Hoje se usa muito a palavra “cidadania”,
resgatar os valores da “cidadania”. Muitos de nossos compatriotas jamais
gozaram dos benefícios da cidadania e, até, ignoram o que de facto, em
concreto, significa. Portanto, não se pode resgatar o que ainda não se teve, do
que ainda não se usufruiu.
A cidadania supõe o civismo ou é uma
qualidade inerente a ela. É o que deveríamos descobrir. Acentuo, a seguir,
algumas características para nos nortear na solidificação da cidadania.
Civismo quase equivale a patriotismo,
entendido como devotamento à causa comum, como esforço em prol do multiforme
progresso da Pátria.
Para que alguém seja impregnado do
civismo não basta conhecer leis e obrigações, mas se torna necessário um longo
aprendizado, que não se obtém pela formulação e cumprimento de regras civis de
comportamento.
O civismo inclui e pede, a cada momento
e de cada cidadão, o esforço em se dedicar ao progresso e engrandecimento da
Pátria. Esse progresso e engrandecimento não podem ser considerados
unilateralmente do ponto de vista material, como avanço na riqueza, na
economia, na tecnologia, na soberania e no poder. Semelhante visão, limitada e errónea,
seria prejudicial à Pátria e à educação para o civismo.
Vivemos em um período da história onde,
talvez mais do que nunca, há como que um inconsciente colectivo, que determina
que o que importa é o bem-estar particular, individual. Perde-se o conceito
chave do colectivo, do bem-comum a todos.
Uma das formas mais eficazes para chegar
ao civismo é o interesse e a participação activa nos problemas da própria
comunidade. É no sentir e sofrer comum, no partilhar do dia-a-dia de cada
irmão, é que desponta o civismo. É co-participação.
O civismo, digno deste nome, não nos
permite o gozo tranquilo de direitos assegurados por lei ou exigidos por ela
como demonstração de aceitação passiva. O civismo nos leva ao cheiro da terra,
ao apreço do suor e das mãos calejadas do trabalhador. Suscita em nós o encanto
pelo que Deus nos presenteou na linda natureza e pelas transformações de
melhoria, operadas pelo trabalho humano.
O dever cívico é atitude de quem não
dorme, deixando acontecer, mas de quem está activamente vigilante para a
preservação da ordem, a defesa dos valores morais e sociais, rasgando
horizontes de esperança, impedindo o pessimismo do “deixar andar”...
O civismo exige de cada cidadão a
colaboração generosa nas obras sociais, nas iniciativas que tencionam melhorar
a situação de todos, colocando à disposição desse objectivo os próprios
talentos, as capacidades, a formação adquirida, “o seu engenho e arte”. Desta
forma excluem-se o individualismo e as diversas formas de egoísmo.
Quando, civicamente, enaltecemos “a
grandeza da Pátria”, convém não esquecer as grandezas culturais da literatura,
arte, música, entre outras. O cultivo dos heróis é legítimo, mas não pode
olvidar os heróis desconhecidos no cumprimento do dever, dia após dia, no
anonimato do trabalho, da virtude, do aprofundamento da fé e da crença num Ser
sumamente bom e Pai de todos.
O civismo nasce da consciência de ser
chamado ao exercício de virtudes – morais, sociais e patrióticas – que
caracterizam personalidades amadurecidas. Desta forma, o civismo se opõe ao
aventureirismo fácil dos que – para salvarem a Pátria – apregoam fórmulas
mágicas, reformas arbitrárias, subversão, planos imaginosos e sonhadores sem o
apoio do testemunho, da honestidade, da ausência de corrupção.
O civismo abraça a todos,
indistintamente, mas de modo particular, aos jovens, aos educandos,
propondo-lhes metas e objectivos claros, ao alcance de todos. Há de começar
sempre pelo respeito à pessoa humana, perpassando pelo lar, pela escola e
cidade, pelo estado e pela nação.
Não há civismo sem respeito à autoridade,
legitimamente constituída, comprovada pelo interesse e devotamento ao
bem-comum. É neste contexto que se torna urgente lutar por um patriotismo de
verdade, alicerçado no respeito e na promoção da justiça, da solidariedade, da
dignidade de cada pessoa como “imagem e semelhança” (cf. Gn 1,26a) do próprio
Criador.
No que diz respeito mais objectivamente
ao papel da Igreja neste contexto, é certo que esta deve assumir sua acção e
postura eticamente responsáveis. Por meio de uma escolha ética, à luz da Palavra
de Deus, a Igreja sabe como assumir seu papel na sociedade, e que estruturas
podem ser escolhidas para esse fim.
“Ama com fé e orgulho a terra em que
nasceste!”
CARDEAL D. EUSÉBIO OSCAR SCHEID
Arcebispo da Arquidiocese do Rio de
Janeiro
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