Uma
equipa internacional, que conta com a participação de cinco
investigadores da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade
de Coimbra (FCTUC), anunciou hoje à comunidade científica um
surpreendente número de eventos registados pelo XENON1T, o sistema
mais sensível de sempre na deteção de matéria escura.
A
natureza destes eventos não está, porém, ainda totalmente
deslindada, não se declarando por isso a descoberta da matéria
escura. A sua assinatura é semelhante à produzida por quantidades
residuais de trítio (um átomo de hidrogénio com dois neutrões e
um protão no núcleo), mas pode ser também sinal de algo muito mais
importante: a existência de um novo tipo de partícula denominado
axião solar ou de propriedades até agora desconhecidas dos
neutrinos.
O
XENON1T esteve em operação entre 2016 e 2018 em Itália, no
laboratório subterrâneo de Gran Sasso, debaixo de 1300 metros de
rocha. Projetado para a deteção extremamente rara de matéria
escura, este sistema de altíssima sensibilidade mostrou já
conseguir registar outros eventos de muito difícil deteção. Por
exemplo, no ano passado foi publicada na prestigiada revista Nature
a medida direta conseguida com este sistema, pela primeira vez na
história, do decaimento nuclear mais raro no universo.
O
sistema XENON1T usa como alvo duas toneladas de xénon
ultra-purificado. «Uma
radiação ao passar pelo alvo pode gerar, em geral, sinais ínfimos
de luz e carga. A esmagadora maioria destes sinais (mais de 99,9%)
deve-se a radiações de origem conhecida, o que permite aos
cientistas calcular com grande precisão o número de eventos
esperado. E aqui observaram-se mais 22,8% eventos em relação ao
previsto»,
diz José Matias-Lopes, investigador do Laboratório de
Instrumentação, Engenharia Biomédica e Física da Radiação
(LIBPhys) da FCTUC e coordenador da equipa portuguesa.
Uma
possível explicação «terá
a ver com a presença de trítio, um isótopo radioativo do
hidrogénio. Alguns átomos de trítio em 10 biliões de biliões de
átomos de xénon seriam o suficiente para justificar o excesso de
eventos registados, mas não existe ainda forma de medir estas tão
ínfimas concentrações e assim confirmar esta hipótese»,
esclarece.
Outra
possibilidade, «muitíssimo
mais interessante, é a existência de um novo tipo de partícula. De
facto, o excesso de eventos observados tem energias similares às que
se esperam para os axiões produzidas no sol»,
avança José Matias-Lopes.
Os
axiões são partículas previstas teoricamente, tendo o sol
condições para ser uma fonte intensa deles. Embora os axiões não
sejam matéria escura, o seu avistamento seria o primeiro de uma nova
classe de partículas cuja existência é solidamente apoiada pelos
estudos teóricos. Esta descoberta teria um forte impacto no avanço
do conhecimento, não só da Astrofísica, mas também da própria
Física. Adicionalmente, os axiões produzidos no início do universo
podem também explicar a origem da matéria escura.
A
terceira e última explicação avançada para o excesso observado
tem origem nos neutrinos, que passam aos biliões pelo nosso corpo a
cada segundo, sem deixar rasto. A confirmar-se esta hipótese, o
momento magnético (uma característica de todas as partículas) dos
neutrinos teria de ser superior ao valor previsto pela teoria, o que
obrigaria à necessidade de criar novos paradigmas e modelos físicos
capazes de o explicar.
Das
três explicações consideradas pelos cientistas da colaboração
XENON, «a
mais favorecida em termos estatísticos é a dos axiões solares, com
uma probabilidade de cerca de 99,98% de que os sinais sejam desta
origem. Mas mesmo com este elevado grau de probabilidade não se pode
declarar descoberta»,
revela José Matias-Lopes.
As
outras duas possibilidades, trítio ou neutrinos com maior momento
magnético, têm também uma elevada probabilidade, cerca de 99,93%
em ambos os casos, de estarem na origem do excesso observado.
O
XENON1T vai ser substituído por um novo sistema de deteção ainda
mais sensível, o XENONnT, que deverá entrar em funcionamento este
verão. Os cientistas preveem que dois ou três meses depois terão a
confirmação da origem deste sinal; se se deve a um contaminante ou
então a algo verdadeiramente revolucionário: uma nova partícula ou
tipo de interação que vai para além daquilo que já se conhece.
«Avizinham-se
por isso tempos de grandes avanços e de descobertas que levam a
largos passos em frente no conhecimento da Humanidade»,
afirma o consórcio.
O consórcio
XENON é constituído por 163 cientistas de 28 grupos de investigação
dos EUA, Alemanha, Portugal, Suíça, França, Holanda, Suécia,
Japão, Israel e Abu Dhabi. Portugal é parceiro desta colaboração
desde o seu início, em 2005, através da equipa do LIBPhys da
Universidade de Coimbra.
Cristina
Pinto
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