segunda-feira, 19 de março de 2018

Rússia | Após a sua maior vitória Putin promete não ficar "até aos 100 anos"

Diante da multidão reunida junto ao Kremlin em Moscovo, Putin afirmou: “Vejo este resultado como o reconhecimento final pelo que fizemos nos últimos anos

Sondagem à boca das urnas dá 73,9% ao presidente, mas a participação terá ficado abaixo dos 70% pretendidos pelo Kremlin.

"Uma vitória incrível." Foi assim que a equipa de campanha de Vladimir Putin reagiu ao resultado das presidenciais de ontem na Rússia. Como previsto, o ex-agente do KGB conseguiu um quarto mandato - dois de quatro anos, interrompidos por quatro anos como primeiro-ministro e depois mais seis anos na presidência - mas ao obter 73,9% dos votos (segundo as sondagens à boca das urnas) bateu o seu próprio melhor resultado (71,9% em 2004).

Diante da multidão reunida junto ao Kremlin em Moscovo, Putin afirmou: "Vejo este resultado como o reconhecimento final pelo que fizemos nos últimos anos em condições muito difíceis. Vejo-o como sinal de confiança e esperança" e apelou a uma Rússia unida. O presidente gritou "Rússia! Rússia" antes de agradecer a todos e deixar lugar à festa. Mais tarde, Putin garantiu aos jornalistas que não tenciona mudar a Constituição para se manter no poder depois de 2024. "Esperam que eu fique no poder até aos 100 anos?" perguntou em tom de brincadeira.

Após uma semana marcada pelas tensões com o Ocidente devido às suspeitas de que a Rússia terá tentado matar um antigo espião, e a filha deste, com o agente nervoso Novichok no Reino Unido, Putin confirma com este resultado que é o senhor do Kremlin e assim vai continuar a ser nos próximos seis anos. O presidente russo prometeu usar o novo mandato para reforçar as defesas da Rússia contra o Ocidente e aumentar o nível de vida dos 144 milhões de habitantes do maior país do mundo.

"A percentagem que vemos fala por si. É um mandato de que Putin precisa para tomar decisões futuras. E ele tem muitas para tomar", afirmou um porta-voz da sua campanha à agência russa Interfax. Além da tensão com o Reino Unido e os seus aliados ocidentais na morte do ex-espião, do envolvimento na guerra da Síria ao lado das forças do presidente Bashar al-Assad, Putin ainda de gerir as sanções de que é alvo devido à anexação da Crimeia em 2014 e ao apoio aos separatistas do Leste da Ucrânia, além da investigação nos EUA à alegada ingerência russa nas presidenciais de 2016. Aos 65 anos, Putin tem também desafios internos, como desenvolver uma economia (a a 10.ª mundial) estagnada e ainda demasiado dependente da exportação de hidrocarbonetos e com infraestruturas que pouco evoluíram desde os tempos soviéticos. Outra dor de cabeça será gerir as lutas internas nos seus aliados pelo lugar de seu sucessor em 2014 (ver texto).

A mesma sondagem à boca das urnas, realizada pelo instituto estatal VTsIOM coloca o candidato do Partido Comunista, Pavel Grudinin num longínquo segundo lugar com 11,2% dos votos. O terceiro lugar foi para o nacionalista Vladimir Jirinovski, com 6,7%, à frente da apresentadora de televisão e socialite Xenia Sobtchak, com 2,5%. Os restantes três candidatos não devem chegar aos 2% dos votos.

A participação, segundo as sondagens à boca das urnas ficou-se pelos 63,7%, não tendo chegado aos 70% pretendidos pelo Kremlin para legitimar a vitória de Putin. Mas o próprio garantiu ao final da manhã que veria como um sucesso qualquer resultado que lhe desse "o direito a cumprir os seus deveres como presidente".

Nas semanas que antecederam o escrutínio, as autoridades russas apostaram forte em levar os mais de cem milhões de eleitores às urnas, depois de uma campanha morna e de resultado praticamente certo. Campanhas de informação e incitação, facilitação do voto fora do local de residência aliaram-se, segundo os media, a pressões sobre funcionários públicos e estudantes para irem votar. Militantes da oposição relataram casos de eleitores levados pela polícia de autocarro até às assembleias de voto e da oferta de cupões de desconto para produtos alimentares a quem ia votar.

Afastado das presidenciais devido a uma condenação judicial, Alexei Navalny acusou o Kremlin de estar a amplificar a participação, metendo votos nas urnas ou organizando o transporte de eleitores até aos locais de votação. "Eles precisam da participação. O resultado, é que a vitória de Putin com mais de 70% já estava decidido", disse aos jornalistas o advogado e ativista, que apelara ao boicote do escrutínio. Para Navalny, não há dúvidas que a participação real terá ficado abaixo do que foi dito. E garantiu: "A única forma de luta política na Rússia é manifestarmo-nos. Vamos continuar a fazê-lo". Depois dos resultados de ontem e da vitória esmagadora de Putin era de esperar que Navalny e os seus fiéis voltassem às ruas em protesto.

A ONG Golos, especializada na monitorização de eleições, disponibilizou no seu site um mapa com todas as ilegalidades que registou, dando conta de 2472 casos até às 17:00, hora de fecho das urnas. Alguns vídeos de vigilância colocados nas assembleias de votos mostravam funcionários a colocar votos dentro das urnas, pessoas a votar mais do que uma vez e incidentes que dificultavam o decorrer normal da votação. A presidente da Comissão Eleitoral, Ella Pamfilova, desvalorizou as acusações da oposição, admitindo contudo ter havido algumas irregularidades. Já a equipa de campanha de Putin, falava em duas centenas de casos. Já depois do fecho das urnas, o Ministério do Interior veio garantir que estas violações não eram suficientes para pôr em causa os resultados.

Simbolicamente, este escrutínio decorreu exatamente quatro anos depois da anexação da Crimeia pela Rússia, na sequência de um referendo considerado ilegal pelo governo ucraniano e pelo Ocidente. Ontem abriram mais de 1200 assembleias de voto na Crimeia, mas muitos tártaros, membros da minoria muçulmana que vive naquela região e que se opôs à anexação, prometeram boicotar a eleição. Em represálias pela organização das presidenciais russas na Crimeia, Kiev impediu os russos que vivem na Ucrânia de votar. Dezenas de polícias e militantes nacionalistas bloquearam o acesso aos consulados russos em várias cidades.

DN

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