terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Macroscópio – Na recta final, algumas ideias a reter sobre as eleições presidenciais

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!
 
Não é difícil começar o Macroscópio de hoje: basta retomar a conversa com os leitores no ponto em que ela ficou na passada sexta-feira, altura em que sugeri que não perdessem o retrato de Marcelo Rebelo de Sousa por Maria João Avilez que o Observador editaria na noite de domingo. Assim foi. Desde ontem que é possível ler Marcelo. Afinal quem é este homem? – e foram muitos e muitos milhares os que já o fizeram, demorando-se num artigo que é ao mesmo tempo um perfil do homem, uma reportagem sobre aquilo que distingue o político que se encaminha para a Presidência da República e uma análise arguta das suas qualidades e defeitos, tudo sempre ilustrado com o relato de pequenos episódios que valem por serem muito reveladores. Deixo-vos, como aperitivo, uma dessas passagens:
Foi uma vez, quando o visitei na sua casa de Cascais, já quase noite. Estava-se em plena crise da TVI que opusera o seu administrador, Miguel Pais do Amaral, a Rebelo de Sousa (…), tendo Marcelo sido afastado compulsivamente da estação onde há anos surgia dominicalmente, fazendo o pleno das audiências televisivas.
Mas naquele cair de tarde, longe do écran, do sucesso, da influência, do poder – se havia coisa que ele perseguia e usava, era poder e influência –, Marcelo estava em pleno desamparo de si próprio. Sem chão debaixo dos pés. Fui dar com ele sozinho em casa, terrivelmente engripado e comendo um jantar frugal (“janto todos os dias esta mesma salada”). O seu futuro televisivo mostrava-se demasiado incerto e ele sabia-o. A ideia afligia-o. (…) Impressionei-me naquela tarde e naquela acolhedora casa no “miolo” antigo de Cascais ao despedir-me de Marcelo: quanta solidão naquele prato de salada. Faltavam-lhe as plateias, faltava-lhe o eco, faltava-lhe o futuro, faltava-lhe o ar. Percebi que naquele preciso momento, mais que a carreira académica, os livros, ou a docência; mais que os pareceres que dava, os inúmeros convites que tinha, (…) a vida que para ele contava (…) era respirar politicamente através de um canal de televisão.
 
Este é o tipo de texto diferente que vale mesmo a pena ler por estes dias em que, em torno de uma campanha que prossegue de forma nada empolgante, os vários órgãos de informação procuram mobilizar a atenção do público para a importância da escolha de domingo. No Observador temos feito o nosso melhor: temos umGuia Eleitoral, onde é possível ficar a saber o que cada presidenciável defende; fizemos entrevistas com os sete candidatos que mais se destacaram, tal como elaborámos perfis sobre todos os dez cidadãos que estarão no boletim de voto. Isto para além de alguns Especiais muito interessantes – o de hoje intitulava-sePresidenciais em duas voltas. Um remake de 1986?, o de sábado era um Raio X aos candidatos. O que devemos saber? –, do seguimento da actualidade em liveblog e dos podcast diários, onde David Dinis e Helena Pereira, a editora de Política, fazem o balanço do dia – hoje falaram sobre As incógnitas da reta final
 
Há mais trabalhos noutros órgãos de informação, muitos deles recuperando episódios do passado, de campanhas mais animadas do que esta. O Expresso, por exemplo, tem vindo a publicarHistórias de Belém, desde algumas ainda do tempo de Spínola até, por exemplo, ao relato do dia em Sampaio desiludiu o PS e levou Ferro Rodrigues à demissão. Já a Renascença optou por apresentar os candidatos num registo multimédia, primeiro todos (Quem é quem nas presidenciais), depois Sampaio da Nóvoa (Corre, Nóvoa, corre) e Maria de Belém (Uma semana dentro de portas com o "pormenorzinho" de ser mulher), o que indica que a apresentação destes trabalhos ainda não terminou.
 
Mas deixemos estes trabalhos mais jornalísticos e passemos a um apanhado de alguns dos textos de análise ou opinião que mais se destacaram. Entre todo o texto politicamente mais relevante foi porventura o de Francisco Assis, no Público: O cândido candidato. Nele o eurodeputado socialista confessa que “Causa-me até alguma perturbação o tom messiânico com que Sampaio da Nóvoa apregoa o advento de um “tempo novo””, um comportamento que condena abertamente:
“Há mesmo momentos em que não parece estarmos perante um candidato presidencial mas sim diante de alguém que aspira a um estado de verdadeira beatitude. Se virmos bem a coisa, contudo, o discurso não é novo e a pretensão nada tem de original. Uma parte da esquerda portuguesa sempre revelou grande disponibilidade para aderir a uma retórica programaticamente eunuca, conceptualmente ligeira e moralmente demagógica. A razão para que tal suceda poderá residir na necessidade da substituição de utopias desacreditadas e de ambições revolucionárias falhadas. São os herdeiros lusitanos daquilo a que Hegel tão bem definia como as “belas almas”. É claro que essa linha de orientação não pode conduzir senão ao desastre político.”
 
Assis não é o único, na área do PS, a sentir-se muito incomodado com a candidatura de Nóvoa. O mesmo se passa, por exemplo, com Vital Moreira, que no Blogue Causa Nossa se insurgiu contra o Fundamentalismo referendista do candidato. É um texto que contesta a ideia de convocar um referendo se houver qualquer alteração aos tratados europeus, concluindo assim: “Há muitos meses (ver aqui) tornei claro que não apoiaria a candidatura de Sampaio da Nóvoa (a quem prezo muito, pessoal e academicamente) por causa do seu alinhamento com posições da esquerda radical e pelo entendimento intervencionista da função presidencial. Este fundamentalismo referendista quanto à integração europeia (com uma conotação inequivocamente soberanista) confirma inteiramente os meus receios. Assunto encerrado, portanto.”
 
Mas se numa parte da esquerda socialista há incómodo com Nóvoa, na direita são muitos os que não disfarçam o seu desconforto com Marcelo. André Azevedo Alves faz um bom apanhado de diferentes posições em A direita e as presidenciais: alternativas de voto, um texto publicado no Observador. Depois de fazer o seu levantamento das diferentes hipóteses, conclui: “Para quem não se sentir motivado por qualquer das alternativas anteriores, resta a opção de ficar em casa no dia 24 de Janeiro, eventualmente a reflectir sobre como poderia ter sido diferente a transição democrática em Portugal se o país tivesse contado com uma figura como a do Rei Juan Carlos de Espanha. Em 2006, nas últimas eleições presidenciais em que não havia um incumbente, mais de 61% dos eleitores inscritos votaram. Veremos quantos votarão no próximo dia 24 de Janeiro.”
 
Luciano Amaral, escrevendo no Correio da Manhã – Voltas – alerta contudo para os riscos da estratégia de Marcelo ao afastar-se da direita, dando o seu apoio como adquirido: “Em condições de bipolarização, Marcelo teria de convocar o mesmo povo de direita que agora “esnoba” (como se diz no Brasil). E será que o povo de direita estaria na disposição de se mobilizar por um candidato que o trata como um desagradável empecilho?” No mesmo jornal, em tom de crónica divertida, António Sousa Homem como como A família não teria votado em nenhum presidente. É que, “olhando bem para a lista de candidatos, é preciso dar alguma razão à Tia Benedita, que no dia das eleições mandaria fechar as portadas para que não a incomodassem.”
 
Não surpreende assim que, no Expresso (paywall), Ricardo Costa, em As três armadilhas de Marcelo, se tenha centrado no risco que uma abstenção muito elevada pode colocar à sua candidatura. Fá-lo invocando aquilo a que os especialistas em estudos eleitorais chamam “abstenção por convicção de vitória”: “Basicamente, é a explicação para um fenómeno sociológico simples que leva uma parte significativa do eleitorado a não votar por ter a certeza de que o resultado está decidido e de que o seu voto não conta para nada.” Uma situação agravada pela apatia que tem rodeado a campanha, apatia que foi tema para uma crónica de Henrique Monteiro no mesmo Expresso, Por que ninguém liga aos candidatos? É que, afinal, temos “dez candidatos, em que um faz de morto, na esperança de vencer logo a 24 de janeiro, e os outros apenas fazem prova de vida. Nenhum tem um rumo, uma razão, um motivo válido para ser eleito.”
 
Para ter uma ideia do grau de desinteresse nesta eleição vale a pena consultar o blogue de Pedro Magalhães Marges de Erro, onde em O (des)interesse por esta campanha, utiliza uma ferramenta da Internet, o Google Trends, para comparar o número de buscas pelo nome dos candidatos nesta campanha e na campanha de há cinco anos, a da reeleição de Cavaco. Vão lá ver os gráficos, que falam por si…
 
Não deixa de ser uma situação estranho no momento em que o país vive, um momento que, para alguns, como o historiador José Manuel Sardica na Rádio Renascença, em Todos a Belém..., até se exigiria mais do futuro Presidente: “Os próximos meses e anos vão ser de economia dura e de política controversa, de diplomacia europeia muito alerta e de decisões difíceis acerca de conflitos militares mais longe ou mais perto de casa. O país precisa de um Presidente que, sem governar, seja parte da governação; de um árbitro mais substancioso, de um moderador mais interventivo e de uma magistratura de influência… que influencie mais.”
 
Termino com uma análise muito interessante de um jovem cientista político, Miguel Maria Pereira, As eleições presidenciais através das sondagens, texto publicado aqui no Observador. Nele faz uma análise detalhada das sondagens conhecidas (sem a de sábado passado, da Eurosondagem), compara os resultados com os medidos em anteriores eleições presidenciais e conclui que “As flutuações nas estimativas de intenção de voto serão perfeitamente naturais, não só considerando o comportamento das sondagens no passado, mas especialmente dadas as características dos candidatos.” Não dizendo, ainda, quem vai ganhar e como, é um texto que nos ajuda a perceber melhor a dinâmica dos estudos de opinião.
 
Deixo-vos agora à entrada da semana em que os candidatos vão gastar os últimos cartuchos, desejando-vos bom descanso e boas leituras. Até amanhã.  
 
 
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