domingo, 6 de dezembro de 2015

O CIVISMO NASCE DA CONSCIÊNCIA DE SER CHAMADO AO EXERCÍCIO DE VIRTUDES

Hoje se usa muito a palavra “cidadania”, resgatar os valores da “cidadania”. Muitos de nossos compatriotas jamais gozaram dos benefícios da cidadania e, até, ignoram o que de facto, em concreto, significa. Portanto, não se pode resgatar o que ainda não se teve, do que ainda não se usufruiu.
A cidadania supõe o civismo ou é uma qualidade inerente a ela. É o que deveríamos descobrir. Acentuo, a seguir, algumas características para nos nortear na solidificação da cidadania.
Civismo quase equivale a patriotismo, entendido como devotamento à causa comum, como esforço em prol do multiforme progresso da Pátria.
Para que alguém seja impregnado do civismo não basta conhecer leis e obrigações, mas se torna necessário um longo aprendizado, que não se obtém pela formulação e cumprimento de regras civis de comportamento.
O civismo inclui e pede, a cada momento e de cada cidadão, o esforço em se dedicar ao progresso e engrandecimento da Pátria. Esse progresso e engrandecimento não podem ser considerados unilateralmente do ponto de vista material, como avanço na riqueza, na economia, na tecnologia, na soberania e no poder. Semelhante visão, limitada e errónea, seria prejudicial à Pátria e à educação para o civismo.
Vivemos em um período da história onde, talvez mais do que nunca, há como que um inconsciente colectivo, que determina que o que importa é o bem-estar particular, individual. Perde-se o conceito chave do colectivo, do bem-comum a todos.
Uma das formas mais eficazes para chegar ao civismo é o interesse e a participação activa nos problemas da própria comunidade. É no sentir e sofrer comum, no partilhar do dia-a-dia de cada irmão, é que desponta o civismo. É co-participação.
O civismo, digno deste nome, não nos permite o gozo tranquilo de direitos assegurados por lei ou exigidos por ela como demonstração de aceitação passiva. O civismo nos leva ao cheiro da terra, ao apreço do suor e das mãos calejadas do trabalhador. Suscita em nós o encanto pelo que Deus nos presenteou na linda natureza e pelas transformações de melhoria, operadas pelo trabalho humano.
O dever cívico é atitude de quem não dorme, deixando acontecer, mas de quem está activamente vigilante para a preservação da ordem, a defesa dos valores morais e sociais, rasgando horizontes de esperança, impedindo o pessimismo do “deixar andar”...
O civismo exige de cada cidadão a colaboração generosa nas obras sociais, nas iniciativas que tencionam melhorar a situação de todos, colocando à disposição desse objectivo os próprios talentos, as capacidades, a formação adquirida, “o seu engenho e arte”. Desta forma excluem-se o individualismo e as diversas formas de egoísmo.
Quando, civicamente, enaltecemos “a grandeza da Pátria”, convém não esquecer as grandezas culturais da literatura, arte, música, entre outras. O cultivo dos heróis é legítimo, mas não pode olvidar os heróis desconhecidos no cumprimento do dever, dia após dia, no anonimato do trabalho, da virtude, do aprofundamento da fé e da crença num Ser sumamente bom e Pai de todos.
O civismo nasce da consciência de ser chamado ao exercício de virtudes – morais, sociais e patrióticas – que caracterizam personalidades amadurecidas. Desta forma, o civismo se opõe ao aventureirismo fácil dos que – para salvarem a Pátria – apregoam fórmulas mágicas, reformas arbitrárias, subversão, planos imaginosos e sonhadores sem o apoio do testemunho, da honestidade, da ausência de corrupção.
O civismo abraça a todos, indistintamente, mas de modo particular, aos jovens, aos educandos, propondo-lhes metas e objectivos claros, ao alcance de todos. Há de começar sempre pelo respeito à pessoa humana, perpassando pelo lar, pela escola e cidade, pelo estado e pela nação.
Não há civismo sem respeito à autoridade, legitimamente constituída, comprovada pelo interesse e devotamento ao bem-comum. É neste contexto que se torna urgente lutar por um patriotismo de verdade, alicerçado no respeito e na promoção da justiça, da solidariedade, da dignidade de cada pessoa como “imagem e semelhança” (cf. Gn 1,26a) do próprio Criador.
No que diz respeito mais objectivamente ao papel da Igreja neste contexto, é certo que esta deve assumir sua acção e postura eticamente responsáveis. Por meio de uma escolha ética, à luz da Palavra de Deus, a Igreja sabe como assumir seu papel na sociedade, e que estruturas podem ser escolhidas para esse fim.
“Ama com fé e orgulho a terra em que nasceste!”

CARDEAL D. EUSÉBIO OSCAR SCHEID

Arcebispo da Arquidiocese do Rio de Janeiro

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