O Folha 8 inicia hoje uma série de entrevistas sobre o que pensam os Revús. E, para começar, eis a opinião de Nuno Dala, por muitos considerado “a arma secreta do grupo”.
António Setas – Folha 8
À semelhança do que se passou com a selecção de Portugal no decorrer do Euro 2016 de Futebol, em que o herói dos vencedores lusos foi um negro da Guiné-Bissau, o Eder, por assim dizer desconhecido do público em geral e apelidado “patinho feio” entre os seus camarada da selecção, o Folha 8 escolheu o seu herói e começa nesta edição toda uma série de entrevistas com enfoque na personalidade dos membros do grupo, começando por levar à estampa nesta edição uma entrevista de um elemento pouco mediático, mas muito importante dos Revús, Nuno Dala.
De Nuno Dala, 31 anos, professor universitário, há quem diga que ele é “a arma secreta do grupo”. Iniciou uma greve de fome a 10 de Março de 2015 que durou cerca de um mês, em protesto por as autoridades lhe terem confiscado os seus bens no decorrer da sua detenção, entre ao quais Bilhete de Identidade, cartão bancário, computador, impressora, telefone, documentos e livros. Terminado o julgamento e ditada a sentença, as autoridades continuam, ainda hoje, na posse de objectos pessoais dos activistas, inclusive os seus.
(Nota: o Tribunal Supremo de Angola notificou já o juiz da causa do julgamento dos 17 Revús (a 14.07.16) para a restituição imediata dos bens arrolados ao processo. Falta obedecer, o que não é evidente em Angola)
De salientar que a obra da sua lavra, “O Pensamento Político dos Jovens Revús – Discurso e Acção”, é a primeira deste docente universitário. Foi apresentada em Lisboa no dia 27.05.2016, no Café Hollywood, na Mouraria, em interacção com a mulher em Luanda, no dia de aniversário da sua filha, Joaquina. Que tinha três semanas de vida quando ele foi encarcerado.
Folha 8 – Depois da decisão tomada para vos libertar condicionalmente, apareceram na baila mediática e mesmo em órgãos oficiais, analistas a dizer que essa decisão era uma prova cabal de que em Angola existe separação de poderes políticos. Está ou não está de acordo?
Nuno Dala – Não estou de acordo com o discurso dos analistas do regime. José Eduardo dos Santos viu-se deveras encurralado. Os grandes poderes subterrâneos colocaram-no entre a espada e a parede. A espada era demasiado afiada para ser ignorada e a parede extremamente densa e alta para o bloquear internacionalmente. Quanto à situação interna, ele viu-se pressionado perante os apelos incessantes da sociedade angolana, incluindo no seu círculo interno, para que pusesse fim à aventura iniciada em Junho de 2015. Na verdade o regime viu-se em terreno lúgubre. Deve também ficar claro que as próprias condições socioeconómicas, sociopolíticas e psicopolíticas em si não deram ao regime banditesco e ao seu chefe qualquer espaço de manobra.
F8 – Esteve encarcerado em vária prisões, que opinião tem sobre a qualidade de vida que elas proporcionaram? É assim tão mau como se divulga na imprensa privada? A comida, a água, os maus-tratos e a convivência…
ND – Tanto no Estabelecimento Prisional de Kakila, Comarca de Viana como no Hospital Prisão São Paulo, onde estive, a comida nem sequer devia ser servida a animais. A água de Kakila é a pior. É acastanhada. É péssima. Não há bibliotecas, centros culturais e desportivos para usufruto dos reclusos. O ambiente não é o de reeducação/reabilitação. É infernal. Mas, no quadro geral, sempre fomos tratados como presos especiais, o que, porém, não me impediu de enxergar a realidade.
F8 – Alguma vez sentiu que estava em perigo de morte?
ND – Sim. Isto foi durante os primeiros dias, em que as transferências da 29ª Esquadra (onde está alojada a sede do Serviço de Investigação Criminal) para outra esquadra (junto da Centralidade do Sequele) foram feitas na calada da noite e num clima de silêncio total dos agentes do SIC e do SINSE. Eu nem sequer sabia para onde ia, logo, e porque eles estavam armados até aos dentes, pensei que estava a ser levado a uma mata qualquer para ser executado.
F8 – De que maneira ficou a saber que ia ser solto?
ND – Pela TV Zimbo. Fui o primeiro dos meus 11 companheiros da Ala C a saber, através de uma “sinopse” do noticiário, o qual seria apresentado às 13.00.
F8 – Qual foi então a primeira ideia que lhe passou pela cabeça? Persiste em pensar hoje da mesma maneira?
ND – Fiquei céptico. Aliás, até achei que fosse piada de mau gosto. De qualquer modo, ficou demonstrado que era verdade. Seríamos soltos.
F8 – Vocês vão continuar a contestar, pensamos. Tem alguma coisa a dizer sobre como vai ser organizada e executada essa contestação?
ND – O activismo será mais sofisticado e desenvolvido tanto no discurso político-social como nas formas e métodos de luta.
F8 – Pensa que a sua (vossa) contestação pode levar a uma ruptura interna no seio do MPLA?
ND – Creio que já provocamos uma fissura.
F8 – E depois, se isso acontecer, a seu ver, haverá mudanças em que sentido, vira o disco e toca o mesmo, ou nova política?
ND – Caso a fissura se transforme em ruptura, prevejo uma agenda de concertação política e social.
F8 – Se a nova política vingar, vai ser como, para uma viragem para aumento da repressão ou para uma tentativa de liberalizar? E essa tentativa tem alguma chance de êxito?
ND – Certamente, desde que as diversas partes coloquem os interesses dos Angolanos em primeiro lugar.
F8 – A seu ver, se houver uma mudança de partido no poder, que destino será dado aos actuais dirigentes do governo de Angola?
ND – Defendo a reconciliação vertical e horizontal. As caças às bruxas não se compadecem com a tese do Pacto de Nação, que eu defendo há algum tempo.
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