Convivemos com um
tremendo paradoxo: não vivemos mais na sociedade para a qual continuamos a ser
educados para viver. Nossa educação nos prepara para a sociedade industrial,
mas já estamos num mundo onde o conhecimento se transformou no principal factor
para se criar valor.
Nem sempre foi assim.
Houve uma época onde terra era o principal factor de produção. Nesta sociedade
agrícola, os grupos mais poderosos eram os donos de terra, os senhores feudais.
No caso brasileiro, os “barões do café” e os senhores de engenho. Num
determinado momento da história, esse mundo ruiu. A chamada Revolução
Industrial, no fim do século XVIII/início do século passado, veio para
transformar completamente o ambiente económico e social, abalar crenças, rever
valores. O poder mudou de mãos, a maneira de ver o mundo mudou. Quando o Brasil
foi descoberto (em plena era agrícola), se acreditava que a Terra era o centro
do universo. O modo de produção era artesanal. Um artesão controlava todo o
processo produtivo, desde a escolha da madeira mais adequada, passando pela
feitura de uma mesa (por exemplo), até sua comercialização.
A Revolução Industrial
inaugura a chamada modernidade e simboliza uma mudança de paradigma. O homem e
a racionalidade passam a ocupar o centro do pensamento dito científico, e
assistimos a emergência e hegemonia do paradigma cartesiano. A Revolução
Francesa é um dos símbolos da passagem da França agrária, feudal e
aristocrática para a França industrial, burguesa e capitalista. Aqueles que
foram queimados como herege, por dizerem que o sol estava no centro do
universo, foram resgatados. Os artesãos praticamente desapareceram,
substituídos por fábricas automatizadas, que conseguiam fazer muito mais mesas,
em menos tempo e a um custo muito menor.
Vivemos hoje outra
revolução, da mesma magnitude e importância. É um processo de transição de um
mundo tipicamente industrial onde terra, capital, trabalho, energia e
matéria-prima eram os cinco factores de produção chave no processo de criação
de riqueza, para um mundo onde o conhecimento se transformou no principal factor
de produção de valor. Em 2000, mais da metade da riqueza do mundo, segundo a
Organização para Cooperação em Desenvolvimento Económico (OCDE), veio do
conhecimento. Em 2006, 55% das exportações americanas foram de bens
intangíveis. Um bem intangível é um bem que eu não consigo segurar na mão (não
tem átomos): software, produtos da indústria cultural (filme, música, programa
de TV, informação), biotecnologia, patentes, pagamentos de royalties... Ou
seja, mais da metade da riqueza que circulou no mundo não utilizou nenhum meio
de transporte tradicional (caminhão, avião ou navio) e, portanto, não teve sua
entrada no Brasil em nenhum posto controlado pela Polícia Federal!
E nossa educação? Nossa
educação continua a mesma! Continuamos a despejar toneladas de conteúdo nas
cabeças de nossas crianças de uma forma fragmentada e cartesiana. Todo o
esforço está na aquisição de informações. O pressuposto é de que quanto mais
informações o aluno tiver, maiores serão suas chances na vida. Quase nenhum
esforço de criatividade e reflexão é exigido. Apenas decorar e repetir.
Exactamente como o
mundo industrial exigia. Para Ford, um dos grandes “inventores” do modo de
produção industrial, “o bom operário devia deixar seu cérebro em casa”. De
fcto, diante da esteira da linha de montagem onde o funcionário exerce seu
trabalho de forma repetitiva e rotineira, qualquer desvio de atenção (para
pensar nos filhos ou na vida), vai fazer com que ele deixe de aparafusar uma
peça e provocar a parada da produção.
Nossa escola (que nos
moldes actuais tem mais de 100 anos) foi estruturada para produzir mão de obra,
pessoas capazes de usar suas mãos, mas sem sentimentos, sem cérebro, sem
cultura.
“Não vivemos uma era de
mudanças. Vivemos uma mudança de era!” (Chris Andersen)
Mas toda mudança de
paradigma significa uma revolução no modo de produzir, de pensar, de viver.
Aceitar a ideia de que vivemos em uma nova sociedade, na sociedade do
conhecimento, implica em repensarmos nossa educação. E para conseguir fazer
esta transformação, o primeiro passo é mudar nossa maneira de ver e estar no
mundo. Precisamos abandonar esta concepção cartesiana e compartimentada de
lidar com a realidade. Ela já não nos serve mais. Os problemas se tornaram mais
holísticos, sistémicos. Dificilmente um especialista consegue dar conta desta
complexidade. A divisão do trabalho entre os que pensam e os que fazem está com
seus dias contados.
Nesta nova era,
criatividade e inovação são exigências do mundo da produção. Se antes a
competição era a mola propulsora do desenvolvimento, hoje a colaboração assume
papel preponderante. Se as empresas continuarem a ter um ambiente de trabalho
competitivo e intolerante ao erro, estarão cada vez menos preparadas para
sobreviver. De cada 100 ideias novas, menos de três viram produtos e serviços.
O que significa dizer que 97 deram “errado”! Mas para termos estas três boas
ideias, precisamos experimentar, errar, tentar de novo... O erro faz parte do
processo de aprendizagem organizacional. Mas nossas empresas não estão
preparadas para isto. Continuam querendo manter seus modelos arcaicos,
“científicos”.
Nossa educação precisa
estimular a criatividade e a reflexão. No século (e milénio) passado, íamos à
escola para receber informação. Sentávamos em nossas carteiras, uns atrás dos
outros, abríamos os cadernos e copiávamos o que o professor escrevia no
quadro-negro (ou verde)... Depois íamos para casa decorar todas aquelas
informações. A escola e o professor eram os donos da verdade, aqueles que nos
traziam as informações (mas não o conhecimento!).
Hoje, qualquer das
coisas que aprendíamos na escola há 30 anos atrás está na internet, de uma
forma muito mais rica e interessante (com imagens, vídeos e links). Qual
deveria ser o papel da escola HOJE? E do professor? Não mais os meros
provedores da informação, mas os instigadores da reflexão e da produção de
conhecimento! Uma “aula” deveria se transformar num espaço de discussão sobre
as informações pesquisadas pelos alunos em fontes escolhidas por eles! Se
alguém trouxer uma informação incorrecta, irão aprender que nem toda fonte de
informação é confiável. Estarão exercendo, na prática, o espírito crítico! E
muitos podem trazer informações que o próprio professor desconhece, tornando
muito mais rica, interessante e informativa a aula!
A mudança na educação é
urgente! O tempo joga contra nós. Parafraseando um economista, diria que a
educação é um assunto sério demais para ficar nas mãos apenas dos educadores! A
sociedade precisa chamar para si este debate sobre que tipo de educação
precisamos para a sociedade do conhecimento.
*Marcos Cavalcanti é
doutor em Informática pela Université de Paris XI, professor e coordenador do
Centro de Referência em Inteligência Empresarial da COPPE/UFRJ.
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