sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Macroscópio – O Orçamento em que (quase) ninguém acredita

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!


Foi a semana passada, já em cima das eleições presidenciais, que o Governo apresentou em Bruxelas um esboço de Orçamento do Estado. Rapidamente se percebeu que ninguém, ou quase, acreditou nos números, nos cenários e nas projeções. A começar por Bruxelas, que pediu esclarecimentos adicionais, fazendo-o num tom especialmente duro. Amanhã, sexta-feira, o Governo terá de enviar essas explicações, mas poucos parecem confiantes que seja possível que os números acabem por bater certo.

Antes do mais vamos aos documentos essenciais, para que os leitores do Macroscópio fiquem com a informação toda:
Mais alguns elementos importantes: a conferência de imprensa do ministro das Finanças Mário Centeno – Centeno responde aos céticos: “mercados acreditam na estratégia” – e a entrevista de António Costa ao Financial Times – Costa diz que negociou “intensivamente” com a Comissão, sendo que o original em inglês pode ser lido aqui.

De tudo isto, vale a pena destacar algumas das dúvidas ou críticas expressas nesses documentos. Por exemplo, utilizando a sínteserealizado pelo Jornal de Negócios das considerações do Conselho das Finanças Públicas sobre o cenário macroeconómico do Governo e e dos seus avisos às hipóteses assumidas pelo Executivo, considerados imprudentes:
  • Procura externa pode ser mais baixaO Ministério das Finanças aponta para uma aceleração da procura externa de 3,9% em 2014 para 4,3% em 2015, o que será importante para garantir um aumento das exportações de 4,9% esperado pelo Governo. O Conselho das Finanças Públicas (CFP) considera que é uma hipótese arriscada dada a conjuntura internacional. O ministro defende-se argumentando que os últimos dados dão conta de uma aceleração das economias dos principais parceiros comerciais.
  • Petróleo é imprevisívelO Governo estima que o preço médio do barril de petróleo caia de 55 euros em 2014 para 47,5 euros em 2015. O valor é mais baixo que o projectado pela maioria das instituições no final de 2015. O Executivo considera que dados os níveis de arranque de 2016, o valor é razoável. A verdade é que ninguém sabe muito bem como evoluirá o preço do petróleo.
  • Economia pode não reagirO Executivo confia que as famílias  e empresas irão reagir aos estímulo orçamentais com mais consumo e investimento, e que as empresas compensarão os aumentos salariais (nomeadamente no salários mínimo) com ganhos de produtividade. Estas são hipóteses sempre arriscadas em qualquer exercícios de previsão.
  • Inflação de voltaO Governo confia que a inflação (que olha apenas para os bens de consumo) subirá 1,4% e que os preços no total da economia (o chamado deflator do PIB) subirão 2,1%. Estes aumentos ajudam as contas publicas inflacionando a receita. O CFP considera são hipóteses arriscadas no actual contexto. 

O mesmo Jornal de Negócios também destacava que, de acordo com as estimativas do Governo, por cada euro de estímulos, a retoma devolveria quatro. Este efeito “multiplicador” tão generoso foi um dos que mais reservas suscitou nas análises ao documento preparado por Mário Centeno.

Mas passemos agora a algumas análises deste esboço de Orçamento, sendo que uma das primeiras foi publicada no Observador por Paulo Ferreira sábado passado, pouca horas depois de o documento ser conhecido: O tempo que teima em não ser novo. A ênfase era ainda colocada na ideia de que “o anúncio do fim da austeridade foi manifestamente exagerado”. Mesmo assim com uma dúvida: “As prioridades orçamentais estão a ser ditadas pela avaliação de emergência social ou são sobretudo para responder ao poder reivindicativo de sindicatos e corporações?”

Conforme os dias foram passando os diagnósticos foram-se tornando mais duros:
  • Helena Garrido, a 26 de Janeiro, Jornal de Negócios, emSonhos e pesadelos no Orçamento de 2016: “Regressa o sonho de resolver o problema orçamental português com "cortes nas gorduras" e a ilusão de que se consegue obrigar as pessoas a gastar o seu dinheiro naquilo que o Governo quer e que se pode determinar por decreto a subida dos preços. Promete-se o pesadelo para 2017.”
  • João Vieira Pereira, a 27 de Janeiro, Expresso, em Os outros já cortaram no papel higiénico: “Este não é diferente. Arriscava mesmo a dizer que estamos perante um exercício cuja escala de veracidade varia entre o pouco prudente e o inverosímil. Com uma paragem obrigatória no irrealista. Isto conforme os óculos mais à esquerda ou mais à direita que colocar para ler o documento.”
  • Sandra Clemente, a 28 de Janeiro, Diário Económico, emPopulação portuguesa cansada de guerra: “A despesa já vai em mil milhões, sem outra receita para a compensar que não a que o Governo confia que os efeitos das suas políticas gerará: por cada euro de estímulos a retoma devolverá quatro. Isto tudo com Centeno a dizer que este OE representa o maior esforço de contenção de despesa pública dos últimos anos.”

Mas o texto mais crítico e ao mesmo tempo melhor estruturado e argumentado que li até ao momento foi o de Jorge Costa, hoje no Observador: OE 2016: um desastroso regresso ao passado. O seu ponto principal é que “Os pressupostos do orçamento são completamente irrealistas. Naquilo que dependem mais diretamente do Governo, designadamente da política rendimentos, as projeções são desastrosas. A braços com uma dívida imensa, a falta de credibilidade e o facilitismo podem ser fatais, dependentes, como estamos, da confiança dos investidores”. É um ponto que sustenta argumentando com a ajuda de gráficos e de muitos números, que percorrem os vários cenários do Governo e os desmontam um a um. Mas também há críticas a algumas opções de fundo, nomeadamente em matéria fiscal: “Os impostos indiretos aumentam, apesar da anunciada redução do IVA da restauração, o que é compensado pela redução dos impostos sobre o rendimento. É curioso notar que são aumentos em impostos regressivos, como o Imposto sobre Produtos Petrolíferos, isto é, impostos que representam um maior encargo relativo para as pessoas de menores rendimentos, que financiam a redução dos impostos sobre o rendimento, dos impostos progressivos.”

Por entre todas estas dúvidas (ou críticas abertas) destacam-se as que sustentam as perguntas vindas de Bruxelas. Como já referi atrás, a carta é dura, mas não é um chumbo, sendo que António Costa diz estar confiante, considerando que o problema não é político, é técnicoBluff ou fuga em frente? Os analistas dividem-se:
  • Bruno Faria Lopes, no Diário Económico, é de opinião que a Comissão não tem poder (nem histórico) para vergar o Governo português. É o que defende em Por que Costa estica a corda com a Comissão? Porque pode: “Bruxelas pode pedir a revisão do esboço apresentado por Portugal. A ameaça é pública, a desconfiança evidente. Mas na hora de tomar estas ameaças da Comissão pelo seu valor facial talvez devamos olhar para as armas frágeis que tem ao seu dispor para pressionar estados-membro”.
  • Ricardo Costa, no Expresso, parece mais dividido em Lisboa vs. Bruxelas: um braço de ferro com sentido?: “No passado recente, há exemplos de cedências e de posições do força. Em 2014, França, Itália e Áustria receberam da Comissão Europeia cartas parecidas com a que agora foi enviada a Mário Centeno. E os três cederam sem apelo nem agravo. Mais recentemente, o governo espanhol desobedeceu às recomendações de Bruxelas sobre o défice estrutural, manteve tudo como estava e... não aconteceu nada.”
  • Por fim Helena Garrido, no Jornal de Negócios, é a que se mostra mais pessimista relativamente à hipótese de Lisboa vencer este braço de ferro. É lê-la em Portugal no fio da navalha“O Governo anda a brincar com o fogo. Já sabia que Bruxelas não ia aceitar aquelas contas públicas e insistiu. Recebeu o respectivo puxão de orelhas sob a forma de carta a pedir explicações e com ameaças veladas de sanções. António Costa sabe que terá de ceder a Bruxelas. Porque está a fazer este jogo?”

Numa altura em que as três principais agências de rating começaram a mostrar estar inquietas com a evolução da situação em Portugal e até já enviaram avisos ao Governo, tende-se a concordar com esta última ideia de que caminhamos no fio da navalha. E que vivemos dias perigosos.

Com a esperança de não vos ter estragado o descanso, despeço-me com a promessa de regressar amanhã.

 
Mais pessoas vão gostar da Macroscópio. Partilhe:
no Facebook no Twitter por e-mail
Leia as últimas
em observador.pt
Observador
©2015 Observador On Time, S.A.
Rua Luz Soriano, n. 67, Lisboa

Nenhum comentário:

Postar um comentário