Imagino que os leitores do Macroscópio preferissem que fosse directo ao que interessa – e imagino que o que lhes interessa é saber até que ponto estamos a assistir a uma inversão de tendência nas eleições americanas e se podemos acreditar nas sondagens que nos dizem que Donald Trump até pode vir a ganhá-las. Mas já lá vamos. Antes deixem-me enquadrar um pouco este debate.
Primeiro que tudo, vale a pena discutir até que ponto notícias surpreendentes como a de uma nova investigação do FBI aos emails de Hillary Clinton podem influenciar o resultado das eleições – ou, se preferirmos, podem influenciar as sondagens. É precisamente o que David Byler, do RealClearPolitics, faz em Scandals' Impact on Polls: A User's Guide. O artigo apresenta um modelo estatístico interessante, baseado na impopularidade dos dois candidatos, que vale a pena conhecer para saber ler as próximas sondagens: “When events like this happen, it’s often helpful to take a look at the basic components of the race before getting too bogged down in the details. I attempted to do that using a very simple model (described below) based on the idea that the candidate who is disliked the least on a given day will probably have a polling advantage. The model suggests that if this new email scandal drags Clinton down in the way past controversies have, the race could end up being very close. But if it doesn’t (or, again, if Clinton were to reveal damaging information about Trump), she may maintain her polling advantage heading into Election Day.”
Um outro ponto que tem atraído a atenção de todos quantos seguem mais de perto estas eleições é saber o que se está a passar com o voto antecipado que é permitido em muitos estados e que já começou há várias semanas. Tem havido teorias para todos os gostos, pelo que recomendo calma e a leitura de Early Voting a Poor Predictor of Final Results, um trabalho de Sean Trende também no RealClearPolitics, onde se explica que é preciso ter muito cuidado quando se fazem extrapolações: “The real problem with this, however – and this is true with a lot of early voting analysis – is that for any of this to work we have to assume that the early vote is somehow representative of the Election Day vote in order to fill in the second half of the equation. The problem is, it isn’t. Research suggests that the early vote tends to be comprised of more partisan, higher propensity voters.”
Estas eleições têm tido contudo o condão de fazer com que muitos americanos não sejam capazes de se abstraírem da evolução da corrida, algo que é retratado de forma quase hilariante pelo Washington Post em Is America addicted to this election? A reportagem retrata vários casos de eleitores que se transformaram em verdadeiros peritos: “I’ve got it all memorized, the red and the blue, and how the states change, and I have my states that I’m watching all the time,” she said. The constant checking has cemented a cruel kind of operant conditioning, wherein she experiences anxiety about the state of the race, and the checking calms her down. This reinforces the habit, so that when she grows anxious again a few minutes later, she has to check again. With each minute that ticks by since she last checked, she worries more.” Divertido ou doentio? O leitor que decida.
Não aconteça estar a ler esta newsletter com o mesmo tipo de ansiedade, deixe-me dizer-lhe que as sondagens mais recentes vieram acrescentar motivos de ansiedade, mas que Hillary Clinton continua a ser largamente favorita. O nosso já bem conhecido Nate Silver do FiveThirtyEight faz mesmo questão de notar que, Yes, Donald Trump Has A Path To Victory. Em concreto, “If the race tightens any further, Clinton’s electoral edge is fragile.” Ou mais inquietante ainda: “In fact, Clinton would probably lose the Electoral College in the event of a very close national popular vote”, ou seja pode acontecer-lhe o que aconteceu a Al Gore em 2000, que perdeu a eleição no colégio eleitoral mesmo tendo ganho no voto popular.
Deixemos agora os números e passemos a algumas leituras que espero sejam interessantes para todos. Começo por dois especiais do Observador:
- O que pensa o Donald Trump português e outros quatro emigrantes das eleições?, uma reportagem de João Almeida Dias em New Bedford, onde encontrou o empresário pesqueiro Carlos Rafael, alguém muito frontal (até na linguagem): “Eu gosto da filosofia do Trump. Mesmo que ele seja um bocado fucked up. Isto é como fazer negócios , eu posso não gostar do filho de puta, mas eu faço negócios com ele desde que ele pague. A Hillary Clinton é uma mentirosa. Por isso, eu prefiro arriscar e votar nele.”
- As duas Américas já nem falam entre si, o último dos trabalhos que resultaram das conversas que eu próprio tive em Washington no passado mês de Julho onde, em contacto com think tanks e académicos, procurei entender o que se estava a passar no país. Um dos especialistas que ouvi foi William Galston, que me explicou como “Nas democracias industriais ainda não se percebeu como reagir aos desafios que a globalização criou, sobretudo ao destruir as esperanças das classes médias baixas, das classes trabalhadoras. Nem como lidar com os gigantescos fluxos de populações. A mistura destes dois ingredientes criou o tipo de ambiente tóxico em que estamos mergulhados.”
Da imprensa internacional e norte-americana, eis mais algumas leituras interessantes:
- James Comey, Hillary Clinton, and the Email Investigation: A Guide for the Perplexed, um trabalho em que dois juristas renomados, Jack Goldsmith, Benjamin Wittes, respondem a 18 questões sobre a mais recente controvérsia eleitoral. É mesmo um bom guia, distanciado e equilibrado, umas vezes criticando o director o FBI, outras vezes defendendo-o: “But while we are in this sense critical of Comey’s letter, two points warrant emphasis: The Weiner emails would necessarily impact the election, either before or after November 8; and there is zero reason to think that Comey did this in order to injure Clinton’s electoral chances or to advantage Trump in his candidacy against her. It is plausible, even likely, that had Comey not made some kind of statement, the information would have leaked in a manner far more harmful to Clinton.”
- China Would Prefer Trump as President, uma entrevista do diário alemão Handelsblatt ao historiador Niall Ferguson onde este, para além de se referir ao que cada um dos candidatos pode oferecer nas relações externas, também considera que o apoio a Trump corresponde de alguma forma a uma revolta contra a sociedade multicultural, mais do que apenas a razões económicas: “The notion of a multicultural America in which non-Hispanic whites would be a minority is deeply disturbing for the majority of white Americans. And that’s exactly what they’re attracted to in Trump: the atavistic promise to make America white again. Whether they recognize it or it’s subconscious varies from person to person.”
- Why is Trump suddenly talking about World War III?, a análise de outra historiadora, Anne Applebaum, desta vez publicada no Washington Post e onde se alerta para o período perigoso em que vamos entrar: “Whatever the outcome on Nov. 8, political uncertainty will follow: the months of transition, a change of White House staff, perhaps even the violent backlash that Trump may incite. This could be an excellent moment for a major Russian offensive: a land grab in Ukraine, a foray into the Baltic states, a much bigger intervention in the Middle East — anything to “test” the new president.” Não é a melhor das perspectivas.
- “I feel forgotten”: A decade of struggle in rural Ohio, um excepcional trabalho fotográfico de Matt Eich, aqui divulgado pela New Yorker, e a que a jornalista Kate Linthicum se refere sublinhando que “Matt began his project long before Trump started talking in a way that connected with Americans in places like Athens County. He simply saw a group of people who felt like the world had forgotten them, and hung around for years observing, and listening to what they had to say. It was a very basic act, but also, in its way, a radical one.” Imagens poderosas da América profunda (como a que reproduzo acima) que merecem alguns minutos da vossa atenção.
Deixo agora os Estados Unidos e as suas eleições para regressar à Europa e a alguns dos seus problemas – problemas teimosos, que não desaparecem. Três histórias a que vale a pena dar o melhor da vossa atenção:
- How a Pillar of German Banking Lost Its Way. Um trabalho excepcional da Spiegel, um grande investigação que conta a história do grande banco e onde podemos encontrar respostas para muitas daquelas perguntas a que não é fácil responder pois “For most of its 146 years, Deutsche Bank was the embodiment of German values: reliable and safe. Now, the once-proud institution is facing the abyss.” Sigo directo para a conclusão, que é bem triste: “The proud institution became a self-serve buffet for a few, who became fantastically rich. The bank's old leaders, insofar as there were any left, didn't have the strength anymore to put an end to the chaos. They simply watched, lazily and cowardly. And so the work of generations went down the drain. And we are told that no one is to blame.” (Leitura complementar: o especial do Observador Deutsche Bank em apuros. Há impacto para Portugal?, preparado por Edgar Caetano e David Almas).
- Too Big to Fail. Uma reportagem do Handelsblatt sobre a situação em Itália, um retrato sombrio das dificuldades que o primeiro-ministro Renzi não está a conseguir ultrapassar, até porque “While Italy struggles with weak growth, rising debt and political instability, its European partners are left with little choice but to continue supporting it.” Na verdade “The economic data of the euro zone’s third-largest economy read like a chronology of failures. There’s stagnating productivity, a youth unemployment rate of 40 percent, low investment and a public spending ratio of about 50 percent. Since 2008, the Italian stock market index has shed more than 50 percent of its value. (…) Industrial production has fallen too. In fact, from 2007 until 2013, it dropped by 23 percent. According to Clemens Fuest, the head of the Ifo institute in Munich, the main problem is the lack of competitiveness in the Italian economy. In countries like Spain and Greece, unit labor costs have fallen in recent years, while in Italy they continue to rise.”
- Tsipras Caught Between EU and Voter Demands. A Grécia, sempre a Grécia, país a que a Spiegel regressa para nos contar que “Alexis Tsipras can't seem to please anybody. At home, people complain about tough reforms, while outside the country, people deride Greece for not undertaking them quickly enough.”
Admito que este Macroscópio tenha regressado ao registo algo sombrio de algumas das minhas anteriores newsletters, mas o mundo está um lugar perigoso e difícil de entender. Espero, como sempre, ter-vos dado matéria para ler e meditar.
Façamos mesmo assim por afastar de todos quaisquer pesadelos, aproveitemos as boas leituras, não deixemos fugir um merecido descanso que amanhã é outro dia.
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