terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Fundação Serralves vai proporcionar ciclo dedicado a Edgar Pêra em Torres Vedras

Serralves vai estar em Torres Vedras no âmbito de um ciclo retrospetivo dedicado a Edgar Pêra.

Com curadoria de António Preto, esta iniciativa, que é levada a cabo em colaboração com o Município de Torres Vedras, incluirá um ciclo de cinema no Teatro-Cine de Torres Vedras que abordará a obra deste cineasta, uma exposição na Paços - Galeria Municipal de Torres Vedras também retrospetiva do trabalho deste artista e a estreia do filme “Delírio em Las Vedras” no cinema NOS do centro comercial Arena Shopping, uma recente película de Edgar Pêra sobre oCarnaval de Torres.  

Segundo refere a Fundação Serralves acerca desta iniciativa “a extensão da Retrospetiva de Edgar Pêra (…) propõe um percurso através das múltiplas facetas da produção cinematográfica do autor – particularmente prolixa, instável, caótica e difícil de abarcar na sua globalidade – que é, também, peça fundamental para perspetivar a invenção da modernidade em Portugal.
Edgar Pêra (1960, Lisboa) tem construído, desde meados da década de oitenta, uma obra sem paralelo no panorama do cinema português. Concluída a formação na Escola Superior de Teatro e Cinema, em 1984, o realizador desenvolve, muitas vezes em parceria com outros artistas, um trabalho multifacetado onde a experimentação de diferentes meios, linguagens e suportes fílmicos, da película ao vídeo, passando mais recentemente pela internet e pelo formato 3D, se cruza com o videoclipe, a banda desenhada, as atuações ao vivo, a televisão, o teatro e a instalação. 
Reclamando a herança das primeiras vanguardas, Edgar Pêra é um dos protagonistas da geração que, nos anos 90, procura sinais de uma nova vivência urbana sobre as ruínas do incêndio do Chiado. Ao mesmo tempo que acompanha de perto a emergência do rock português ou as primeiras edições da Moda Lisboa, documentando o quotidiano com uma obsessão de arquivista, Edgar Pêra – homem-câmara à Dziga Vertov para quem a máquina de filmar é um prolongamento do corpo – usa os seus cine-diários como matéria visual e ficcional para os comics, crónicas e recensões críticas que publica nas páginas do semanário O Independente e da revista K. Esta colaboração regular com a imprensa – que, conjuntamente com cadernos de esboços e outros trabalhos gráficos, será apresentada numa exposição documental – é indissociável da sua produção como cineasta e ajuda a enquadrar o universo de mutantes que povoa os seus filmes. 
Trata-se, de facto, de uma obra que conjuga uma apropriação irónica do imaginário fantástico com estratégias do cinema de animação e efeitos especiais dos primórdios do cinematógrafo, num ritmo de montagem soviético, quase sempre embrulhado numa estética de série b
Subvertendo códigos da narrativa clássica e valores plásticos consensuais, mostrando-se mais interessado num cinema de sensações do que de emoções, desmontando estereótipos para pôr em causa noções como a realidade e o realismo, o seu trabalho nunca deixou, porém, de se centrar nos dilemas da atualidade”. 

PROGRAMA

“DELÍRIO EM LAS VEDRAS”, 2016
20 de janeiro, às 18h
21 e 22 de janeiro, às 15h
Cinema NOS do centro comercial Arena Shopping

Sinopse: “Num registo delirante e excêntrico do Carnaval de Torres Vedras, “Delírio em Las Vedras” apresenta uma série de aventuras e desventuras em cadeia, parodiando o tom de reportagens televisivas e radiofónicas, naquele que se reclama como “o carnaval mais português de Portugal”. Concorrência à parte, muitas são as situações e personagens da atualidade política do país que servem de inspiração aos foliões. Entre “matrafonas”, reis e rainhas de faz-de-conta, alguns dos repórteres improvisados da trupe de Edgar Pêra teimam em confundir os papéis e, pelo meio da festa, vão perguntando aos pândegos mascarados se não será aquilo um movimento de insurreição, uma viragem para um regime anárquico. A provocação nem sempre é bem entendida por todos aqueles que, de manhã, regressam a casa, ressacados. Mas, o ambiente nostálgico de fim de festa não desmente as saudades da revolução”.

Conceção, realização e montagem: Edgar Pêra
Fotografia: Edgar Pêra, Luís Branquinho
Assistente de realização: Diogo Ferreira 
Música: Jorge Prendas
Banda sonora: Artur Cyaneto
Interpretação: Nuno Melo, Marina Albuquerque, José Raposo, Sofia Ribeiro, Albano Jerónimo, José de Pina, Rui Melo, Miguel Borges, Marco Paiva, Jorge Prendas, Miguel Pereira, Miguel Partidário, João Sodré, Marlise Gaspar, entre outros e a população do Carnaval de Torres Vedras 
Direção de produção: Mário Gomes 
Estereografia e pós-produção 3D: Cláudio Vasques
Produção: Bando à Parte / Rodrigo Areias 
Apoio: Câmara Municipal de Torres Vedras 
Formato: DCP 3D, preto e branco/cor, 80 min.

Inauguração da Exposição “Edgar Pêra. Uma Retrospetiva”
Paços - Galeria Municipal de Torres Vedras
21/1 a 4/3

"A exposição documental patente na Paços - Galeria Municipal de Torres Vedras, que acompanha a retrospetiva de Edgar Pêra no Teatro-Cine de Torres Vedras, reúne pela primeira vez um conjunto diversificado de materiais representativos da pluralidade de práticas, suportes, meios e linguagens em que se tem desdobrado a sua obra. Manifestos, textos críticos, colaborações com a imprensa, experiências gráficas desenvolvidas no cruzamento da banda desenhada, com o vídeo e a fotonovela, cadernos e outros documentos configuram um universo singular e dão conta da peculiaridade dos interesses e métodos de trabalho do autor. Além de evidenciar e contextualizar o estatuto de cineasta independente que, ao longo dos últimos trinta anos, tem feito de Pêra o mentor emblemático do underground cinematográfico português, a exposição revela sobretudo facetas menos conhecidas da sua atividade que abrem perspetivas de leitura inéditas sobre a sua produção fílmica.
Ativo desde meados da década de 1980, Edgar Pêra (Lisboa, 1960) pertence à geração de artistas que, na senda das vanguardas do início do século XX, reclama a urgência de reinventar uma nova modernidade em Portugal. Sobre as cinzas da revolução de 1974 e face ao opressivo isolamento do País, como se vê nas páginas de “A Invasão” (1989), as simbólicas ruínas do incêndio do Chiado oferecem ao cineasta o cenário apocalíptico para “Os Sobreviventes” (projeto de 1989, inacabado) ou para o seu primeiro filme de ficção, “Reproduta Interdita” (1990), estabelecendo o espaço urbano como paisagem privilegiada do seu cinema. Num e noutro casos, trata-se de demolir ironicamente o saudosismo pátrio, fazendo tábua rasa de condicionalismos históricos para pensar o presente Portugal à luz de futuros alternativos ou de lógicas temporais que, como em “Manual de Evasão LX94” (1994), desafiam a ideologia do progresso e os consensos burocrático-administrativos.
Entre invasão e evasão, o cineasta coloca em crise estereótipos sociais, fantasmas do passado e valores de uma classe média recente — emancipada, veraneante e, como se vê na banda gráfica “A Cadeira” (1991), frequentadora das ocidentais praias lusitanas —, refletindo, no mesmo gesto, acerca das múltiplas transposições formais e disciplinares que sustentam o seu trabalho.

Trata-se de explorar a saturação cromática, a textura visual e outros recursos técnicos próprios do vídeo, de tirar partido da tensão plástica entre figuração e abstração, questões que se prolongam nas experiências vídeo-fotográficas publicadas pelo autor na imprensa. Aí se reduzem a um mesmo plano imagens do horror — como se vê em “Timor videorealista” (1991) ou em “Matadouro Capítulo 13b: Maio Vermelho em Sarajevo (1992)” — e imagens puramente estéticas, cujo único referente é o meio televisivo — como se verifica na série de “vídeo-abstrações” de 1989 que antecipa o 3D. Trata-se, portanto, de pensar politicamente a televisão como instrumento de nivelação (e esvaziamento) capaz de despojar a realidade de si própria. A esta reflexão, que se estende à necessidade de reequacionar as potencialidades do cinema numa nova ordem de realidade “audiovisionista” e que tem como pontos altos os “Manifestos Neuropunks” (1989-90), não é certamente alheia a produção crítica de Edgar Pêra, publicada no semanário O Independente e na revista K, onde tenta aferir o impacto do vídeo sobre o cinema, relegado ao consumo doméstico na era da industrialização das imagens, com particular ênfase na inventividade dos filmes de série B e restantes subprodutos da cultura de massas.
O inventário da modernidade é conduzido por Edgar Pêra numa ambivalência problemática, contrapondo à alienação produtiva das sociedades contemporâneas uma reflexão sobre as possibilidades de criação coletiva (de que a “Akademya Lusoh-Galaktika” é o melhor exemplo), o questionamento da autoria e do mercado de valores que lhe está associado, bem como do papel do cinema na constituição de uma memória crítica atuante. É neste âmbito que surge a figura do Homem-Kâmara, alter-ego do cineasta-arquivista que regista a emergência da cena rock em Portugal, as primeiras edições da Moda Lisboa e as contradições das tribos urbanas, sobretudo nos horários fora-de-expediente da vida noturna lisboeta. Nos extensíssimos “Arkivos Ciné-Rock” é possível encontrar não apenas os primeiros ensaios de bandas como os Heróis do Mar ou os Rádio Macau e entrevistas com os GNR do tempo das “Dunas” (cujo videoclipe é, aliás, o filme inaugural de Pêra) mas também as coleções de Ana Salazar de inícios dos anos 1990 (como acontece no filme “Não há flores!”, do verão de 1993); ou seja, encontramos o trabalho de outros artistas que, como Edgar Pêra, defendem a necessidade de subverter e modernizar a língua (veja-se o caso do “Português Sohnicu”), além de cruzes de Cristo, esferas armilares e toda a simbólica das narrativas da identidade nacional.
O retrato de um país em mutação é, no cinema de Edgar Pêra, povoado por mutantes. Assim se compreende que, entre a interrogação da “superioridade moral dos super-heróis” da americana Marvel, o reconhecimento de que “Lenine está vivo nos nossos comics” e a imagem das grandes figuras da nação, as fronteiras se esbatam a ponto de os tempos de antena do Bloco de Esquerda realizados por Pêra recuperarem ironicamente os códigos da BD. Isso mesmo explica também que a campanha encomendada pelo movimento Política XXI para as eleições para o Parlamento Europeu de 1994 esteja, em termos formais, na origem de um filme como “O Barão” (2011), onde a figura do sanguinário ditador continua a assombrar, como uma alma penada, os dias de hoje. Eis alguns dos paradoxos que, sem contradições nem incoerências, fazem do cinema de Edgar Pêra um observatório privilegiado dos dilemas do nosso tempo, pondo a nu o pacto secreto que une e confunde ficção e realidade".

António Preto


A inauguração da exposição terá lugar no dia 21 de janeiro, pelas 17h.


PROGRAMA DE CINEMA
Teatro-Cine Torres Vedras

19/1 – Quinta-feira
21h30
“As desventuras du homem-kâmara – Epizohdyus 111, 113 & 115”, 1998 / 2 min.
“Reproduta Interdita”, 1990 / 8 min.
“A Cidade de Cassiano”, 1991 / 23 min.
“Lisboa-Boa 345 D.T”, 2000 / 15 min.
“Manual de Evasão LX94”, 1994 / 57 min.
Duração total: 105 min.

20/1 – Sexta-feira
21h30
“Who is the master who makes the grass green?”, 1996 / 7 min.
“O Trabalho Liberta?”, 1993 / 23 min.
“O Dia do Músiko”, 1996 / 5 min.
“Zombietown 23”, 1998 / 29 min.
“A Konspyração dos 1000 Tympanus”, 1997 / 13 min.
Duração total: 77 min.

21/1 – Sábado
21h30
“SWK4”, 1993 / 33 min.
“Crime Azul”, 2009 / 15 min.
“Avant la corrida”, 2009 / 10 min.
“Jardins Subterrâneos”, 1998 / 20 min.
“Komédia Off”, 2000 / 13 min.
Duração total: 91 min.

22/1 – Domingo
21h30
Punk Is Not Daddy, 2010/ 70 min.

23/1 – Segunda-feira
21h30
“Guerra ou Paz?”, 1992 / 17 min.
“S/Título (TRAÇA)”, 2015 / 11 min.
“25 de Abril uma Aventura para a Democracya”, 2000 / 16 min.
“Impending Doom”, 2006 / 8 min.
“U K Faz Falta”, 1995 / 10 min.
Duração total: 62 min.

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