sexta-feira, 8 de julho de 2016

Macroscópio – Discussões cruzadas que são o espelho do Estado da Nação

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!

Eu sei. Hoje o dia pertenceu à alegria da vitória de ontem da selecção portuguesa de futebol. Creio que não terá havido português que, tendo falado com outro português, não tivesse evocado o feito ou elogiado a fantástica cabeçada de Ronaldo que abriu as portas da vitória sobre o país de Gales. Ao lado das alegrias do futebol, o drama em câmara lenta das sanções de Bruxelas e a estreia de António Costa no seu primeiro debate sobre o Estado da Nação como primeiro-ministro até fizeram figura menor. Por isso não vou maçá-los com um Macroscópio exclusivamente dedicado a um destes temas, antes recomendar que passem os olhos pelas inúmeras peças que, no Observador, temos dedicado ao Euro 2016 e que descubram algumas pérolas dos nossos jornalistas – Diogo Pombo, Hugo Tavares da Silva e Tiago Palma – e de alguns colaboradores especiais, como Rogério Casanova (que faz uma inigualável avaliação da equipa jogador a jogador) ou Bruno Vieira Amaral (que tem escrito uma coluna diária).

No momento em que sentirem que basta de futebol, passem então os olhos por esta selecção de artigos que, sem serem apenas sobre o debate do Estado da Nação ou a telenovela das sanções, são reveladores do estado em que está a discussão pública e das procupações que resultado do estado da nossa economia.

O meu primeiro bloco é mesmo assim para o Estado da Nação, ou mais exactamente para uma avaliação ministro a ministro realizada pelos colunistas e colaboradores do Observador – Notas ao governo. Os ministros avaliados um a a um. Dessa avaliação destaco três artigos: o sobre o primeiro-ministro, o sobre o ministro que teve a pior nota, o da Educação, e o que teve a melhor nota, o da Saúde.
  • Costa, ou se isto é um político é a minha própria avaliação sobre o desempenho do primeiro-ministro. Não vos revelo a nota que dei (como o professor Marcelo está em Belém, alguém tinha de continuar a dar notas, pelo que o Observador atreveu-se...), mas deixo-vos esta passagem: “António Costa pode ter dificuldade com os números e pouca vocação para os detalhes da economia e das finanças, mas vermos um líder socialista, secretário-geral de um partido que em tempos alardeou a sua paixão pela Educação, entregar essa área de mão beijada aos sindicatos para manter de pé uma geringonça mal nascida, é perceber que estamos perante um político indiferente ao dano das suas políticas e apenas preocupado com manter-se no poder, mesmo que às costas do diabo.”
  • Um ministro sob tutela, a avaliação do ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, por Alexandre Homem Cristo, uma avaliação muito negativa (Nota: 4). Extracto: “Sem rumo definido, deixou-se dominar por decisões precipitadas, pela inexperiência, pela ausência de bom senso e pela incapacidade em dialogar (…). De um ponto de vista político, Tiago Brandão Rodrigues revelou-se também um ministro sem autoridade e que, em vez de tutelar, é tutelado. Seja pela influência de BE, PCP e Fenprof na geringonça, para satisfazer uma agenda corporativa. Seja pelos seus secretários de Estado, a quem entregou a definição dos dossiers e toda a exposição pública.”
  • Sem quebras de rumo dramáticas, um texto de Pedro Pita Barros sobre o ministro da Saúde, do qual Adalberto Campos Fernandes sai bastante bem (Nota: 15). Isto porque: “O ministro da Saúde tem sempre um caminho delicado de equilíbrio a percorrer entre os anseios da população e dos profissionais e os recursos disponíveis. Neste equilíbrio, o atual ministro tem conseguido alguns progressos, cumprido várias promessas eleitorais e encontrado obstáculos ainda por ultrapassar.”

O segundo bloco de textos reúne um conjunto de avaliações da situação económica do país, quase todas elas a sinalizarem perigo e preocupação:
  • Incerteza? Na Caixa, com certeza, o editorial do Público de hoje onde se comenta criticamente a intervenção de Mário Centeno ontem no Parlamento, mais precisamente a forma como se referiu aos problemas da Caixa-Geral de Depósitos:Não se percebe é a forma como Mário Centeno tem gerido a informação, libertando-a de forma descontextualizada e que só contribui para criar um ruído desnecessário e assustar os trabalhadores e clientes. A frase que foi dizer ao Parlamento – “há um desvio enormíssimo no plano de negócios que o Governo anterior geriu com a CGD, que atinge verbas superiores a 3.000 milhões de euros, e que tão negligentemente o Governo anterior acompanhou” – é de uma grande irresponsabilidade, não só pela escolha desproporcionada do adjectivo, como pela ausência de explicações e de enquadramento de um valor que aparece atirado para o ar.”
  • Já estivemos melhor e podemos ficar pior, a crónica de Helena Garrido no Observador, onde passa em revista os principais indicadores económicos dos últimos meses, nomeadamente: O indicador coincidente do Banco de Portugal, que antecipa a evolução da economia, está a diminuir desde Novembro do ano passado e em Maio indica que existiu uma queda na actividade económica. A informação qualitativa aponta para a quebra ou estabilização. É o caso do inquérito de conjuntura às empresas e aos consumidores de Junho. “O indicador de confiança dos consumidores diminuiu em Junho, após ter aumentado no mês anterior, interrompendo a tendência ascendente observada desde o início de 2013”, diz o INE logo no primeiro parágrafo. Na indústria transformadora verifica-se uma estabilização e os principais obstáculos à expansão da actividade é a falta de procura.”
  • Ónus de prova, a habitual coluna de Vital Moreira no Diário Económico onde o antigo eurodeputado critica tanto a direita como a maioria pela forma como conduziram o debate sobre as sanções, acabando contudo a exprimir alguma preocupação com o futuro da execução orçamental deste ano: “Se a retoma económica vai ser consideravelmente inferior ao previsto, com menos atividade económica (e menos IRC e IVA) e menor rendimento pessoal (e menos IRS), menos emprego (e menos contribuições sociais e mais despesa social), recai sobre o Governo o ónus de prova de que é possível alcançar os mesmos resultados nas contas públicas sem medidas adicionais, ou seja, que menos crescimento não significa menos receita e mais despesa pública e que é possível reduzir da mesma maneira o défice orçamental apesar do menor dinamismo da economia, do investimento, do emprego e das exportações.”
  • A verdadeira sanção é este Governo, crónica de João Vieira Pereira no Expresso Diário (paywall), onde o jornalista defende que “A imagem é tudo. Portugal não tem investidores. Não tem capital, nem uma veia empreendedora que arrisque aquilo que é necessário para colocar o país a crescer. Precisamos de investidores estrangeiros para colmatar esta enorme de ciência que é cada vez mais feitio do que defeito. Para os atrair, dispensamos governos que revertam negócios, rasguem contratos e parem reformas só para satisfazer a agenda política de um primeiro-ministro. O investidor não é cego, e quando olha para Portugal não gosta do que vê.”
  • O vírus do faraó, a crónica de João César das Neves no Diário de Notícias, onde lamenta que não tenhamos aprendido com erros recentes – e ele não fala apenas dos políticos ou das elites. Senão vejam: “A economia, mais do que a política, mostra o problema. As famílias poupam menos do que alguma vez pouparam e as empresas perdem capital. O crédito aos privados desce ininterruptamente desde Junho de 2011, mas em dois sectores o número de novos empréstimos tem subido há dois anos: habitação e consumo dos particulares. Os hábitos de gastos a crédito estão de regresso e, em certas dimensões, pior do que antes.”
(pequeno parênteses: esta coluna tem uma parte final de um humor ácido dirigido ao presidente da Câmara de Lisboa e à quantidade de obras que este decidiu levar a cabo, ao mesmo tempo, em toa a cidade. A sugestão de César das Neves é que a culpa é dos cidadãos, que deviam abandonar a cidade e deixar as obras prosseguir em sossego, sendo que, “Depois do Verão do próximo ano todos regressaríamos em massa para votar neste grande autarca que, no seu plano visionário, decidiu tornar insuportável a vida dos seus munícipes.”)

Deixo agora os textos mais centrados na economia para referir um conjunto de outros mais políticos, sendo que até começarei por crónicas de dois políticos, se bem que não dos que estão na ribalta parlamentar:
  • O que estava escrito nas estrelas e os argumentos ridículos, a habitual crónica semanal de António Galamba no jornal I, onde o segurista deixa várias preposições e algumas interrogações: “É ridícula a narrativa de que Bruxelas quer aplicar sanções porque o governo é de esquerda. Então, em Espanha, o governo em gestão não é de direita? É ridícula a narrativa de que Bruxelas quer aplicar sanções e que o não faria se os protagonistas políticos fossem os anteriores. Então, em Espanha, Mariano Rajoy não é primeiro-ministro em gestão? É ridícula a narrativa de que a eventual aplicação de sanções se deve às políticas ou aos resultados destas. Então em Espanha, sem governo em plenas funções, o desemprego não teve a maior queda da história?
  • A frio: uma análise necessária, uma opinião de Miguel Pinto Luz, vice-presidente da câmara de Cascais, em que aquele social-democrata ataca alguns dos nossos hábitos políticos e defende que “Importa que em Portugal os partidos e os protagonistas saibam tirar as lições do referendo britânico e das eleições espanholas. A democracia precisa de partidos que mobilizem o eleitorado à volta daquilo que realmente interessa. A democracia dispensa comissões de inquérito atrás de comissões inquérito, que nada mais são do que palcos onde se exibe o egocentrismo político de alguns senhores deputados que procuram um falso e efémero protagonismo, dedicando-se ao exercício da pequena e fútil diferença, desconectando-se ainda mais das vozes e razões da rua. Temos todos a obrigação de dar voz às razões perdidas no ensurdecedor mundo mediático.”
  • Patriotismo? Tenham vergonha, uma crónica de João Miguel Tavares no Público onde se indigna com a forma como a ideia de defesa da Pátria tem vindo a ser esgrimida a propósito da eventualidade de sanções: “Eis a dura verdade: esta esquerda não tem qualquer projecto político plausível para o país que tanto diz amar. Aquilo a que chamam patriotismo é o eterno prolongamento do Portugal de mão estendida e incapaz de produzir o suficiente para sustentar o seu nível de vida. Patriotismo é tentar quebrar esse círculo vicioso. Patriotismo é trabalhar pelas reformas indispensáveis, é fazer sacrifícios por um país melhor, é lutar pela nossa independência financeira. Patriotismo não é berrar alto, a ver se nos voltam a encher a velha gamela.”
  • Estado de coma, onde Alberto Gonçalves, no habitual registo ácido que utiliza nas suas colunas no Diário de Notícias, faz o seu sombrio retrato do Estado da Nação, que vê comatoso: “A economia abranda. O investimento estrangeiro foge apavorado. As despesas estatais sobem. A dívida pública aumenta. Os impostos prosperam. As receitas encolhem. O défice derrapa. Porquê? Mistério. Nada indiciava que um governo socialista apoiado por estalinistas, sindicalistas e terceiro-mundistas pudesse correr mal. Sobretudo quando o rosto do espectacular arranjo é um balão de ar morno com poucas letras e muitos sorrisos, também conhecido por "príncipe da política", "grande negociador" ou "António Costa".

Deixei propositadamente para o fim a reflexão de André Abrantes Amaral no Diário Económico por ter outra abrangência e outro alvo, o Presidente da República. Julgo que é um daqueles textos que nos leva a reflectir, mesmo podendo não concordar com a sua tese. Trata-se de Marcelo pode marcar o regime, prosa onde se defende que o estilo de intervenção presidencial pode mudar e, ao mudar, tirar partido da fragilidade das actuais soluções parlamentares: “Marcelo, que tem tido o cuidado de cultivar uma imagem de homem próximo do povo, um homem da rua, o que lhe granjeia uma popularidade ímpar, não terá dificuldades, perante um Parlamento dividido e um Estado com sérias dificuldades de financiamento, de impor a sua vontade. Se o fizer Marcelo porá termo ao equilíbrio por que Sá Carneiro lutou. Voltaremos a viver num sistema semi-presidencialista de pendor presidencial, ao invés de parlamentar. Ao consegui-lo, Marcelo será um De Gaulle à portuguesa, definindo o regime à sua imagem, mas com uma diferença relativamente ao francês: é que, ao contrário deste, Marcelo candidatou-se à presidência da República sem um programa que fosse.”

(Ainda sobre Marcelo, uma referência à crónica de Rui Ramos no Observador, Quem protege o Presidente?. onde nota que "O encontro do Presidente da República com o arguido da "Operação Marquês" não deveria ter acontecido. O Presidente não se protegeu, ou ninguém protegeu o Presidente."

E por aqui me fico por hoje, com a esperança de que esta selecção de textos tenha ajudado a olhar para o Estado da Nação bem para além dos limites do debate de hoje no Parlamento. Tenham bom descanso e boas leituras, reencontramo-nos amanhã.

 
Mais pessoas vão gostar da Macroscópio. Partilhe:
no Facebook no Twitter por e-mail
Leia as últimas
em observador.pt
Observador
©2016 Observador On Time, S.A.
Rua Luz Soriano, n. 67, Lisboa

Nenhum comentário:

Postar um comentário