“Temos estado a apanhar algumas surpresas valentes. O neolítico não estávamos à espera e muito menos no sítio onde está”, avança Tiago Fraga, diretor científico da equipa de arqueólogos, sobre os vestígios daquele que será o primeiro sítio pré-histórico subaquático do país.
No âmbito do acompanhamento arqueológico dos trabalhos de dragagem no Canal de Ílhavo, também conhecido como Rio Bôco, foram encontrados em agosto passado vários artefactos datados entre 4.000 a.C. e 3.000 a.C. e uma estrutura que se encontra submersa.
“Inicialmente encontrámos cerâmicas com mamilos e decoração, que se vê claramente que são da pré-história. Mais para a frente, começaram a sair líticos, ou seja, pedras talhadas, percutores e esse tipo de materiais”, descreveu o arqueólogo.
Para verificação dos materiais descobertos pelas arqueólogas Soraya Sarmento e Natália Quitério ocorreram diversos mergulhos de arqueologia subaquática que identificaram uma estrutura no local que provavelmente estará associada.
“Sabemos por isso que não são peças perdidas no rio. É mesmo um sítio coeso que está lá debaixo de água”, reforçou o responsável que tem liderado várias missões arqueológicas de investigação e salvaguarda.
A equipa de arqueólogos suspeita que se possa tratar de “uma grande mancha de ocupação relacionada com um povoado” que está ali “algures” e acreditam que, muito provavelmente, “vão continuar a aparecer mais materiais”.
“A linha do nível médio do mar estava a 60 quilómetros daqui [Rio Bôco], portanto, toda esta zona eram planícies que estão neste momento debaixo de água. Agora, não estávamos à espera de encontrar estes materiais, muito menos na zona do Rio Bôco, onde foram localizadas, e é o primeiro sítio pré-histórico subaquático do país”, disse Tiago Fraga.
A descoberta já foi comunicada à Direção-Geral do Património Cultural que irá determinar o que será feito relativamente ao local do achado.
“A decisão poderá ir da manutenção no local, até à sua conservação por registo que é a escavação integral do sítio, para se poder continuar a fazer a empreitada. Neste caso, como o sítio arqueológico não está em perigo, deverá ficar no solo”, explicou.
A equipa liderada por Tiago Fraga foi contratada para fazer o acompanhamento arqueológico dos trabalhos de desassoreamento da Ria de Aveiro, uma empreitada promovida pela Polis Litoral da Ria de Aveiro que começou no passado mês de abril e que se irá estender ao longo de quase 100 quilómetros de canais.
Entre as várias ações desenvolvidas pelos arqueólogos está a proteção de estruturas arqueológicas, o estudo de materiais que vão aparecendo e a valorização e divulgação dos achados.
“Como é uma empreitada de grande envergadura, é necessário fazer acompanhamento arqueológico e a valorização patrimonial dos sítios arqueológicos já conhecidos, com o objetivo de aumentar o conhecimento da zona, perceber como é que Ílhavo e Aveiro apareceram e como era o tráfego marítimo na zona”, explicou Tiago Fraga.
Os arqueólogos estão também a fazer o despiste de “cinco possíveis túmulos de lastro” que foram identificados, no âmbito do estudo de impacto ambiental da empreitada.
“Já fizemos o primeiro e não é um túmulo de lastro. Estamos com esperanças que um deles seja um naufrágio”, disse o responsável.
Apesar de todo o património arqueológico subaquático que já foi encontrado na Ria de Aveiro, Tiago Fraga diz que ainda há muito por descobrir no fundo da laguna.
“Toda a gente sabe que existem mais de 14 naufrágios aqui e um deles é o mais antigo de Portugal - ainda está em sítio na zona do Canal de Mira. Sabemos o que se passa no Canal de Mira e, agora, apanhámos esta surpresa no canal do Bôco, mas não sabemos nada do que se passa na zona Norte, em direção a Ovar, que era o antigo canal da época islâmica e aí poderemos ter outras surpresas”, afirmou.
Lusa