Manuel Esteves | mesteves@negocios.pt08 de julho de 2018 às 23:00 |
O Governo prometeu as 35 horas nos hospitais e o Presidente exigiu que não trouxesse custos significativos. Ao fazê-lo, Marcelo protegeu a bolsa dos contribuintes em detrimento dos cuidados de saúde a que deviam ter direito.
O caso das 35 horas nos hospitais ilustra bem a grande contradição deste governo e da maioria parlamentar. A sua vontade em repor direitos retirados pelo Governo de Passos Coelho e pela troika de credores choca de frente com as restrições orçamentais dos tratados europeus.
Traduzindo em miúdos, na impossibilidade de contratar o número de efectivos necessários para compensar a redução do tempo de trabalho dos actuais funcionários (os dois mil novos contratados não chegam, diz o próprio ministro), reduz-se a oferta prestada aos cidadãos. Como as necessidades da população não diminuem, o ajustamento far-se-á pelo aumento das listas de espera e degradação da qualidade do serviço, disse-o com todas as letras o presidente da associação dos administradores hospitalares, em entrevista ao Negócios.
Por outro lado, a degradação da capacidade de resposta dos hospitais públicos desviará mais doentes para hospitais privados. Seja pela escolha directa dos cidadãos, mas sobretudo por decisão do SNS que tem protocolos e acordos com entidades privadas em áreas onde não consegue dar resposta. É expectável que as necessidades aumentem, reforçando ainda mais o financiamento público aos hospitais privados.
Não está em causa a justeza do regresso às 35 horas. Durante seis anos, os funcionários tiveram de trabalhar mais cinco horas por semana sem a correspondente compensação salarial, o que significa um corte na remuneração horária de 12,5%. O que não é aceitável é que essa devolução se faça na ilusão de que não terá encargos significativos.
E o maior obreiro desta ilusão foi o Presidente da República. Marcelo Rebelo de Sousa exigiu, como condição para promulgar a medida, que esta não tivesse um impacto orçamental significativo. Como escreveu Bagão Félix no jornal Público, "é preciso ter uma grande fezada para se pensar que a despesa com pessoal não aumenta". O Governo sempre soube que não conseguiria satisfazer a exigência do Presidente mas acreditou que seria possível diluir (ou disfarçar) o custo da medida na redução global da despesa com pessoal.
Falta agora saber o que fará o Presidente após ter dito que requereria a fiscalização sucessiva da constitucionalidade se houvesse custos para o erário público. O que sabemos é que defendeu que o regresso das 35 horas tivesse como contrapartida a redução da capacidade de resposta dos serviços públicos. Dito de outro modo, protegeu a bolsa dos contribuintes em prejuízo da sua saúde. Muito obrigado, Sr. Presidente.
Fonte: jornaldenegocios
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