Todo processo - dos psicológicos aos sociais - é dialético. Isto significa afirmar que todo processo é movimentação permanente, intrínseca ao próprio processo (tensão entre situações diversas e opostas, teses e antíteses configuradoras de sínteses).
É oportuno, mais fácil, explicar o que acontece como se tivesse sempre uma causa interveniente, situações iniciadoras; mas essa abordagem resulta de desconhecer ou de negar o processo dialético, negar o surgimento de impasses que são decorrentes das forças em jogo. A mudança não pode ser explicada buscando causas, origens determinantes da mesma; ao fazer isto instalam-se reducionismos, criam-se culpados e responsáveis alheios ao processo que está se desenrolando, embora pertencentes e contextualizados em outros processos. Estas distorções, decorrentes da não globalização dos acontecimentos, ocorrem tanto no âmbito político-social (partidos políticos, agremiações etc) quanto no âmbito privado (crises individuais e familiares etc), consequentemente posicionam, fragmentam e acomodam. A mesma tese em relação a A pode ser antítese a Z e síntese a Y, esta dinâmica esclarece e congestiona.
Como dizia Karl Marx: "A humanidade não se coloca problemas que ela não possa resolver".
Tudo que é novo resulta da simultaneidade, do confronto de estruturas antagônicas, não decorre de causas específicas, mas sim de um processo estabelecido pelo encontro de inúmeras variáveis, teses, antíteses e sínteses. Ao perceber que o que acontece é diferente do que se espera acontecer se instaura o novo, tanto quanto se cria impasse entre situações anteriormente vivenciadas como toleráveis ou intoleráveis, que reconfiguram os contextos, criando algo novo. A vivência do novo é irreversível, está sempre apontando para e iniciando outras situações diferentes das existentes e isso é mudança. A continuidade da mudança vai depender de não existirem entraves e impedimentos à mesma. Utilizar posições e matrizes das estruturas superadas e questionadas é uma maneira de descontinuar a mudança, fragmentá-la; é uma tentativa de inseri-la em outras ordens que não as resultantes da superação ao impasse, é acomodação.
Na esfera política, movimentos de protesto e repulsa à corrupção e outras arbitrariedades contra a cidadania, por exemplo, podem ser neutralizados por criação de agendas e pautas de atendimento se estas não estiverem direcionadas ao cerne da questão. Esta convergência - satisfazer reivindicações - pontualiza os questionamentos, criando enquadramento, criando contextos descontinuadores da antítese. Direcionar antíteses para reivindicações, pedidos ou soluções, é uma maneira de impedir sínteses, é uma maneira de ajustar as contradições, amortecendo-as. Esta tentativa de quebra do processo dialético, gera novas atmosferas, gera objetivos que passam a ser sinalizadores de demandas, quando na verdade são resultantes de manobras criadas para descontinuar as situações novas. A substituição da motivação, a inclusão de a priori - medos e experiências - são superposições ao que acontece, consequentemente confundem, escondem e disfarçam o ocorrido. Isto explica tanto os processos individuais quanto os sociais. Sem síntese, as teses e antíteses, os impasses e questionamentos são transformados em divisão, paralelas onde a possibilidade de mudança é retardada, deslocada.
Amortecer antíteses é a maneira de neutralizar questionamentos. Sem antítese, sem encontro, há um vazio, espaço preenchido por qualquer coisa alheia ao questionado, ao gerador de impasse. Novos questionamentos são necessários para que surja antítese.
Em psicoterapia é frequente a mudança ser transformada em ferramenta de manutenção quando ela é utilizada e reduzida às melhoras factuais e oportunas. Perceber, por exemplo, que o relacionamento conjugal construido em estruturas de sonhos, mentiras e ilusão, desmorona e ainda assim tentar reconstruí-lo com novos acertos e contratos negociados é uma maneira de atualizar o superado, o desgastado, de negar o novo, de negar o fracasso do próprio relacionamento, neutralizando temporariamente os questionamentos. Nestes casos, diálogos podem ser apenas paliativos; compreensão pode ser uma maneira de negar o ocorrido; encontrar o bode expiatório - descobrir a culpa - como causa responsável pela modificação do afeto, se transforma em um elemento salvador. Todas estas atitudes são formas de ficar diante do acontecido, neutralizando-o por se estar imerso em outras motivações, desejos e compromissos.
Utilizar o alívio dos sintomas desagradáveis para tentar realizar situações e desejos que os determinaram, é o oportunismo, a instrumentalização dos processos de mudança.
Coerência e fidelidade ao que se questiona, ao impasse criado é o que vai permitir a mudança, a continuidade do novo.
**Vera Felicidade
- "Phenomenologie et Materialisme Dialectique" de Tran-Dúc-Thào
- "A Dialética Materialista" de Alexandre Cheptulin
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