sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

A JOSÉ ESTÊVÃO


Levava após de si – Orfeu da liberdade –
No encanto da palavra o espírito e a vontade.
Como um vento que leva as folhas dum olmeiro.
Neste homem tudo foi viril e verdadeiro:
Onde existisse um erro, um despotismo, um crime,
Lá estava aquela voz vibrante, audaz, sublime,
A combate-lo em face a e erguer pelo direito
– Missionário da luz – um culto em cada peito.
A sua grande força, a sua inspiração
Vinha-lhe toda a flux do imenso coração,
Do forte coração altivo e generoso.
Que nunca conheceu rancor vitorioso.
Tudo nele era grande: a palavra, o talento.
A voz, o entusiasmo, a forma, o pensamento.
O culto do dever, o amor da liberdade.
A índole leal e a simplicidade
Do seu coração de ouro, ao qual toda a vitória
Aumentava a bondade – esta suprema glória.
Político de ideia, abominava a intriga
– Cabala que transforma a política em briga
De egoísmos brutais. Carácter franco e aberto
Combatia de pé e a peito descoberto
Despreocupadamente. E assim em quanto os fracos,
Os hábeis, os subtis, os nulos e os velhacos
Subiam em tropel a escada do poder,
Ele ficava sempre em baixo a combater,
Tranquilo, colossal, forte, sereno, austero,
Como guerreiro antigo, ou como herói de Homero.
...   ...   ...   ...   ...   ...   ...   ...   ...   ...   ...   ...
Depois veio a justiça inflexível da história
E, envolvendo na luz da sua imensa glória
O simples combatente, o forte lutador,
Ergueu-lhe um pedestal todo feito de amor,
E amarrou ao escárnio – o panthéon dos fracos –
Os hábeis, os subtis, os nulos e os velhacos.
                     Figueira – Abril de 1881.


                NUM TÚMULO
Envolve-se a existência em dois mistérios,
Berço e campa – dois óvulos diversos
Dos berços faz-se o pó dos cemitérios,
Das campas sai o pólen dos berços.

Misterioso círculo da vida
Que esmaga em cada giro uma alma, um ente,
Que rasga em cada volta uma ferida,
Que deixa em cada sulco uma semente.
                          1876


               PERGAMINHOS

Não me esmagam mulher os teus sorrisos;
Eu tenho mais orgulho do que pensas
E rio-me também;
É debalde que tentas humilhar-me,
Porque eu ouso pensar – vê tu que insania! –
Que também sou alguém.

Alguém que veio ao mundo sem família,
Um produto do acaso, um pária, um mísero,
Um enjeitado enfim,
Um ser sem protecção das leis canoniais,
Filho sem pai no assunto do baptismo,
Mas um ser, inda assim.

Levantou-me da estrada do infortúnio
Um homem que entendeu que um filho espúrio
Tem jus à protecção,
Um homem que entendeu que é vil e infame
Atirar para o Iodo dos hospícios
Uma alma em embrião. / 37 /

É que eu vi as premissas da vitória,
O aplauso espontâneo dos estranhos
Incitar-me a seguir,
É que eu via diante de meus passos
Rasgar-se ampla, infinita, luminosa
A estrada do porvir.

Se alguma cousa sou a mim o devo,
Ao meu trabalho honrado, ao meu estudo,
Ao amor de meus pais,
À força de vontade, à inteligência,
À sociedade pouco, às leis bem menos...
E a ti não devo mais.

E és tu que vens falar-me em pergaminhos?
E és tu que vens falar-me nas riquezas
Que o destino te deu?
Eu não troco os meus louros de poeta,
As conquistas do estudo e o meu futuro
Por tudo quanto é teu.

Não me compares pois à horda ignara
Que te adora os sorrisos pelo ouro...
Eu tenho coração,
Tenho por pergaminhos o trabalho,
Por tesouro a minha inteligência
E a honra por brasão.

Nós, os homens que andamos procurando
À luz do coração por este mundo
Os caminhos do bem,
Como trazemos alto o pensamento,
E a fronte erguida ao céu, temos orgulhos,
Bem vês, como ninguém.
Alexandre da Conceição



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