Fundado em 1931, o CF Os Marialvas faz parte, indelevelmente, da história do Município de Cantanhede.
Um dos maiores clubes do Concelho, o Marialvas tem passado, de alguns anos a esta parte, dificuldades que ilustram bem a perda do poder económico em tempos de “vacas magras”, que tanto tem atrapalhado os planos de crescimento de uma vasta região concelhia, não somente na área do desporto, como também na política e na área social.
Mas, nem só de coisas más vive o desporto regional. Por isso, uma “comissão administrativa” formada por 5 elementos, “pegou o touro pelos cornos” e assumiu o comando do clube em 2 de Agosto de 2016.
O Jornal Mira Online esteve a conversa com 2 dos elementos desta Comissão Administrativa, Sérgio Negrão e Vítor Claro, que transmitiram a imagem real do clube.
“A expressão “clube falido” é válida para o que encontramos. Só para terem uma ideia clara da situação, quando terminamos o primeiro ano do nosso mandato, tínhamos eliminado cerca de 80.000,00 € de dívidas do clube, uma grande parte delas às Finanças, num problema que já se arrastava desde 2006”.
Admitindo, em tom de brincadeira que o Marialvas “não ficou mais rico por causa disto”, Sérgio Negrão admitiu, em tom mais sério que o facto de terem diminuído a dívida “ao menos serviu para podermos andar de cabeça mais erguida lá fora, perante todos”.
Foi necessário, então, um caminho “mais estreito” para que se pudesse chegar ao primeiro objetivo que Negrão e sua equipa tinham em mente: a realidade nua e crua é a de que, mesmo tendo subido de divisão, o Marialvas “é a única equipa da Divisão de Honra de Coimbra que não paga nada aos seus atletas… temos um grupo muito forte e unido que veio da formação e sente muito a camisola do Marialvas. Chegamos a ter uma média de idade de 21 anos e temos jogadores na equipa principal que aqui estão desde os 6 anos de idade, para além de termos o nosso capitão… com 45!”. Esta mescla de idades mostra bem o amor ao clube que existe naquelas paragens...
O balanço do primeiro ano desta Comissão Administrativa “foi bastante positivo… utilizamos este tempo a tentar limpar a casa, limar arestas” e o que resta em matéria de dívidas, por agora, é algo que os gestores do clube classificam como “uma dívida que consegue ser gerida no dia-a-dia”, onde os principais credores também tem percebido a realidade das ações e compreendido que a forma de gerir “está a dar frutos”.
O Município de Cantanhede também tem sido um parceiro do Marialvas, no sentido de serem alcançadas soluções para a recuperação do clube, muito pelo facto do Pavilhão pertencer ao clube, o que favorece – em muito – a conquista de verbas necessárias para o emagrecimento da dívida, para além de uma renegociação com a Câmara Municipal, uma vez que “naquele momento, há pouco mais de um ano, podemos dizer que o clube corria sério risco de fechar portas”, avançou Vítor Claro à reportagem.
A Honra acima de tudo
Os elementos da Comissão fizeram questão, desde a primeira hora de, com os seus bons nomes “no mercado”, procurar cada um dos seus “fornecedores” a solicitar que cada um confiasse na palavra dada de colocar as contas em ordem o quanto antes. Um bom exemplo disto foi a situação que ocorreu com a Associação de Futebol de Coimbra que esteve sempre a solicitar que se fizesse um Plano de Pagamentos. Afirmando que não estavam para “fazer um Plano e logo no primeiro pagamento não poder cumprir”, ao fim de um ano lá estavam eles a fazer… o pagamento integral da dívida!
Não sendo “amadores no Associativismo”, cada um dos elementos procurou dar azo à criatividade para que os problemas fossem diminuindo paulatinamente. É claro que eles persistem ainda, mas não são “nem de perto nem de longe” da mesma gravidade dos primeiros tempos em que a Comissão dirigiu os destinos do clube!
“O Marialvas bateu no fundo”
E a questão política? Houve interferências? Afinal, estávamos em tempo de Autárquicas… Mas, a resposta peremptória neste caso foi que “não… por incrível que possa parecer, ninguém, de nenhuma estrutura partidária, procurou-nos! Mas, isso é bom, pois o clube deve ser apartidário e, se formos realistas, nos últimos 15 anos ninguém quis ter a imagem colada ao Marialvas (risos)”.
Garantindo que o clube continuará seguindo o caminho trilhado e que estão a sentir “uma clara reaproximação da comunidade à volta do Marialvas”, Sérgio e Vítor sentem um enorme orgulho nos outros três elementos da Comissão. Talvez seja este um dos “segredos” do alavancar do clube: as decisões são tomadas por maioria, sem haver uma hierarquia que tudo decide. Todos eles votam, dão opiniões, são partes importantes de um processo complexo. E isto parece refletir para fora… as pessoas percebem “que algo está a ser feito, que está a mudar”.
Futuras eleições
Assumindo que “existe a vontade de continuarmos a dar o nosso melhor pelo clube”, eles entendem – como é óbvio – que isso dependerá da vontade dos associados, que poderão ditar, nas urnas, o futuro próximo do Marialvas. Ainda não estão marcadas as eleições, pelo facto de estar em processo de recuperação, o clube, mas elas não devem demorar. Atingido o equilíbrio financeiro que se espera, será necessário cumprir os trâmites normais para que a data possa ser oficializada. Mas eles também deixam um recado à comunidade marialvina: “Estamos aqui, como já dissemos, na disposição de continuar a contribuir com o clube e as suas gentes… percorremos o caminho das pedras, mas não queremos – nem devemos – estar aqui, permanentemente! Queremos que o clube siga em frente seja com quem for, mas que siga no caminho do sucesso!”
A decisão soberana é dos sócios “o clube é deles, de mais ninguém, venha quem vier ou fiquemos nós, importante é o Marialvas poder olhar em frente, de uma forma mais risonha. Temos um objetivo desportivo claro, alicerçado em ideias realistas… mas, também temos um objetivo ainda maior: que, seja quem for que venha, não tenha que passar por tudo aquilo que nós já passamos. Isto é o ideal!”.
Projeto ambicioso a nível desportivo
Para quem olha para a actual realidade do Marialvas e lê no projeto para 2020 que o clube pretende ter 3 equipas nos nacionais dos diversos escalões nos próximos anos, parece haver, aí, um contra-senso. Mas, estes homens parecem não ter medo de colocar a fasquia num patamar mais alto. “É claro que este objetivo implica que estejamos a fazer um investimento grande a nível de profissionais na área do futebol de formação… e aqui entra a parceria que fazemos com a escola de formação do Benfica. E este é um ponto em que devemos tocar com clareza: na altura em que a escola “apareceu” no horizonte do clube, o investimento, o recrutamento na base não estava a ser feito… corria-se o risco de nem sequer podermos inscrever uma equipa de infantis”.
Mas, o ponto que se segue é fundamental, segundo Sérgio Negrão e deve ser ressaltado de forma clara: “Todo e qualquer atleta que dispute uma prova federada, seja de futebol de 7 ou de 11 é atleta do clube… não da escola do Benfica!”. O protocolo assinado com o Benfica, segundo os dirigentes, determina que “apenas em algumas situações específicas, poder-se-á, fazer-se alusão ao nome da escola de formação do Benfica… mas, apenas em torneios não-federados”.
Sérgio negrão e Vítor Claro também assumem que se não houvesse o modelo atual, desde há 3 anos, muito provavelmente o Marialvas “não teria, hoje, mas que 2 ou 3 equipas de formação, quando tem cerca de 10. Obviamente, isso não é tudo, mas é importantíssimo termos, como temos, quase todas as equipas a disputar as fases finais nas suas faixas etárias, pois isto é o que vai cativando mais e mais atletas para o clube e a comunidade vai se reaproximando”.
Parceiros Estratégicos e um futuro mais alegre…
Para além dos patrocinadores que o clube angariou, também não se pode esquecer a CM de Cantanhede e a União de Freguesias de Cantanhede e Pocariça, que são estratégicos no atual contexto, como não podia deixar de ser.
Se, em tempos, a relação do clube com estas entidades não foi a melhor, os atuais gestores do clube, desde a primeira hora, estiveram presentes, a dizer-lhes “estamos cá para, convosco, trabalharmos em conjunto… sem que isso signifique algum tipo de subserviência!”. A ideia é a de que pode – e deve – haver cordialidade, mas sempre na perspectiva de defender os interesses do Marialvas. E, baseado nisto, a atual Comissãoquer acreditar que as enormes disparidades que existem entre a infraestrutura existente no clube e o que acontece, por exemplo, nos “rivais” de longa data, a UD Tocha, o Ançã FC e o Febres SC, poderão ser diminuídas com o passar do tempo. Naquelas 3 coletividades, atualmente, as condições são infinitamente superiores às encontradas na equipa que “reside” na sede do Concelho, mas a “pressão” que o Marialvas procura fazer junto às entidades que dirigem os destinos do Concelho e da Freguesia é a de ter mais e mais atletas, ao contrário da “pressão à moda antiga” que era a de estar a pedir, a pedir e a pedir...
Percebe-se, pelas palavras proferidas por ambos, que esta estratégia tem resultado na medida com que os parceiros têm procurado fazer algo mais, algo diferente, algo que contribua verdadeiramente com “dias melhores”, coisa – aliás – que eles procuram fazer no dia-a-dia, nas suas relações internas e também no contato com o “mundo exterior”.
Seria bom para Cantanhede e região que este clube tradicional conseguisse (re)conquistar o lugar na história que é seu, por direito. Longe vão os tempos da “bonança”. Hoje tudo é diferente… mas, também é diferente “para melhor” em relação a um passado bastante recente!
O Marialvas caiu a pique, sim… mas, como toda a subida, está a fazê-la de forma gradual… procurando ultrapassar cada degrau, cada obstáculo, da melhor e menos dolorida forma possível.
Seus imensos apaniguados terão de esperar ainda mais para conseguirem comemorar títulos. Seus fervorosos adeptos terão que estar ombro a ombro com estes homens que dirigem os destinos do clube, atualmente ou com quaisquer outros que venham a seguir. Só assim, a "coisa pode andar para a frente".
Mas, de uma coisa Cantanhede e arredores podem ter a certeza: quem olha para os olhos destes homens e ouve as suas palavras sensatas mas também emotivas, acaba por concluir que o Marialvas esteve muito tempo “em coma” mas, de lá já saiu… e (re)descobriu que tem pernas para andar…
Mira Online
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