sábado, 11 de fevereiro de 2017

Mohammad, o refugiado sírio que brilha na robótica em Coimbra

Mohammad Safeea, refugiado sírio de 29 anos, tirou 20 valores na tese de mestrado em Engenharia Mecânica, na Universidade de Coimbra. Hoje, realiza doutoramento e é já uma peça "fundamental" no laboratório de robótica.

Assim que se fala nos 20 valores que obteve com a sua tese de mestrado no ano letivo passado, Mohammad começa a rir-se, num jeito meio tímido, e recusa colher os louros: "Foi por causa da ajuda dos meus amigos e do meu professor, que é muito brilhante e deu-me muitas ideias".
O jovem, natural de Damasco, mas de origem palestina, saiu da Síria pouco depois de a guerra eclodir no país, em 2011. O sírio, que desde pequeno sempre teve os robôs como uma paixão, esteve dois anos na Argélia e sem possibilidade de prosseguir os estudos.
Chegou à Universidade de Coimbra (UC) em 2014, no âmbito da plataforma lançada pelo antigo Presidente da República Jorge Sampaio: "28 de março de 2014", diz de cor.
Apesar dos dois anos de interregno nos estudos, o jovem sírio conseguiu fazer um "trabalho original que está a ser avaliado numa das melhores revistas da área", diz à agência Lusa o seu orientador de mestrado e doutoramento, Pedro Neto.
Para Mohammad Safeea, há muitos motivos que o levaram a entregar-se daquela forma a uma tese.
Por um lado, há uma "paixão de criança" pela robótica, por outro, há a vontade de singrar.
"Vens da Síria e tens de mostrar que trabalhas bem. Vens de um país em guerra e então tens de construir um futuro. Tenho de trabalhar no duro para isso", sublinha o investigador.
Na própria Síria, Mohammad já era visto como um refugiado - os seus pais são refugiados palestinos. Essa condição desde cedo o ensinou a lutar e a mostrar que era capaz.
"As pessoas têm outro olhar. Não te levam a sério. Tens de dar provas primeiro", sublinha o refugiado, que ora fala em português ora em inglês.
Na língua de Shakespeare, explica que agora na tese de doutoramento integra um projeto europeu para evitar colisões entre robôs e humanos, em contexto de fábrica.
"A experiência que existe é que quando os robôs trabalham sozinhos não são muito eficientes e quando os humanos trabalham sozinhos também não é muito eficiente. É preciso tirar o melhor dos dois", salienta Mohammad.
No laboratório, o refugiado, equipado com sensores, avança contra um braço robótico, que se vai desviando dos movimentos do investigador.
Aqui, quer-se criar "o fato do futuro", frisa.
Pedro Neto sublinha que o jovem sírio é hoje "um membro bastante importante do laboratório".
"Falta mão-de-obra especializada nesta área e ele veio, de certa forma, suprimir essa falta", realça, considerando que "não é comum" encontrar-se alguém com as capacidades do Mohammad, seja sírio, português ou de outra nacionalidade qualquer.
No entanto, não é só Mohammad que está a criar um caminho de sucesso pela Universidade.
"Todas as histórias são de sucesso. Há uma boa integração dos estudantes na Universidade, com a comunidade académica, e todos eles se sentem muito bem por terem sido acolhidos nesta cidade", salienta a assessora da vice-reitora Clara Almeida Santos, Teresa Baptista.
Ao todo, a UC conta com oito refugiados, seis dos quais chegaram à instituição através da plataforma promovida por Jorge Sampaio.
Com a exceção de uma estudante que não conseguiu integrar-se, todos os outros se sentem bem em Portugal, nota Teresa Baptista, em declarações à Lusa.
Mounir, de Alepo, está a pensar em abordar o tema da "reconstrução" no doutoramento em arquitetura, recordando a sua cidade, uma das mais afetadas pela guerra civil.
"A vida aqui é boa", constata o estudante de 25 anos, que, ao início, se sentia um "turista" na cidade, mas que hoje está adaptado e já aprende a cantar temas de Fernando Lopes-Graça no Coro Misto da Universidade de Coimbra, onde é tenor.
Omar, de Idlib, perto de Alepo, terminou o mestrado em Engenharia Informática, na UC, e já está a trabalhar, no âmbito de um estágio profissional, em Lisboa.
"Conheço as pessoas e conheço a língua. Se continuar a ter trabalho, vou ficar aqui", diz.
Já Mohammad é mais assertivo na hora de falar sobre Portugal. Para o investigador que gosta de ouvir Blasted Mechanism e de comer bacalhau, Coimbra é já "uma segunda casa".
"Quero ficar aqui para sempre. Tenho muitos amigos, amigos especiais, e aqui é como uma segunda família para mim", diz, em português, o jovem sírio, de sorriso fácil, que encarou a presença para Coimbra como uma "oportunidade única na vida".
"Não a podia desperdiçar. A minha vida depende disto".
Lusa
Imagem:Impala

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