Esta prosa devia começar por um bom dia, mas não. Este não é um bom dia, nem será nos tempos mais próximos para todos os portugueses que sintam a tristeza e o pesar da calamidade que se abateu sobre os que em Pedrógão Grande foram literalmente consumidos pelas chamas. A contagem já vai em 64 mortos e 157 feridos. Ainda há feridos em estado grave. Principalmente um bombeiro internado no Hospital da Prelada, no Porto.
Tudo começou por um raio que partiu uma árvore. Um raio que a partiu e que a incendiou. Depois aconteceu o que sabemos e o que não sabemos. Dali se produziu e realizou a catástrofe de um fogo enorme que ocupa milhares de hectares e pôs a arder três distritos do centro de Portugal, Leiria, Coimbra e Castelo Branco. Isso, sabemos. Assim como sabemos que os fogos continuam a crepitar por lá. Não tão intensos, mas crepitam a valer. E se apanharem mais portugueses consomem-nos.
Curiosamente não há raios que partam os políticos, os “sábios”, os governantes que de mãos dadas com os interesses dos das celuloses contaminam a floresta de Portugal. Nem aqueles que decidiram dar fim à Guarda Florestal. Mal por mal que fossem esses a serem partidos pelos raios. Claro que isto é somente um desabafo figurativo. Aqui não se deseja a morte de ninguém. E ainda para mais estamos longe de a proporcionar. Nem queremos. O mesmo não se pode afirmar dos que se conluiam com os das celuloses, dos eucaliptos que proporcionam a celulose, o papel higiénico que usamos sabendo que tem um destino sujo e repelente. O mesmo será legitimo desejar aos que têm dado origem a tanta desorganização florestal, a tanto abandono, a tanta balbúrdia, a tantas perdas materiais, a tantas perdas de vidas humanas e dos habitantes naturais das florestas que caracterizamos por vida animal. Fauna e flora ardem. E também portugueses. Desta feita foi às largas dezenas a perda de vidas humanas, ainda e sempre choradas pelos familiares e amigos. E por todos nós, os que sentem e se revoltam contra os inúmeros causadores do abandalhamento da ordenação, regulação e vigilância florestal. Esses, hoje, como antes e depois, estão confortavelmente encafuados no ar condicionado dos seus gabinetes. No ar condicionado da Assembleia da República ou em instalações do governo. São o governo. Governo de quem? Que governos?
Não podemos assacar total responsabilidades ao governo atual, de António Costa. Mas devia ter sido mais lesto porque o verão em Portugal é severamente canículo. Todos sabemos isso. Mas a todos os governos anteriores cabem muitíssimas responsabilidades. Totais. Responsabilidades que, para haver justiça, deviam finalmente serem incriminados, pelo que aconteceu a partir de sábado na região e pelo que tem acontecido ao longo de anos e anos de forrabadó a tramar as florestas e os portugueses. Não é exagero nem será demais, tão pouco é fundamentalista, levar à justiça os que têm reais responsabilidades pelos crimes que têm cometido nas cedências aos das celuloses e no desvario das políticas florestais. Levantem-se os réus, os incendiários políticos, técnico-“sábios” e morais. Levar à justiça os responsáveis não se trata de ajuste de contas, de vingança, mas sim de justiça. E sem justiça não existe democracia. Pois é.
Este é o Expresso Curto. Melhor dito: a introdução matinal ao Curto – que de introdução relacionada só tem a calamidade do fogo… Que basta e até transborda.
O servidor da cafeína é Nicolau Santos. Também ele siderado. Mas quem não está?
Tenha um bom dia, se conseguir. É difícil, não é? Saiba mais se continuar a ler o Curto. Descansem em paz, vítimas da incúria florestal.
MM / PG
Bom dia, este é o seu Expresso Curto
Nicolau Santos | Expresso
“Não me lembro de uma escuridão tão escura”
Este é o seu Expresso Curto, mas este não é um bom dia. Foi há 48 horas mas ainda guardamos nas retinas as imagens dos carros carbonizados, esventrados, portas e capôs abertos, enfaixados uns nos outros ou contra os rails, virados nas bermas, como animais de ferro desesperados que tentaram fugir à morte pelo fogo - e mesmo sem termos estado lá imaginamos o pânico, o desespero, as dores, os gritos. Este não foi um fogo que ardeu sem se ver. Era o diabo e veio do inferno, conta quem lhe sobreviveu.
Como é morrer queimado? Como é sentir que caímos numa armadilha de fogo e de repente, por entre o pânico, o medo, o desespero, percebermos que não vamos conseguir escapar? Como é sentir o fogo a envolver-nos por baixo, por cima, pelos lados, nos cabelos, no corpo, o calor insuportável? Como é possível morrer queimado dentro dos nossos espaços íntimos, aqueles onde nos sentimos mais seguros, as nossas casas, os nossos carros? Como é possível que uma tão grande tragédia tenha caído sobre todos nós?
Sim, acontece em todo o lado. Ainda há duas semanas aconteceu num prédio de 24 andares, com 120 apartamentos, em Londres. Fogo, de novo. 79 mortos. E agora Pedrógão Grande. 500 metros na Estrada Nacional 236. Sessenta e quatro mortos, 135 feridos, sete em estado grave. Acontece, mas não devia acontecer. Não podia acontecer. Estamos no século XXI. Temos robôs, drones, uma enorme parafernália eletrónica para melhorar a qualidade de vida das pessoas, a segurança, a vigilância. E depois morre-se pelo fogo como na Idade Média.
Podia ter sido evitado? A estrada da morte não devia ter sido cortada de imediato? O incêndio era pequeno e, de repente, foi uma coisa nunca vista, instalando o inferno em Pedrógão Grande e arredores? “Não me lembro de uma escuridão tão escura”, diz Zilda Simões, 87 anos. “Bastaram alguns segundos e tudo ficou reduzido a cinzas. Num momento as chamas estavam a quilómetros, noutro já estavam em cima de nós”, acrescenta Henrique Carmo, morador na Adega, pequena aldeia do concelho de Pedrógão Grande. “O lume era tanto, o vento era tão forte. Onde não havia lume, aparecia. Eram remoinhos, foi uma coisa fora do normal. Nunca na minha vida vi tal coisa”, explica António Dinis, de Vila Ficaia “Estas ruas, estas casas... era só lume. Foram oliveiras, videiras, casas. Não há explicação, foi uma coisa de repente que passou e que parecia o diabo”, descreve um amigo, Joaquim Costa. E depois há o olhar dos fotógrafos. “Aqui há sobretudo imagens e quase nenhuma palavra. E é duro e triste e comovente à mesma”. E há sobretudo as grandes reportagens do Ricardo Marques, Christiana Martins e Hugo Franco e as fotos do Rui Duarte Silva que temos estado a publicar no Expresso Diário.
E depois temos o Presidente da República. Marcelo Rebelo de Sousa foi o segundo a chegar ao posto de comando, apesar de desaconselhado pela GNR por falta de condições de segurança, depois do secretário de Estado da Administração Interna, Jorge Gomes. Encontrou-o em desespero e puxou pelos ânimos: “não era possível fazer melhor”. Dois dias depois, o Presidente reconhece: um novo posto de comando trouxe “organização e meios muito diferentes dos que existiam” no sábado.
Confortou os que perderam familiares e bens, elogiou os bombeiros, “heróis nacionais”, falou com os presidentes das três camaras envolvidas na tragédia. Levou palavras de “ânimo, confiança e conforto”. Criticá-lo por isso, como fez o deputado do CDS, Helder Amaral, é lamentável. É nos momentos de crise que os comandantes devem mostrar que estão com o seu povo.
Claro que haverá ilações a tirar a todos os níveis. O Governo quer saber, por parte do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, o que é que houve de anormal nas condições atmosféricas e climáticas naquele dia; e “se houve falha de comunicações do sistema do Estado", o SIRESP - Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal; e pediu esclarecimentos sobre "o encerramento ou não encerramento da Estrada Nacional onde se deu o fatídico caso”. O líder do PSD, Passos Coelho, também já o disse: "As pessoas quererão saber, têm o direito a saber, a explicação para que isto tivesse acontecido. Este ainda não é o momento de poder fornecer essa resposta cabal, eu penso que ela ainda não existe", afirmou, salientando que a primeira resposta terá de ser dada ao nível técnico. Mas posteriormente terá de haver "uma avaliação de natureza política". Vem aí grande agitação política e não vai ser bonito de se ver.
Como é morrer queimado? Como é sentir que caímos numa armadilha de fogo e de repente, por entre o pânico, o medo, o desespero, percebermos que não vamos conseguir escapar? Como é sentir o fogo a envolver-nos por baixo, por cima, pelos lados, nos cabelos, no corpo, o calor insuportável? Como é possível morrer queimado dentro dos nossos espaços íntimos, aqueles onde nos sentimos mais seguros, as nossas casas, os nossos carros? Como é possível que uma tão grande tragédia tenha caído sobre todos nós?
Sim, acontece em todo o lado. Ainda há duas semanas aconteceu num prédio de 24 andares, com 120 apartamentos, em Londres. Fogo, de novo. 79 mortos. E agora Pedrógão Grande. 500 metros na Estrada Nacional 236. Sessenta e quatro mortos, 135 feridos, sete em estado grave. Acontece, mas não devia acontecer. Não podia acontecer. Estamos no século XXI. Temos robôs, drones, uma enorme parafernália eletrónica para melhorar a qualidade de vida das pessoas, a segurança, a vigilância. E depois morre-se pelo fogo como na Idade Média.
Podia ter sido evitado? A estrada da morte não devia ter sido cortada de imediato? O incêndio era pequeno e, de repente, foi uma coisa nunca vista, instalando o inferno em Pedrógão Grande e arredores? “Não me lembro de uma escuridão tão escura”, diz Zilda Simões, 87 anos. “Bastaram alguns segundos e tudo ficou reduzido a cinzas. Num momento as chamas estavam a quilómetros, noutro já estavam em cima de nós”, acrescenta Henrique Carmo, morador na Adega, pequena aldeia do concelho de Pedrógão Grande. “O lume era tanto, o vento era tão forte. Onde não havia lume, aparecia. Eram remoinhos, foi uma coisa fora do normal. Nunca na minha vida vi tal coisa”, explica António Dinis, de Vila Ficaia “Estas ruas, estas casas... era só lume. Foram oliveiras, videiras, casas. Não há explicação, foi uma coisa de repente que passou e que parecia o diabo”, descreve um amigo, Joaquim Costa. E depois há o olhar dos fotógrafos. “Aqui há sobretudo imagens e quase nenhuma palavra. E é duro e triste e comovente à mesma”. E há sobretudo as grandes reportagens do Ricardo Marques, Christiana Martins e Hugo Franco e as fotos do Rui Duarte Silva que temos estado a publicar no Expresso Diário.
E depois temos o Presidente da República. Marcelo Rebelo de Sousa foi o segundo a chegar ao posto de comando, apesar de desaconselhado pela GNR por falta de condições de segurança, depois do secretário de Estado da Administração Interna, Jorge Gomes. Encontrou-o em desespero e puxou pelos ânimos: “não era possível fazer melhor”. Dois dias depois, o Presidente reconhece: um novo posto de comando trouxe “organização e meios muito diferentes dos que existiam” no sábado.
Confortou os que perderam familiares e bens, elogiou os bombeiros, “heróis nacionais”, falou com os presidentes das três camaras envolvidas na tragédia. Levou palavras de “ânimo, confiança e conforto”. Criticá-lo por isso, como fez o deputado do CDS, Helder Amaral, é lamentável. É nos momentos de crise que os comandantes devem mostrar que estão com o seu povo.
Claro que haverá ilações a tirar a todos os níveis. O Governo quer saber, por parte do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, o que é que houve de anormal nas condições atmosféricas e climáticas naquele dia; e “se houve falha de comunicações do sistema do Estado", o SIRESP - Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal; e pediu esclarecimentos sobre "o encerramento ou não encerramento da Estrada Nacional onde se deu o fatídico caso”. O líder do PSD, Passos Coelho, também já o disse: "As pessoas quererão saber, têm o direito a saber, a explicação para que isto tivesse acontecido. Este ainda não é o momento de poder fornecer essa resposta cabal, eu penso que ela ainda não existe", afirmou, salientando que a primeira resposta terá de ser dada ao nível técnico. Mas posteriormente terá de haver "uma avaliação de natureza política". Vem aí grande agitação política e não vai ser bonito de se ver.
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