sexta-feira, 29 de abril de 2016

Macroscópio – Perturbação na anglosfera? De Trump ao Brexit passando por Obama

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!


Quando me preparava para começar a escrever esta newsletter uma das televisões portuguesas mostrava o primeiro-ministro e o líder da bancada do maior partido da oposições a acenarem com um papel que, parece, era o anexo desconhecido do Plano de Estabilidade. Um papel sem novidades agradáveis (isto é, com mais austeridade e cortes do que os anunciados) e de que por certo falaremos muito nos próximos dias, mas hoje vou ater-me ao que já tinha planeado: falar-vos do que se passa na anglosfera a propósito da visita de Barak Obama à Europa, das suas palavras sobre o Brexit e, ainda, das primárias nos Estados Unidos, onde Trump continua a acumular vitórias e fez o seuprimeiro discurso mais longo sobre política externa.

Devo dizer que também o faço porque tenho uma boa entrada para vos propor: no Conversas à Quinta com Jaime Gama e Jaime Nogueira Pinto falámos hoje precisamente de O que ingleses e europeus deviam reter da mensagem de Obama, mas só, já que também aproveitámos para falar um pouco do mais recente discurso de Donald Trump e das importantes negociações TTIP, o tratado de livre comércio que está a ser negociado entre a União Europeia e os Estados Unidos. O podcast do programa, como sempre, pode ser encontrado aqui(para iPhone) e aqui (RSS Feed).

Antes porém de me centrar mais na anglosfera, deixem-me chamar a atenção para o texto que Francisco Assis hoje escreve no Público, Os discursos de 25 de Abril de Obama e de Marcelo. O importante aqui é a sua reflexão sobre Obama: “A partir da sua condição de não-europeu, confrontou-nos com as nossas responsabilidades e com a nossa história. Lembrou-nos as origens do projecto político consubstanciado na União Europeia, enunciou os sucessos do seu já longo percurso, aludiu às angústias do presente e terminou com uma grande proclamação de esperança no futuro. Usou as palavras certas, não iludiu a complexidade de certos conceitos nem tentou amenizar a aspereza de algumas situações”. Tal introdução merece que indique também o link para a versão integral desse discurso: Remarks by President Obama in Address to the People of Europe.

Antes porém de chegar à Alemanha, o Presidente dos Estados Unidos passou por Londres, onde numa conferência de imprensa conjunta com David Cameron, sublinhou que “Let me be clear.  Ultimately, this is something that the British voters have to decide for themselves.  But as part of our special relationship, part of being friends is to be honest and to let you know what I think.  And speaking honestly, the outcome of that decision is a matter of deep interest to the United States because it affects our prospects as well.  The United States wants a strong United Kingdom as a partner.  And the United Kingdom is at its best when it's helping to lead a strong Europe.  It leverages UK power to be part of the European Union.” (Transcrição integral:Remarks by the President Obama and Prime Minister Cameron in Joint Press Conference.)

Antes mesmo de Obama aterrar em Londres, a jornalista e historiadora Anna Applebaum escrevia um texto politicamente significativo na revista Spectator: I'm no fan of Obama. But on Brexit, he does speak for America. E explicava porquê: “If you think that the current American president’s trip to the UK this week is some kind of fanciful fling, or that his arguments against Brexit represent the last gasp of his final term in office, then you are deeply mistaken. In Washington, the opposition to a British withdrawal from the European Union is deep, broad and bipartisan, shared by liberal Democrats and conservative Republicans alike.” Mas com um importante senão: “I should qualify that: the opposition to a British withdrawal from the European Union is deep, broad and bipartisan — and shared by the shrinking number of Democrats, Republicans and diplomats who are still interested in and committed to the transatlantic alliance. The isolationist wings of both parties don’t care one way or the other about Brexit. But then, the followers of Donald Trump and Bernie Sanders also don’t care about Nato, the special relationship, European security or anybody else’s security either.”

Na altura em Obama estava em Londres, o Sunday Times publicou um outro texto importante, este de um escocês hoje radicado nos Estados Unidos, o historiador Niall Ferguson:Brexit now and we will only have to Breturn to save a disintegrating Europe (como a paywall do Sunday Times exige um pagamento avultado, os interessados podem encontrar largos extratos desse texto aqui). Deixo-vos uma parte da sua argumentação: “Today (…) it is the proponents of Brexit who are the utopians. Far from being Eurosceptics, they are Angloonies. The true sceptics now are those who point out that to opt out of the EU is not only to relinquish all influence over the terms of our future relationship with our main trading partners and to jeopardise London’s future as a financial centre, but also — much more importantly— to undermine the security of Europe itself (…). To us Anglosceptics, the lesson of history is that British isolationism is itself a trigger for continental disintegration.”

Saindo agora do espaço estrito da discussão sobre o Brexit e passando o futuro da anglosfera, é incontornável referir a opinião de Gideon Rachman no Financial Times, Barack Obama and the end of the Anglosphere, onde se defende que “The crucial point is that he is America’s first Pacific president”. É um texto sem grandes ilusões sobre a atenção que os Estados Unidos prestarão no futuro ao espaço atlântico: “Some Brits and Europeans hope that the departure of President Obama might mean that the US places less emphasis on Asia and pivots back to the Atlantic. That is unlikely. Any US president who looks at America’s strategic priorities is likely to come to conclusions similar to Mr Obama’s. Hillary Clinton, his likeliest successor, is a firm believer in the “pivot” to Asia, as she made clear in a 2011 article entitled “America’s Pacific Century”.”



As coisas não serão melhores – bem pelo contrário – se, por hipótese remota, for Donald Trump a chegar à Casa Branca. Esta semana o candidato procurou recentrar o seu discurso, e não por acaso escolheu Washington para o fazer e, na capital dos Estados Unidos, seleccionou como anfitriões os editores de uma revista de relações internacionais conservadora e ligada à chamada linha “realista”: The National Interest. Mas já vamos a essa surpresa, primeiro comecemos por uma exposição mais detalhada do conteúdo do discurso de Trump, recorrendo à síntese do Politico, Trump vows to make America strong again. Eis um pouco do que esse jornal online apanhou do discurso: “In the address, Trump laid out five areas of "major weaknesses" in American foreign policy, including an over-extension of resources, allies not paying their fair share, confusion about who are allies and who are enemies, and criticizing the U.S. for not even understanding its own foreign policy in the last quarter century.”

Vamos porém ao ponto que deixou muita gente surpreendida: como foi possível a National Interest, uma revista respeitada pela elite republicana, aceitar acolher Donald Trump? Será que o seu editor, Jacob Heilbrunn, se tinha também rendido ao magnata que lidera a corrida republicana? O próprio se encarregou de esclarecer num artigo editado no mesmo Politico, sintomaticamente intitulado Why I Hosted Trump’s Foreign-Policy Speech. Depois de explicar a forma como foi contactado e porque entendeu que devia dar a Trump uma oportunidade para expor, uma vez ao menos, a sua visão integrada do que deve ser a política externa dos Estados Unidos, Heilbrunn dá conta da sua desilusão: “In fact there was no new Trump. His speech did not deviate from the themes he has already enunciated and it showed that he is willing to go very far indeed. Nothing like this has been heard from a Republican foreign policy candidate in decades. Trump doesn’t want to modify the party’s foreign policy stands. He’s out to destroy them. In his speech, Trump declared that U.S. foreign policy since the Cold War has been “incoherent” under both Democratic and Republican administrations. He said it’s been a “complete and total disaster. ... No vision. No purpose. No direction. No strategy.” Porém, apesar de se declarar “não convencido”, Heilbrunn foi mais comedido nas críticas do que a ala neoconservadora dos republicanos e termina o seu artigo notando que “If Trump sticks to his more restrained posture, it’s a refrain that may become more common. The louder the neocons protest Trump’s rise, the more it may signify that Trump is smashing down the old ramparts of the GOP. His speech today may represent a knock of fate. Will Trump’s views actually end up becoming the new GOP conventional wisdom? Whatever his political fortunes, there may be no going back to the old foreign policy dogmas for the Republican Party.”

É por isso também importante ver o que escreveu o Wall Street Journal em editorial, em A Trump-First Foreign Policy. Aqui o veredicto foi mais ácido: “For prepared remarks, or for that matter even an after-dinner talk, Mr. Trump’s speech was especially rife with contradictions. He said the conduct of foreign policy must be “more unpredictable. We are totally predictable. We tell everything.” He also said the conduct of foreign policy must be “disciplined, deliberate and consistent.”

Antes de terminar por hoje, um regresso a Portugal para vos referir de novo um texto do Observador que, não estando directamente relacionado com os eventos destes últimos dias, traduz a perplexidade de alguns comentadores com a estreiteza do debate em Portugal. Refiro-me à reflexão de Maria João Marques O enlevo do PSD por um extremista. O que surpreende a colunista é ver tanta gente naquele partido a apoiar Bernnie Sanders, o candidato mais à esquerda e anti-sistema, mesmo anti-capitalista, alguém que “verteu profusamente afetos – largos anos depois de deixar de ser adolescente a quem se desculpam os devaneios escarlates – pelos regimes comunistas da URSS, de Cuba e, sobretudo da cleptocracia marxista-leninista sandinista da Nicarágua. Chegou a afirmar considerar as filas às portas das lojas de comida um sinal de saúde económica e política dos países comunistas, muito melhor processo do que as idas aos supermercados com prateleiras cheias do mundo capitalista.”

Mas já me estendi demasiado por hoje, regresso amanhã com novo Macroscópio e outro, ou outros temas. Tenham bom descanso.

 
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