terça-feira, 12 de setembro de 2017

Eu, Psicóloga | USP identifica alteração cerebral em mulheres com depressão pós-parto



Quando o bebê acordava e eu tinha que ir lá acalentar e dar de mamar, eu pensava em jogar ele na parede. Eu sinto uma dor de falar isso, mas acho importante falar, porque depois que eu expus isso, muita mãe falou ‘eu também tinha essa vontade’. Só que ninguém tem coragem de falar. Uma mãe falar que tem vontade de jogar o filho na parede, recém-nascido, aquela coisa gostosa, é muito difícil.”

Embora forte, a declaração da jornalista Thais Souza se refere a uma dura realidade enfrentada por ela há pouco mais de um ano, após o nascimento do primeiro filho.
Thais teve depressão pós-parto e só conseguiu superar a doença com a ajuda de tratamento e da família. “Eu só falava as coisas negativas [de se ter filho], mas era porque eu estava sentindo aquilo. Eu achava que era normal, e não era. Era uma questão da doença, da depressão mesmo”, diz. Hoje, ela está grávida do segundo filho.

Segundo pesquisadores da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto, casos como o de Thais representam 19% das mulheres brasileiras. Um estudo feito com mulheres que acabaram de dar à luz revelou as alterações no cérebro causadas pela depressão pós-parto.

Um grupo de 61 mulheres com a doença foi selecionado após uma ampla triagem, e submetido a exames de ressonância magnética. As imagens mostraram que as pacientes sofreram alterações neuroquímicas na região do cérebro diretamente ligada aos estímulos afetivos.

De acordo com o pesquisador Carlos Eduardo Rosa, houve uma redução do complexo de glutamato no cérebro. A substância é responsável pelo processo da neurotransmissão dos neurônios do córtex cerebral e pela formação de sinapses. O estudo também apontou uma diminuição do complexo de NAA, que compromete o metabolismo.

Além disto, uma das regiões estudadas tem importante papel nas funções executivas (relacionadas a adaptação e flexibilidade para lidar com novas contingências, resolução de problemas, respostas de movimentos e verbais a estímulos externos, ativação de memórias remotas e ao direcionamento do comportamento) e na cognição, que ficam comprometidas em estados depressivos.

“Nós encontramos um marcador biológico de uma alteração bioquímica e metabólica no cérebro, de uma região envolvida na cognição e na regulação do processamento dos estímulos emocionais”, diz Rosa.

A médica Flávia Maciel de Aguiar Fernandes de Mendonça explica que, em um primeiro momento após o parto, 50% a 80% das mulheres sofrem algum tipo de tristeza de caráter fisiológico, caracterizada por comportamento melancólico e choro. No entanto, a depressão pós-parto costuma ser um pouco mais tardia.

“Ela vai aparecendo depois de quatro semanas ou mais do nascimento do bebê. Progressivamente, essa mulher vai ficando mais entristecida. Ela pode ter crises de ansiedade, tipo síndrome do pânico, um desinteresse por si mesma, pelo bebê, pelas situações da vida com graus variados”, diz.

Segundo Flávia, os sintomas são variados e apresentam intensidades diferentes. O diagnóstico também deve levar em consideração o quanto a qualidade de vida da mulher e da dinâmica familiar são afetadas.

“Muitas pessoas acham que não há motivo pra mulher estar assim se o bebê está bem, que é falta do que fazer. Mas, a depressão pós-parto é uma doença como outra qualquer. Como a gente trata diabetes, hipertensão, qualquer outra condição, a depressão pós-parto também precisa ser tratada.”

Rosa ainda destaca que, quando não diagnosticada, a depressão pós-parto pode se agravar e levar a mulher a desenvolver uma psicose, levando-a a tomar medidas extremas como o suicídio.

Para o pesquisador, o estudo que apontou as alterações neuroquímicas poderá permitir, no futuro, que a técnica integre a metodologia para se chegar ao diagnóstico.

“Esse exame pode ser utilizado com o intuito de saber se ela [paciente] poderá responder mais ou menos a determinados tipos de intervenções terapêuticas, a alguns remédios ou intervenções de neuromodulação.”



Idem Debora Oliveira
Psicóloga Clínica

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