John Weeks [*]
Durante muitos anos perguntei-me porque tantas pessoas bem informadas manifestam ignorância de aspectos simples da nossa economia. Demorou décadas para perceber que a resposta a esta pergunta repousa em grande parte na resposta a uma segunda: por que estudantes da teoria económica convencional (mainstream)não sabem quase nada acerca da economia real, mas consideram-se peritos embrionários neste campo?
A teoria económica mainstream doutrina tanto os estudantes como o público pois representa mal os mercados, propalando falsidades sistematicamente. Como parte desta doutrinação, os [economistas] convencionais capturaram a profissão, a seguir expurgaram-na de keynesianos, ricardianos, marxistas, institucionalistas e todos os outros dissidentes. A disciplina que se chama a si própria ciência económica (economics) é uma doutrina religiosa dedicada ao culto dos mercados e os seus membros são sacerdotes desta doutrina.
Economistas convencionais tipicamente descartam dissidentes como incompetentes, insuficientemente matemáticos e técnicos. Mas os incompetentes são os seguidores da doutrina convencional, sobrecarregando a profissão e o discurso público com um peso morto de inconsistências absurdas que eles apresentam como teoria. Em séculos passados astrólogos e alquimistas representaram uma barreira para o entendimento do mundo natural. Em grande parte do mesmo modo, as constantes adulterações neoclássicas da realidade impedem o entendimento das circunstâncias económicas nas quais as pessoas vivem, trabalham e sustentam-se.
Em consequência desta adulteração não há consequência política ou económica tão reaccionária ou ultrajantemente anti-social que alguns economistas convencionais não defendam e a maior parte dar-lhe-ia seu apoio tácito. Dentre os absurdos reaccionários inclui-se que discriminação de género e de raça é uma ilusão, que o desemprego é voluntário e que o sector público é ineficiente.
Os [economistas] convencionais propõem e praticam uma falsificação da teoria económica. Eles são econo-falsificadores, presos a uma fraudulenta teoria económica pseudo-científica, tal como astrólogos deturpavam o cosmos e alquimistas apregoavam o contra-senso da transubstanciação química. A ideia de que economias de mercado estão sempre e continuamente em pleno emprego subjaz à estrutura teórica destes convencionais. Todas as conclusões teóricas e políticas derivam desta premissa falaciosa. É a inexorável e indesculpável presunção do pleno emprego, contrária à realidade, que mais do que qualquer outra coisa qualifica os economistas mainstreamcomo "falsificadores". Tal como os astrólogos, alquimistas e criacionistas dizem asneiras acerca do mundo natural, os neoclássicos propõem e defendem zelosamente uma versão falsa da sociedade de mercado.
Se, depois de se apropriarem da profissão, a escola neoclássica tivesse sido conduzida ao descrédito – como aconteceria se criacionistas assumissem o comando da genética, se astrólogos fossem guindados à astronomia e alquimistas capturassem laboratórios de química – a sua ofensa classificar-se-ia como um crime intelectual menor. Contudo, eles tiveram êxito em vender o seu dogma como sabedoria incontestável para a orientação de governos. Não é sabedoria. É um vírus do intelecto que corrompe o cérebro, tornando-o incapaz de pensamento são.
Alguns críticos reclamam que economistas arrogantemente pretendem entender muito mais do que realmente entendem. Esta crítica é demasiada fraca. O mainstream afirma ter conhecimento profundo da economia, mas não entende quase nada da mesma e obscurece quase tudo. A suposição do pleno emprego serve como véu de ocultação, representando mal "o problema económico" como aquele de distribuir recursos escassos. A realidade é a oposta. O problema económico central em sociedades de mercado é gerar trabalho útil e produtivo para aqueles que o desejam. Em sociedades de mercado o trabalho é abundante, não escasso.
Grande parte da imerecida credibilidade de economistas mainstream resulta da sistemática promoção da ignorância ao longo dos últimos trinta anos por parte dos economistas neoclássicos e dos media. Entender a economia não é simples, mas não mais difícil do que entender suficientemente o sistema político para votar. As pessoas vão regularmente às cabines eleitorais e escolhem candidatos ou rejeitam-nos todos. As mesmas pessoas manifestam uma ignorância da teoria económica que as deixa incapazes de avaliar teses competidoras acerca da política pública.
Meu primeiro livro explica que relações e processos económicos podem ser entendidos pelo público geral e que a perícia apregoada pelos [economistas] convencionais é um espectáculo de enganos e encobrimentos (smoke-and-mirrors). Em linguagem não técnica reformulei então a teoria económica como deveria ser: o estudo de sociedades com recursos ociosos e como induzir o que permanece ocioso à utilização produtiva. Este foi o contexto teórico para todos os grandes economistas, desde Smith e Ricardo até Marx e Hobson e continuando até Keynes, Galbraith e Kalecki. Rejeitar o absurdo dos recursos escassos leva a uma refutação das parábolas reaccionárias dosmainstream, das quais as mais importantes são:
O desemprego resulta de altos salários e/ou de apoio demasiado generoso àqueles sem trabalho (trabalhadores causam seu próprio desemprego);
Demasiada moeda em circulação causa inflação e é invariavelmente o resultado de despesas pública excessivas (governos causam inflação);
A competição faz mercados eficientes e traz benefícios para todos, tanto internamente como no comércio internacional (a competição beneficia toda a gente, a regulação prejudica todos); e
As regulações do sector públicos interferem com a livre escolha das pessoas e solapam a eficiência dos mercados (o governo é um fardo).
No meu livro mostro que estas parábolas reaccionárias derivam do mundo de fantasia do pleno emprego, não de teoria sã. Os economistas de pacotilha dão-lhes credibilidade superficial ao apresentarem pessoas como produtores e consumidores que procuram obter ganho individual. Na teoria económica do mundo real, as pessoas não são primariamente produtoras e consumidoras. As economias de mercado são sociedades de classe na qual a vasta maioria procura através de meios sociais regular, reformar e limitar o dano colateral criado pela competição de mercado. E ao assim fazer, alcançar, se possível, uma sociedade produtiva de pleno emprego apta para a vida humana.
[*] Autor de Economics of the 1%: How mainstream economics serves the rich, obscures reality and distorts policy (Anthem Press, 2014).
O original encontra-se em http://iippe.org/wp/?p=2342
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/
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