Maria de Lurdes Rodrigues está presa no Estabelecimento Prisional de Tires há mais de duas semanas. Foi condenada pelos crimes de difamação e injúrias. Mas não se conforma, assim como não se conformam os amigos e ativistas, que criaram um movimento pela sua libertação. O grupo reúne-se este domingo, em Lisboa.
PAÍS LIBERDADEPOR GORETI PERA
O
caso remonta a há mais de 20 anos. Depois de concluir um curso na
área do Cinema na República Checa, Maria de Lurdes Rodrigues
concorreu a uma bolsa do Ministério da Cultura português que lhe
permitisse prosseguir os estudos na Holanda. Ficou em segundo lugar.
O
caso poderia ter ficado por aqui, não fosse o facto de o estudante
premiado ter desistido da bolsa, por ter ganho outra, na Fundação
Calouste Gulbenkian. Maria de Lurdes assumiu, à partida, que, tendo
desistido o vencedor, a bolsa seria atribuída à segunda candidata
com melhor pontuação. No caso, a si. Enganou-se.
Enganou-se,
porque o Ministério da Cultura não pensou da mesma forma. Mas não
se conformou. “Desassossegada por natureza”, como a descreve o
amigo Luís Júdice, moveu uma ação no Supremo Tribunal
Administrativo contra o Ministério da Cultura e o então ministro
Manuel Maria Carrilho. Suspeitava de falseamento no processo de
atribuição de bolsas através da supressão de atas de decisão.
A
decisão parece ter dado razão à queixosa. O juiz determinou que o
gabinete do ministro da Cultura devia entregar os pareceres ao
tribunal, mas estes nunca terão sido entregues. O processo foi,
então, arquivado e começou uma sucessão de queixas movidas por
Maria de Lurdes contra os juízes, a quem acusou de ser “coniventes”
com o “roubo de atas”.
Chamou
"gangues" àqueles contra quem se insurgiu
Ao
longo dos anos que se seguiram, Maria de Lurdes apresentou queixas
contra governantes, juízes, magistrados, polícias. Entre eles
constavam Manuel Maria Carrilho, à data ministro da Cultura, Pinto
Monteiro, procurador-geral da República, Almeida Rodrigues, diretor
da Polícia Judiciária, e Maria José Morgado, diretora do DIAP.
Àqueles contra quem se insurgiu, Maria de Lurdes acusava de
constituírem “gangues, organizações criminosas, sem leis,
valores e princípios, que roubam e pilham e dão cobertura a
pilhagens”.
Os
processos que, como resposta, foram movidos contra si ditaram que, em
dezembro de 2008, fosse condenada a três anos de prisão com pena
suspensa, na condição de se submeter a consultas de psiquiatria,
ainda que Maria de Lurdes tivesse um comprovativo médico a atestar
que não existia qualquer quadro clínico.
Na
versão daqueles que a defendem – devemos realçar que este artigo
é escrito com base na versão dos factos de Maria de Lurdes, uma vez
que nem o advogado da mesma teve ainda acesso ao processo –,
difamação e injúrias são os crimes que lhe foram imputados.
Por
considerar não sofrer de quaisquer problemas do foro psiquiátrico,
a mulher, agora com 47 anos, recusou-se a receber tratamento, o que
levou a que, em dezembro de 2012, a pena suspensa se tornasse
efetiva. Nessa altura, foi emitido um mandado de busca sobre Maria de
Lurdes Rodrigues.
Passaram,
até à data em que foi intercetada pelas autoridades, três anos e
10 meses. Foi numa atuação no prédio onde Maria de Lurdes residia
que a PSP percebeu que estava a ser ‘procurada’ pela justiça,
apesar de nunca se ter escondido. Chegou a participar em
manifestações e tinha um perfil no Facebook onde identificava os
sítios onde ia.
A
29 de setembro, foi presa. Está, desde então, no Estabelecimento
Prisional de Tires, onde nunca foi submetida a uma avaliação
psiquiátrica.
Entretanto,
foi contratada como professora... pelo Estado
Esse
é, na perspetiva do advogado que a representa, um dos factos mais
curiosos. Reforçando que não conhece ainda o processo – ainda não
lhe foi dado acesso –, Manuel Fernandes disse ao Notícias
ao Minuto não
perceber como é que a sua cliente não foi sujeita a uma avaliação
psiquiátrica quando foi a falta de comparência nas consultas a
ditar a sua detenção. Estranha, além disso, que a mulher que
representa tenha sido, entretanto, contratada pelo Estado como
professora, aceitando um atestado de robustez que contraria a decisão
judicial.
Sobre
o facto de a pena que lhe foi atribuída ser inédita, já que não
há memória de uma sentença tão gravosa para o mesmo tipo de
crimes, o causídico não se alonga ou é alarmista.
“Não
me choca. Tenho de conhecer o processo para perceber quem atingiu e
que tipo de expressões usou. A liberdade de expressão não dá o
direito de imputar o que quer que seja aos outros e de lançar
suspeitas. Não acredito que nenhum juiz aplique uma pena destas de
forma leviana”, justificou.
Menos
compreensivos parecem ser, contudo, os populares que se uniram a um
movimento criado pela sua libertação. Amigos e ativistas que a
conheceram ao longo da vida criaram um grupo no Facebook pela
‘Liberdade
para a Maria de Lurdes’
e criaram uma petição que
conta já com cerca de cinco mil assinaturas.
Este
domingo, os elementos do grupo reunir-se-ão na sede da União de
Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), em Lisboa, pelas 15h30.
Ao Notícias
ao Minuto, Luís Júdice, um dos organizadores, contou que vão
ser debatidas as linhas a seguir e as ações sociais a planear.
Sobre o estado de espírito de Maria de Lurdes, que visita
frequentemente na prisão, adianta: “Ela está bem. É uma pessoa
extremamente resiliente e combativa. Não se deixou abater”.
Fonte:noticiasaominuto
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