segunda-feira, 4 de julho de 2016

Macroscópio – As sanções, a espuma dos dias e o resto

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!

Lisboa, a capital do país que se gaba constantemente do seu papel histórico nos Descobrimentos, está à deriva no que toca à capacidade de avaliar o que realmente está a acontecer em termos internacionais. Somos o país dos episódios.”

Não é habitual o Macroscópio começar por uma citação, mas hoje entendi que valia a pena fazê-lo chamando a atenção para um texto que nos desafia a ter Uma Conversa sobre Portugal. O texto de Miguel Monjardino saiu no Expresso deste sábado e o autor, que habitualmente escreve sobre temas internacionais, aproveitou o pretexto do Brexit para nos pedir para pensarmos sobre a nossa inserção no mundo, e o nosso futuro, num tempo em que “Um ciclo noticioso com um ritmo implacável condiciona fortemente os nossos decisores políticos e instituições.”

Nos últimos dias, como sabemos, o que se debate no intervalo dos jogos da selecção é o “vamos ou não vamos ter sanções”, um debate cujas questões essenciais o Observador procurou esclarecer num Explicador preparado por Margarida Peixoto, Sanções. É desta que Portugal vai ser penalizado? A notícia do fim-de-semana, e ainda desta segunda-feira, é que a Comissão Europeia vai dar três semanas a Portugal para evitar sanções, uma notícia do Observador que a Reuters depois confirmaria. Três semanas que, de acordo com a proposta que os comissários estarão a discutir, passarão “por dar mais três semanas aos dois países [Portugal e Espanha] para avançarem com medidas para corrigir os seus défices”.

Para António Costa esta não foi uma boa notícia, pois o primeiro-ministro está empenhado em demonstrar que as sanções só acontecem por causa do défice de 2015, responsabilidade do Governo anterior, e nada têm a ver com a sua política. Um cenário como este, ou outro semelhante, colocará a dúvida que o Publico expressava no título do seu editorial de hoje: Costa terá de carregar o ónus das sanções? Em concreto, como uma decisão destas “Bruxelas estaria a colocar todo o ónus de uma eventual sanção sobre o seu Governo e sobre as suas políticas.” Isto porque ela “condiciona as sanções ao que for feito no presente e no futuro, provavelmente obrigando António Costa a ter de apresentar o que até agora o primeiro-ministro tem evitado fazer, que é o famigerado “plano B””.

Alexandre Homem-Cristo levou este raciocínio mais longe no Observador, em Portugal não merece sanções, mas o Governo sim, onde escreve que “aquilo que no governo e nos jornais explicaram ser um ajuste de contas com o passado é, afinal, sobre o acerto das contas futuras de Mário Centeno”. Isto porque “as dúvidas de Bruxelas são as que dezenas de pareceres de instituições nacionais e internacionais apontaram. (…) A questão não é emocional, é aritmética. (…) Bruxelas tem efectivamente razões para duvidar enquanto António Costa mantiver a ilusão de que é possível aplicar tantas reversões de políticas sem pôr em causa os objectivos orçamentais e as regras europeias.”

Já referi, em anterior Macroscópio, alguns textos que consideravam que as indignações da semana passada com as declarações de Wolfgang Schauble deveriam antes ser dirigidas contra as políticas seguidas por Portugal, mas este fim-de-semana João Marques de Almeida considerou que este “esticar da corda” até pode corresponder a uma estratégia do primeiro-ministro. Num texto em que se interroga sobre se Costa vai provocar eleições antecipadas?, escreve que “A realização de eleições antes do fim do ano seria a melhor maneira (senão mesmo a única) de evitar o fracasso político da aliança das esquerdas. Aliás, a adopção de medidas populares e o estado de permanente campanha, do futebol ao São João no Porto, do PM indicam claramente que a opção de eleições antecipadas tem estado sempre nos cálculos de António Costa.”

O problema, contudo, podem não ser nem as sanções, muito menos uma União Europeia a braços com demasiados problemas, nem sequer a vontade dos outros parceiros de coligação, mas antes a economia. Na sua coluna desta semana no Público, O lobo mau chama-se “sanção”, Manuel Carvalho “As sanções são um engodo fácil para nos aliarmos ao Governo e esquecermos que, como lembrou o director do Mecanismo Europeu de Estabilidade, o alemão Klaus Regling, o país não consegue ser capaz de competir, de desenvolver uma economia que gere emprego e receitas fiscais para resolver os seus problemas.” Mais: “é bom que não esqueçamos que o investimento parou, a confiança encolheu, a banca implode, a economia arrefece, as exportações caem e o monstro do défice externo, essa doença incurável do Portugal democrático, está à espreita na esquina mais próxima.”

Os problemas podem até chegar mais cedo do que se pensa, bastando que diminua a intervenção do Banco Central Europeu que tem mantido as nossas taxas de juro a níveis anormalmente baixos, mesmo que progressivamente mais distantes dos níveis ainda mais baixos de Espanha e de Itália, para já não falar da Alemanha. Uma análise informada e interessante do que se está a passar com as taxas de juro é a Jorge Costa no blogue O Insurgente, em É para quando, o novo colapso? Nesse texto analisa-se a forma como o BCE tem vindo a comprar a dívida pública portuguesa no quadro do Quantitative Easing (QE) e deixa-se um alerta: “Instituições credíveis como o FMI e o Think-Tank Bruegel calcularam que para Portugal o QE terminaria em dezembro deste ano. Fizeram-no antes de o programa ter sido ampliado em volume de compras mensal e em tempo (de 19 para 25 meses). É provável que no último trimestre do ano o QE termine para Portugal. A aterragem na realidade é bem capaz de ser violenta.”

Esta discussão talvez merecesse um outro enquadramento, pelo menos na perspectiva de Henrique Monteiro, que em Sanções, uma guerra suja, no Expresso Diário (paywall), defende que, afinal, “No meio da guerra, fica a Comunicação Social, que começou por engolir tudo isto e vai continuar a engolir o que todos disserem no fim. Depois, quando os políticos se queixam de que os eleitores não lhes ligam, e a Comunicação Social se lamenta pela perda de credibilidade, é porque já esqueceram que quase todos eles quiseram fazer dos eleitores e dos seus leitores, espetadores e ouvintes lorpas.”

O que me leva de regresso ao ponto por onde comecei esta newsletter, o apelo de Miguel Monjardino a termos Uma Conversa sobre Portugal. E faço-o porque ele concretiza:
A nossa conversa nacional deverá assentar em cinco coisas. A primeira é o futuro da ordem internacional liberal criada e mantida pelos EUA no final da II Guerra Mundial. Para muitos norte-americanos o preço desta ordem é excessivo. É isto que Trump e Sanders realmente representam em termos externos. A segunda é a quebra da produtividade e do crescimento económico nas sociedades mais desenvolvidas. A globalização está a perder apoio social. A terceira são as consequências da evolução tecnológica para o emprego e salários. A quarta coisa a ter em conta é a nova geografia da energia. Por fim, temos a demografia, um tema crucial para Portugal. Daqui a alguns anos seremos um dos países mais envelhecidos do mundo.

Deixo-vos com este ambicioso caderno de encargos, desejando-vos, como sempre, bom descanso e boas leituras.

 
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