que constantemente se refere ao “direito a um julgamento justo” e pede o direito para os réus. Entretanto, é evidente que o juiz não sabe o que significa um julgamento justo.

Julgamento hipócrita


Quando se trata do direito a uma audiência pública, o juiz do processo refere-se constantemente à divisão entre a sua sala de audiência e as “medidas de segurança que não são da sua conta”. Entretanto, havia uma clara segmentação na entrada, uma vez que membros das famílias dos acusados ​​e saharauis não podiam entrar. Esta segmentação violou o direito a uma audiência pública. Além disso, testemunha a discriminação em que vivem os saharauis, quando é explícito no artigo 14 do PIDCP (Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos) que a legislação nacional deve proibir qualquer tipo de discriminação.

Juíz não sabe o que é princípio da presunção da inocência

A presunção de inocência, conforme codificada no artigo 14 do PIDCP, é uma parte fundamental do direito a um julgamento justo. A presunção de inocência é claramente violado no julgamento do Gdeim Izik. A defesa das vítimas disse que os acusados ​​eram assassinos e tiranos brutais, não tendo o juiz jamais chamado a atenção para os termos utlizados. Os meios de comunicação e o promotor chamaram os acusados ​​de assassinos e as supostas vítimas como mártires, durante semanas, em todos os meios de comunicação social e continuaram com a mesma terminologia durante o julgamento. Isto dá uma indicação clara da falta de equidade, tendo em consideração que é fundamental que o juiz defenda o princípio do ónus da prova, que é colocado na acusação.

Confissões obtidas através de tortura

O artigo 293 do Código Penal marroquino proíbe o uso de “confissões” obtidas através da tortura e outros maus tratos, afirmando que uma “confissão” obtida por “violência ou coerção não deve ser considerada como prova pelo tribunal”. Neste caso a principal evidência contra os acusados ​​são documentos e confissões obtidos através de tortura violenta. Essa evidência é ilegal, mas foi admitida como prova pelo tribunal. Além disso, Marrocos não investigou as numerosas alegações de tortura dos prisioneiros, o que constitui uma violação adicional. O Procurador Geral desmentiu que tivesse havido denúncia por parte dos acusados,  o que é falso visto que, no julgamento de 2013, os observadores presentes presenciaram a denúncia, descrição e viram as feridas e cicatrizes dos activistas saharauis como foi publicado em vários relatórios.

Os 21 presos tiveram que assistir ao seu julgamento numa jaula de vidro sem possibilidade de ouvir todos os oradores, nem lhes foi facultada a possibilidade de tirar apontamentos não podendo ter consigo material para escrever, também foi denunciado o facto de um dos advogados de defesa nunca ter tido oportunidade de visitar os presos.

“Estamos presos por sermos activistas de direitos humanos, por defendermos o direito à autodeterminação”

No exterior, as famílias e cidadãos saharauis que se manifestaram  pacificamente durante os três dias de julgamento apoiando os acusados e exigindo a autodeterminação, foram atacados por “hordas” de marroquinos organizados e apoiados pela policia que lhes atiravam com garrafas de água, de ácido, laranjas e ratazanas mortas.

Abdallahi Sbaai que se encontrava dentro do tribunal foi chamado à parte por agentes da policia que lhe disseram: ou desapareces daqui ou levamos-te num saco para cadáveres.
Isto aconteceu após uma “explosão” de gritaria dentro do tribunal (ver video) quando uma das advogadas francesas da defesa invocou a ocupação do Sahara Ocidental, e foi impedida de continuar a apresentar o memorando que tinha preparado.

Sempre que entravam na sala ao serem conduzidos para a “jaula de vidro” os presos gritavam Labadil Labadil antakrir al massir (não há outra solução que a autodeterminação). Sidi Abdallahi Abhaha gritou em espanhol: somos activistas de direitos humanos, defendemos a autodeterminação, apoiamos a POLISARIO.

Naama Asfari, ao exigir material de escrita que lhes foi retirado logo na primeira sessão disse: a minha caneta é a minha arma, enquanto que El Bachir Boutanguiza  afirmou: “O lápis é a nossa voz, com ele acalmamos as nossas feridas e a nossa dor, tanto na intimidade como para o público”.

Isabel Lourenço – Jornal Tornado

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