Cansei dessa vida de
regras impostas, de leis e viver numa sociedade hipócrita. Vou viver do meu
modo e ser feliz. Anita Haz- Gy Motro
"Vivemos numa sociedade consumista
porque a escola educa para os mesmos valores".
Reflectir na escola sobre o consumo
responsável
Maria González Reyes tem 28 anos, é
professora do ensino secundário e trabalha com o colectivo madrileno? Consume
Hasta Morir? (Consome Até Morrer), um grupo que integra a organização não-governamental
espanhola de âmbito nacional? Ecologistas en Acción?.
Em parceria com os restantes elementos
do grupo, divulga pelas escolas espanholas uma iniciativa já com raízes na
América do Norte - nomeadamente no Canadá, onde tudo começou? Mas ainda pouco
conhecida na Europa: a contra-publicidade, isto é, a satirização da publicidade
como ferramenta educativa para reflectir sobre o consumo responsável.
Nesta entrevista, procuramos saber mais sobre
este tema e de que forma pode ser trabalhado na escola. Para uma informação
mais completa pode-se consultar o site www.consumehastamorir.com
Que papel joga hoje a publicidade na
educação das crianças e dos jovens?
A publicidade constitui actualmente um
meio educativo por excelência. Diariamente, entre publicidade televisiva,
cartazes nas ruas, anúncios nas rádios ou logótipos nas roupas, visualizamos
cerca de três mil impactos publicitários. Isto faz da publicidade uma
ferramenta educativa e socializadora indiscutível, cuja linguagem extremamente
eficaz, baseada em imagem e texto, nos impele a comprar os mais variados
produtos e a formar a actual sociedade de consumo que hoje caracteriza o modelo
de desenvolvimento neoliberal.
Qual é o segredo por trás dessa
estratégia?
A publicidade funciona como uma espécie
de metáfora a que chamamos espelho publicitário?, isto é, como uma mensagem na
qual nos vemos reflectidos, onde há sempre algo ou alguém com quem nos
identificamos. Desta forma, tendemos a pensar que há sempre alguma coisa que
ainda não temos e que nos faz falta.
Um universo onde as crianças e os jovens
serão provavelmente mais influenciáveis do que os adultos?
A publicidade toca a todos de maneira
diferente, já que há estratégias para todo o tipo de públicos. Quando nos
perguntam nas escolas qual o tipo de publicidade que consideramos mais
perigosa, costumamos dizer que é, sobretudo, aquela que nos agrada. Os
adolescentes têm perfeita consciência da influência da publicidade nos seus gostos
pessoais, mas assumem que as coisas funcionam assim e que não há volta a
dar-lhe. As crianças, porém, já não têm essa capacidade.
Concorda com a ideia de que hoje em dia
a publicidade já não vende tanto os produtos mas sobretudo marcas e modos de
vida?
Sim, e isso acontece sobretudo desde os
anos 80, altura em que se passou a distinguir a venda de produtos da criação e
do consumo de marcas. Desde essa altura que a estratégia publicitária tem
caminhado no sentido de nos sentirmos sentimentalmente identificados com um
produto associado a um conceito.
Um anúncio da Coca-Cola, por exemplo, já
não se limita a vender o produto mas antes de mais um sentimento positivo e uma
atitude em relação à vida, ou seja, cria um sentimento e uma identidade de
pertença.
É através desta estratégia que as
crianças e os jovens se sentem desde pequenos identificados com a ideia de uma
marca, mantendo-se, em princípio, fiéis a ela ao longo da vida.
Partindo da sua experiência como
professora, de que forma considera que a escola encara esta questão?
Eu creio que hoje em dia vivemos numa
sociedade consumista porque a escola educa para os mesmos valores que se
difundem no exterior dela. Por vezes afirma-se que a escola já não tem a mesma
função educadora de outrora porque existem meios complementares como a
televisão, os meios de comunicação social, a família, que assumem tanto ou mais
importância do que a própria escola. Pessoalmente discordo dessa ideia, porque
essa é a forma mais fácil de se legitimar o actual sistema socioeconómico.
Se os professores tivessem uma formação
inicial de carácter mais crítico, que permitisse não apenas transmitir
conhecimentos mas educar para o pensamento, estou convencida de que a sociedade
poderia evoluir de forma diferente.
Como pode a escola educar para a
contra-publicidade?
A publicidade é basicamente uma mensagem
unidireccional à qual não temos oportunidade de responder. Se algum anúncio
ofende a minha condição de mulher ou de professora, por exemplo, eu não tenho
qualquer hipótese de contestá-la.
A contra-publicidade é uma forma de
podermos questionar as mensagens que nos são transmitidas através dos mais
diversos meios, e é esse tipo de trabalho que o nosso colectivo tem vindo a
trabalhar.
Para isso recorremos exactamente o mesmo
tipo de estratégia utilizada na publicidade, desmontando o seu conteúdo e
fazendo os alunos reflectir sobre ele.
Como é realizado esse trabalho na sala
de aula?
Em primeiro lugar analisamos os anúncios
juntamente com os alunos, procurando saber que tipo de mensagem nos estão a
procurar passar. Habitualmente procuramos publicidade cujo conteúdo possa ser
percepcionado como manipulador ou que veicule uma mensagem sexista ou
classista. Desta forma conseguimos que a publicidade seja vista de uma
perspectiva crítica e não passiva, como nos habituamos a vê-la diariamente.
É muito importante não iniciar esta
primeira fase do trabalho com marcas conhecidas, que eventualmente lhes possam
estar próximas, porque dessa forma é muito provável que os alunos não queiram
ouvir. A melhor forma de iniciar esta abordagem é através de publicidade com
menor impacto, que funcione apenas como meio para que os alunos se apercebam
dos seus mecanismos de produção e possam desmontá-lo de forma a abordar os
aspectos que os influenciam directamente no consumo.
Uma vez analisados os anúncios, os
alunos são convidados a realizar contra-anúncios, ou seja, a procurar um
determinado elemento ou característica que considerem criticável e a
reinventá-lo de forma a satirizar uma determinada mensagem.
Que meios utilizam para fazer este
trabalho?
A forma mais acessível de chegar às
escolas é utilizar recortes de anúncios retirados de jornais ou de revistas e
trabalhar a partir deles. É também possível fazê-lo através de anúncios de
rádio, utilizando exactamente o mesmo método, mas recorrendo à linguagem sonora
e auditiva, o que também resulta bem. Outra possibilidade é o vídeo, mas
raramente recorremos a ele porque consideramos que neste tipo de iniciativa
devem ser utilizadas ferramentas de trabalho que cheguem ao maior número
possível de pessoas.
A técnica que privilegiam não limitará
esta actividade à disciplina de educação visual?
Não, pelo contrário. Este tipo de
trabalho pode ser feito no âmbito de qualquer disciplina. É uma boa forma não
só de abordar a educação crítica para o consumo, mas também de aumentar a
motivação para os conteúdos das diferentes disciplinas. Pela minha experiência,
esta actividade constitui igualmente uma excelente maneira de incluir todo o
tipo de alunos, desde os habitualmente participativos aos mais desinteressados.
Como reagem eles a esta proposta?
Este tema funciona muito bem com os
adolescentes porque a publicidade cativa-os de uma forma particular. Como nesta
idade já não gostam que os enganem ou que lhes contem? Histórias? Quando se dão
conta das subtilezas que estão por trás da publicidade passam a encará-la de um
modo diferente. Além disso, atraio-os a oportunidade de conhecer as técnicas
que se utiliza na sua realização e de a refazer na sua própria perspectiva.
E os professores? Qual é habitualmente a
sua receptividade?
Os professores têm, geralmente, uma
atitude diferente, porque esta é uma forma de eles próprios questionarem o seu
modelo individual de vida, faltando-lhes por vezes uma posição crítica. Muitos
deles desenvolvem um trabalho extraordinário, reinventando diariamente a sua
profissão, mas falta ainda que reflictam um pouco mais sobre o consumo
responsável e a possibilidade de outro modelo de sociedade.
Entrevista conduzida por Ricardo Jorge
Costa.
Postado
por Sergio Levy - Jornalista
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