sexta-feira, 27 de março de 2020

Inverter a seta do tempo nem sempre é possível


Quando três ou mais corpos celestes interagem entre si, é impossível inverter o seu movimento. Esta é a descoberta de uma equipa internacional de investigadores, liderada por Tjarda Boekholt, do Centro de Física da Universidade de Coimbra (UC), através de simulações em computador do movimento de três buracos negros.

O estudo, que contribui para uma melhor compreensão “microscópica” da seta do tempo, um dos maiores mistérios da física, vai ser publicado na edição de abril da revista científica The Monthly Notices da Royal Astronomical Society.
A maioria das leis fundamentais da física não tem problemas com a direção em que elas ocorrem. Como os cientistas gostam de dizer, elas são simétricas no tempo. No entanto, todos sabemos que o tempo não pode voltar para trás. Um copo que cai e se parte não pode voltar inteiro para a nossa mão. Até aqui, os cientistas explicaram a quebra de simetria no tempo devido à interação estatística entre um grande número de partículas. Agora, os astrónomos Tjarda Boekholt (Universidade de Coimbra, Portugal), Simon Portegies Zwart (Universidade de Leiden, Países-Baixos) e Mauri Valtonen (Universidade de Turku, Finlândia) mostram que não são precisas muitas partículas, mas apenas três são suficientes para quebrar a simetria no tempo.

Os investigadores calcularam as órbitas de três buracos negros que interagem entre si. Fizeram dois tipos de simulações. Na primeira, os buracos negros estão inicialmente em repouso. Devido à gravidade, eles atraem-se mutuamente e cruzam-se percorrendo órbitas caóticas, até que um dos buracos negros escapa à atração dos outros dois. Na segunda simulação, o sistema começa com a situação final da simulação anterior, e tenta reverter o tempo de volta à situação inicial.

As simulações mostram que o tempo não pode ser revertido em 5% dos cálculos. Mesmo que o computador use mais de cem casas decimais, a simetria do tempo é interrompida pelo crescimento exponencial de perturbações do tamanho do comprimento de Planck, que é cerca de 10-35 metros. Estes 5% não são, por isso, uma questão de melhores computadores ou métodos de cálculo mais inteligentes, como se pensava anteriormente.

Os astrónomos explicam a irreversibilidade usando o conceito de comprimento de Planck. Este é um princípio conhecido na física que se aplica a fenómenos ao nível do átomo. O investigador principal, Tjarda Boekholt, diz que «o movimento dos três buracos negros pode ser tão caótico que algo tão pequeno quanto o comprimento de Planck entra em ação. A simetria do tempo é quebrada por distúrbios do tamanho do comprimento de Planck».

O coautor Portegies Zwart acrescenta que «não poder voltar para trás no tempo deixa de ser um argumento estatístico. Este fenómeno está oculto nas leis básicas da Natureza. Nenhum sistema de três objetos em movimento, grandes ou pequenos, planetas ou buracos negros, pode escapar à direção do tempo».

O principal resultado deste trabalho, destaca Tjarda Boekholt, «é mostrar que existem sistemas no Universo que são fundamentalmente imprevisíveis. Isso é consequência da teoria do caos e do crescimento exponencial de pequenas perturbações de tamanho do comprimento de Planck. Portanto, os astrónomos têm que tentar entender os sistemas de forma mais qualitativa».

Outra consequência, conclui o investigador da UC, «é que os sistemas se tornam assimétricos no tempo, mesmo que as equações subjacentes sejam simétricas no tempo. Agora há uma direção preferível, ou seja, podemos distinguir o futuro do passado. O nosso estudo é um primeiro passo para uma melhor compreensão “microscópica” da seta do tempo».

Pode consultar o vídeo que ilustra o estudo em: https://www.youtube.com/watch?v=c2Mbx5BKyfM.

Artigo Científico: “Gargantuan chaotic gravitational three-body systems and their irreversibility to the Planck length”. By: T.C.N. Boekholt, S.F. Portegies Zwart, M. Valtonen. In: Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, Volume 493, Issue 3, April 2020, Pages 3932–3937, https://doi.org/10.1093/mnras/staa452 (original) https://arxiv.org/abs/2002.04029  (free preprint).

Cristina Pinto

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