Tem sido o tema dos últimos dias – um TSUnami, como já lhe chamaram – e foi o tema que dominou o debate quinzenal com o primeiro-ministro. O acordo na Concertação Social para o aumento do salário mínimo – cujo valor não esteve sequer em discussão – inclui um desconto na “TSU dos patrões” que deverá agora ser chumbado no Parlamento. Não vou aqui recapitular todos os detalhes da luta política, antes indicar textos que podem ajudar a perceber o que está em causa – antes e depois do acordo do Governo com a UGT e as associações patronais.
Primeiro ponto: deveria o aumento do salário mínimo ser tão substancial? Como ninguém gosta de dizer que temos um salário mínimo elevado, este foi assunto quase tabu. No entanto sabemos – porque isso foi estudado – que aumentos do salário mínimo sem relação com a evolução da economia e da produtividade podem ter consequências mais negativas do que positivas. Isso mesmo defendeu o actual ministro das Finanças num estudo publicado no Boletim do Banco de Portugal, O impacto do salário mínimo sobre os trabalhadores com salários mais baixos. Mário Centeno, em conjunto com Cláudia Duarte e Álvaro A. Novo, defenderam aí que, face à experiência dos anos anteriores, “Globalmente os resultados apontam para um efeito negativo de aumentos do salário mínimo no emprego de trabalhadores com baixos salários, que tem como contrapartida pequenos ganhos salariais.”
Um dos colunistas que regularmente recorda estes trabalhos é Luís Aguiar-Conraria que, aqui no Observador e ainda antes da aprovação do acordo na Concertação Social, escreveu sobre Os riscos de aumentar o salário mínimo e possíveis alternativas: “Um salário mínimo “excessivo” tem efeitos nefastos no emprego. Em especial, sendo um instrumento desenhado para proteger os trabalhadores de baixos salários pode ter como efeito a desprotecção destes mesmos trabalhadores. Ou seja, jovens e trabalhadores pouco qualificados podem não ter produtividades suficientemente elevadas que justifiquem a sua contratação pelo salário mínimo.”
Por outro lado, será que compensar uma subida do salário mínimo acima da capacidade das empresas com uma descida na TSU é positivo? A resposta mais acutilante foi a dada, também aqui no Observador, por Helena Garrido, num texto escrito ainda antes de toda a actual controvérsia política explodir. Em Acordo do salário mínimo ou política de baixos salários defendia-se que “O caso da TSU do salário mínimo ilustra bem os tempos em que vivemos. Uma medida que se traduz no aumento de poder de compra a curto prazo transporta consigo incentivos perversos de contenção dos salários mais baixos a médio e longo prazo. O acordo do salário mínimo é, na prática, uma política que defende uma economia de salários baixos.”
Esta posição tem vindo a ser corroborada por mais colunistas desde então, mesmo que sem recurso a uma argumentação tão detalhada e elaborada. No Expresso Diário (paywall) Henrique Monteiro defendeu, em Perceberam todos esta história da TSU? Não acredito, que “Ao reconhecer que tem de dar uma contrapartida aos patrões para que estes aumentem o salário mínimo, o Governo está a implicitamente a concordar que aqueles não têm condições para pagar tanto e que apenas aumenta o salário mínimo por imposição dos parceiros de sustentação do Governo.” Já Camilo Lourenço, no Jornal de Negócios, em Os patrões estão do lado errado da TSU, defendeu que “O acordo só foi para a frente porque as associações patronais caíram na esparrela. Dá-lhes jeito uma baixa da TSU? Sim. Mas deviam ter pensado a prazo: o salário mínimo não pode depender da taxa que financia a Segurança Social; tem de estar ligado a aumentos de produtividade, que por sua vez depende de reformas estruturais. Senão o resultado é mais desemprego.”
Temos ainda que, de redução temporária em redução temporária da “TSU dos patrões”, podemos estar a caminhar para uma irreversibilidade que, na prática, se traduzirá numa reforma não assumida nem pensada da Segurança Social e do seu regime de financiamento. Isso mesmo foi abordado por Hugo Coelho no Público, em A TSU não volta a ser única. Falta dizer quem paga. Nesse texto recorda o que se passou noutros países: “Em França, desde os 1990s, reformas cumulativas tornaram a estrutura vertical das contribuições sociais brutalmente progressiva. Hoje a TSU dos patrões é zero ao nível do salário mínimo e só atinge a taxa normal nos salários duas vezes e meia o valor daquele. Esta política é, em grande medida, o reverso da moeda do elevado valor do salário mínimo francês – por relação com o salário médio – e da relutância dos políticos em travar a sua subida.”
Num texto que eu mesmo escrevi para o Observador, Acordo da TSU é um mau acordo. Não deve ser salvo, parti de algumas das contribuições anteriormente citadas para defender que existiam razões substanciais, e não apenas razões políticas, para chumbar a descida da TSU caso ela venha a ser discutida no Parlamento – o que acontecerá por iniciativa já anunciada do PCP. Eis o essencial do meu argumento, que depois desenvolvi em vários pontos: “O PSD faz bem em votar contra a descida da TSU? Faz. E faz bem por uma razão muito simples: o acordo a que se chegou na Concertação Social é um mau acordo que não merece ser salvo. Na verdade, nem chega a ser um acordo, antes resulta de uma decisão política do Governo: aumentar o salário mínimo houvesse ou não acordo, como o primeiro-ministro referiu várias vezes.”
Uma perspectiva diferente foi defendida pelo deputado independente do PS, Paulo Trigo Pereira, também no Observador em Problemas da Política Democrática (I): dos bebés à TSU. Nesse texto criticava-se o “curto-termismo” de que padecerá muita da nossa forma de fazer política – incluindo nesse amplo vício a posição actual do PSD – mas mesmo assim considerava-se muito insuficiente a forma como esta medida foi apresentada: “Aquilo que se devia estar a discutir era precisamente os efeitos de médio e longo prazo. Por exemplo saber que impacto (…) terá na economia? Sobre isto as opiniões não são unânimes e variam não só ao longo do espetro político e económico, como dos parceiros sociais que são, em parte, os atores económicos.”
Passando agora à análise política, este dividiu-se entre a que sublinhou uma alegada incoerência do PSD e a que destacou a legitimidade do principal partido da oposição fazer... oposição. Entre todos esses textos destaco o de Rui Ramos, no Observador, Porque é que não pode haver oposição? Nele se recorda que “Já quase toda a gente esteve a favor e contra a descida da TSU, dependendo das circunstâncias”, logo acrescentando: “Não é essa a questão que importa, mas esta: porque é que o papel do PSD deveria ser apenas o de servir de suplente ao PCP e ao BE no apoio ao governo de António Costa? Porque é que, segundo a oligarquia político-mediática, não é aceitável que haja oposição?”
Figuras destacadas dos dois partidos da oposição, como Paulo Rangel do PSD e Adolfo Mesquita Nunes do CDS, também surgiram a defender a legitimidade e a necessidade de fazer oposição, assim se demarcando claramente de algumas figuras da velha guarda social-democrata que, nas televisões, preferiram falar de “tiro no pé” de Passos Coelho. Tomemos nota:
- Já só faltava esta: “concertação social, sim; concertação política, não!”, de Paulo Rangel no Público: “Como pode o líder da UGT falar como fala quando sabe, melhor do que ninguém, que o PSD e a sua direcção não foram tidos nem achados nesta negociação? Afinal, todos louvam a concertação social, mas ninguém parece prezar a concertação política. Os parceiros sociais têm de ser respeitados, ouvidos e influenciar as decisões políticas. Já o maior partido da oposição e do país pode ser simplesmente ignorado e ostracizado e acabar responsabilizado por não dar apoio a um Governo do qual discorda frontalmente.”
- Podemos sempre confiar nos "dois pesos e as duas medidas", de Adolfo Mesquita Nunes no Jornal de Negócios: “Que [dois] pesos e [duas] medidas? Aqueles que esquecem a incoerência do PS na TSU, que esquecem a violação do acordo com Os Verdes, que esquecem a assinatura do acordo de concertação sem reuniões com a oposição, que esquecem as declarações de auto-suficiência desta maioria, que se dedicam a colocar na oposição o ónus de viabilizar um acordo que uma auto-suficiente maioria não conseguiu aprovar e para a qual a oposição nem sequer foi chamada a colaborar.”
Do vasto conjunto de outros textos publicados nos últimos dias, eis mais alguns destaques:
- Passos afinal também sabe fazer política, de João Marques de Almeida no Observador: “Se o PS precisa do PSD quando se alia aos comunistas e aos bloquistas, então a geringonça ainda não tem a maturidade suficiente para governar Portugal. Cresçam, sejam responsáveis e aprendam a governar sem pedirem ajudas ao PSD e sem fazerem queixinhas. Passos voltou a fazer política. Habituem-se.”
- TSU: Lições de geometria política variável, de Ricardo Costa no Expresso Semanal (paywall): “Mas há um ponto em que o PSD tem razão e esse ponto pode publicamente justificar tal chumbo. Para o PSD, e para Passos Coelho em particular, a descida da TSU esteve sempre ligada à diminuição dos custos das empresas ou ao aumento de produtividade. Não teve, por si só, uma ligação direta ao aumento do salário mínimo.”
- Os fracassos do Governo são culpa da oposição, um título irónico de Alexandre Homem Cristo no Observador: “O Governo foi imprudente ao negociar na Concertação Social o que não podia cumprir. O PCP entalou o Governo e forçou uma crise política. Mas, no debate público, está tudo focado no PSD. É um absurdo.”
- A novela da TSU é absolutamente patética, de João Miguel Tavares no Público: “A deterioração da situação económica vai dar razão a Passos. Mas até por isso, convém que a comunicação do PSD assente na coerência ideológica, e não no amuo político. O PSD deve chumbar a descida da TSU porque ela é uma medida errada; não deve chumbá-la por não querer apoiar o governo. Há uma diferença radical entre agir por convicção e agir por cinismo. Confundir uma coisa com a outra é um erro enorme, e Passos já tem idade para saber isso.”
- A questão da «TSU» é política de Manuel Villaverde Cabral no Observador, um texto com referências históricas e sociológicas mais profundas: “A chamada «concertação social» não é um órgão de decisão política, mas apenas um desses agrupamentos neocorporativos que encheram a Europa desenvolvida, então dominada pela aliança entre os partidos sociais-democratas e demo-cristãos, quando a nossa Constituição de 1976 foi elaborada, nas condições que se conhecem. (…) Hoje em dia, muitos dos países democráticos com órgãos desse tipo já se desfizeram dessa forma de pressão corporativa sobre os governos.”
- O gordinho, de Henrique Raposo no Expresso Diário, uma parábola em torno da ideia de que o PSD e Passos Coelho funcionam para uma parte do sistema mediático como o “gordinho” lá da escola, uma espécie de saco de pancada. Só que “António Costa rasgou décadas de convenções entre PS, PSD e CDS. Foi Costa que destruiu todas as pontes. Que pontes pode agora o PSD percorrer para chegar até Costa, que, para se aninhar no colinho da extrema-esquerda, queimou as regras não escritas que garantiam um mínimo de respeito entre PS e PSD? Por outras palavras, Costa libertou o gordinho. Já não há gordinho, porque já não há arco governativo.”
Termino com referência a três análises mais jornalísticas, se bem que não coincidentes no seu ponto de vista:
- Passos começou a fazer oposição, de Bernardo Ferrão no Expresso, que depois de sublinhar que “O líder do PSD está a fazer o que deve (e o que tanto lhe pediram): oposição.”, considera que “é preciso lembrá-lo, também o PS se mostra incoerente: no passado os socialistas nem sempre defenderam reduções na TSU dos patrões. E no acordo que estabeleceram com as esquerdas (mais concretamente com o PEV) que viabilizou o governo, os socialistas assumiram o compromisso de não baixar a Taxa Social Única para as empresas.”
- É a quarta vez que Passos é atropelado por uma TSU, de Pedro Sousa Carvalho no Eco: “Na primeira vez bateu contra uma parede. Na segunda foi abalroado pela manifestação de 15 de setembro. Na terceira vez foi atropelado por Paulo Portas. E na quarta está a ser cilindrado pelo PS.”
- Por que é que a polémica da TSU é incompreensível?, de Anselmo Crespo na TSF: “Costa prometeu o que não devia. Passos é contra o que já foi a favor. Bloco e PCP ganharam a arrogância do poder. O CDS está só a tentar ser invisível.”
Esperando ter ajudado a dar pistas que permitam uma melhor compreensão do que está em causa – e não apenas do quem ganha e quem perde no jogo político imediatista – despeço-me até ao próximo Macroscópio com desejos de um bom descanso, boas leituras e, já agora, bons agasalhos que o frio vai apertar.
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