Quando três
ou mais corpos celestes interagem entre si, é impossível inverter o
seu movimento.
Esta é a descoberta de uma equipa internacional de investigadores,
liderada por Tjarda
Boekholt, do Centro de Física da Universidade de Coimbra (UC),
através de simulações em computador do movimento de três buracos
negros.
O estudo, que
contribui para uma melhor compreensão “microscópica” da seta do
tempo, um dos maiores mistérios da física, vai ser publicado na
edição de abril da revista científica The
Monthly Notices da Royal Astronomical Society.
A maioria das
leis fundamentais da física não tem problemas com a direção em
que elas ocorrem. Como os cientistas gostam de dizer, elas são
simétricas no tempo. No entanto, todos sabemos que o tempo não pode
voltar para trás. Um copo que cai e se parte não pode voltar
inteiro para a nossa mão. Até aqui, os cientistas explicaram a
quebra de simetria no tempo devido à interação estatística entre
um grande número de partículas. Agora, os astrónomos Tjarda
Boekholt (Universidade de Coimbra, Portugal), Simon Portegies Zwart
(Universidade de Leiden, Países-Baixos) e Mauri Valtonen
(Universidade de Turku, Finlândia) mostram que não são precisas
muitas partículas, mas apenas três são suficientes para quebrar a
simetria no tempo.
Os investigadores
calcularam as órbitas de três buracos negros que interagem entre
si. Fizeram dois tipos de simulações. Na primeira, os buracos
negros estão inicialmente em repouso. Devido à gravidade, eles
atraem-se mutuamente e cruzam-se percorrendo órbitas caóticas, até
que um dos buracos negros escapa à atração dos outros dois. Na
segunda simulação, o sistema começa com a situação final da
simulação anterior, e tenta reverter o tempo de volta à situação
inicial.
As simulações
mostram que o tempo não pode ser revertido em 5% dos cálculos.
Mesmo que o computador use mais de cem casas decimais, a simetria do
tempo é interrompida pelo crescimento exponencial de perturbações
do tamanho do comprimento de Planck, que é cerca de 10-35
metros.
Estes 5% não são, por isso, uma questão de melhores computadores
ou métodos de cálculo mais inteligentes, como se pensava
anteriormente.
Os astrónomos
explicam a irreversibilidade usando o conceito de comprimento de
Planck. Este é um princípio conhecido na física que se aplica a
fenómenos ao nível do átomo. O investigador principal, Tjarda
Boekholt, diz que «o
movimento dos três buracos negros pode ser tão caótico que algo
tão pequeno quanto o comprimento de Planck entra em ação. A
simetria do tempo é quebrada por distúrbios do tamanho do
comprimento de Planck».
O coautor
Portegies Zwart acrescenta que «não
poder voltar para trás no tempo deixa de ser um argumento
estatístico. Este fenómeno está oculto nas leis básicas da
Natureza. Nenhum sistema de três objetos em movimento, grandes ou
pequenos, planetas ou buracos negros, pode escapar à direção do
tempo».
O principal
resultado deste trabalho, destaca Tjarda Boekholt, «é
mostrar que existem sistemas no Universo que são fundamentalmente
imprevisíveis. Isso é consequência da teoria do caos e do
crescimento exponencial de pequenas perturbações de tamanho do
comprimento de Planck. Portanto, os astrónomos têm que tentar
entender os sistemas de forma mais qualitativa».
Outra
consequência, conclui o investigador da UC, «é
que os sistemas se tornam assimétricos no tempo, mesmo que as
equações subjacentes sejam simétricas no tempo. Agora há uma
direção preferível, ou seja, podemos distinguir o futuro do
passado. O nosso estudo é um primeiro passo para uma melhor
compreensão “microscópica” da seta do tempo».
Pode consultar o
vídeo que ilustra o estudo em:
https://www.youtube.com/watch?v=c2Mbx5BKyfM.
Artigo Científico: “Gargantuan
chaotic gravitational three-body systems and their irreversibility to
the Planck length”. By: T.C.N. Boekholt, S.F. Portegies Zwart, M.
Valtonen. In: Monthly Notices of the Royal Astronomical Society,
Volume 493, Issue 3, April 2020, Pages 3932–3937,
https://doi.org/10.1093/mnras/staa452 (original)
https://arxiv.org/abs/2002.04029 (free preprint).
Cristina
Pinto
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