A crónica é como que a conversa íntima,
indolente, desleixada, do jornal com os que o lêem: conta mil coisas, sem
sistema, sem nexo, espalha-se livremente pela natureza, pela vida, pela
literatura, pela cidade; fala das festas, dos bailes, dos teatros, dos
enfeites, fala em tudo baixinho, como quando se faz um serão ao braseiro, ou
como no Verão, no campo, quando o ar está triste. Ela sabe anedotas, segredos,
histórias de amor, crimes terríveis; espreita, porque não lhe fica mal
espreitar.
Olha para tudo, umas vezes
melancolicamente, como faz a Lua, outras vezes alegre e robustamente, como faz
o Sol; a crónica tem uma doidice jovial, tem um estouvamento delicioso:
confunde tudo, tristezas e facécias, enterros e actores ambulantes, um poema
moderno e o pé da imperatriz da China; ela conta tudo o que pode interessar
pelo espírito, pela beleza, pela mocidade; ela não tem opiniões, não sabe do
resto do jornal; está nas suas colunas contando, rindo, pairando; não tem a voz
grossa da política, nem a voz indolente do poeta, nem a voz doutoral do
crítico; tem uma pequena voz serena, leve e clara, com que conta aos seus
amigos tudo o que andou ouvindo, perguntando, esmiuçando.
A crónica é como estes rapazes que não
têm morada sua e que vivem no quarto dos amigos, que entram com um cheiro de
Primavera, alegres, folgazões, dançando, que nos abraçam, que nos empurram, que
nos falam de tudo, que se apropriam do nosso papel, do nosso colarinho, da
nossa navalha de barba, que nos maçam, que nos fatigam... e que, quando se vão
embora, nos deixam cheios de saudades.
Eça de Queirós, in 'Distrito de Évora'
Tema(s): Jornalismo
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