Há uns anos, relativamente a um exercício particularmente difícil para o sector financeiro, o então presidente da CGD avançou uma explicação relevante, o do papel especial do banco público no mercado português.
Para além das imparidades e da queda abrupta da actividade económica, Faria de Oliveira - hoje à frente da Associação Portuguesa de Bancos - explicou que os maus resultados se deviam também ao facto de a Caixa, enquanto banco público, ter responsabilidades especiais na regulação do mercado. Na prática, referia-se ao atraso com que o banco aumentou ‘spreads’ e comissões e cortou remuneração dos depósitos, face à concorrência, muito mais ágil e agressiva.
Este raciocínio tinha por base uma premissa, que era verdade e continuou a ser ainda hoje: como maior banco do sistema, a Caixa é uma espécie de bússola do mesmo, e os seus movimentos nunca dizem apenas respeito a si própria. Quando a CGD corta a remuneração dos depósitos os outros bancos ganham mais conforto para também o fazer; e o mesmo é ainda mais verdade quando a Caixa sobe comissões.
Podemos, e devemos, discutir se um banco que opera num mercado concorrencial deve ter este papel de "regulação" do sector, servindo um interesse público mas eventualmente distorcendo a concorrência. Mas, concordando ou discordando, é indiscutível que a Caixa sempre cumpriu este papel.
Vem isto a propósito de uma nova ofensiva do banco público nas comissões cobradas aos seus clientes (cartões, transferências, certidões, actualização da histórica caderneta aos balcões). Na verdade, o movimento não é surpreendente, faz parte do plano (que ainda está por ser divulgado publicamente) acordado com Bruxelas e que pretende melhorar a rentabilidade do banco. Só em comissões, isso sabe-se, são mais 150 milhões de euros ao longo de quatro anos.
Tal como não é novo que a Caixa vai cortar o número de balcões e de funcionários de forma agressiva: são menos 2200 trabalhadores e perto de 200 balcões.
O que é novo é quando isto tudo chegar ao terreno, quando o banco público começar a implementar as decisões de gestão como qualquer banco privado. Por exemplo, quando sair de vilas e cidades onde já não existem balcões de qualquer outro banco.
O golpe de génio de António Domingues foi comprometer-se com Bruxelas de que a recuperação da Caixa seria feita numa lógica privada, com critérios financeiros e de sustentabilidade. Mas isto é incompatível com o tal papel de regulador informal do mercado, de interesse público, desempenhado até aqui (e que em certa medida contribuiu para perdas na Caixa).
Aguardamos com curiosidade a carta de missão que o Governo irá passar ao banco público. E com mais curiosidade ainda o que os partidos mais à esquerda terão a dizer sobre esta nova Caixa Geral de Depósitos.
Fonte:jornaldenegocios
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