O Vozes ao Minuto foi ao encontro de uma artista que não se dissocia de Portugal e da cidade de Lisboa, onde reside e trabalha, mas que tem um percurso marcado pela internacionalização. Uma conversa com Joana Vasconcelos.
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Joana Vasconcelos apaixonou-se desde cedo pelo mundo da arte, mas foi a representação de Portugal na Bienal de Veneza de 2013 que fez o seu nome ser reconhecido por muitos portugueses. Aos 44 anos, assume-se como uma artista “acarinhada” pelo seu povo e lamenta que, em Portugal, seja “impossível” assumir uma carreira “sem internacionalizar”. Sobre a importância que os governos dão à cultura, é perentória: “É uma vergonha que a cultura, o alicerce de qualquer povo, seja tão negligenciada e irresponsavelmente desconsiderada”.
Quando é que começou esta paixão pela arte?
A arte esteve sempre presente na minha vida, mas o percurso não terá sido o mais linear. A minha avó pintava, o meu pai é fotógrafo e eu sempre gostei de atividades criativas. Experimentei design, mas fazia sempre tudo ao contrário daquilo que pediam. Depois estudei desenho e joalharia, frequentei vários ateliers e em cada experiência fui-me apercebendo do espectro de possibilidades. E é assim, após várias experiências, que acabo por assumir uma atividade artística mais ligada à escultura.
Ser a primeira mulher e a mais jovem artista contemporânea a expor em Versalhes foi um marco na sua carreira? De que forma se repercutiu na sua internacionalização?
O momento marcante do início deste percurso de internacionalização foi a minha primeira participação na Bienal de Veneza, em 2005, com a obra A Noiva (2001-2005). Contudo, Versalhes levou a que a minha obra fosse ainda mais reconhecida internacionalmente. Colocou-me no restrito núcleo de artistas contemporâneos – apenas nove artistas - que tiveram a oportunidade de expor em Versalhes, todos eles grandes nomes da Arte Contemporânea, como o Jeff Koons e o Anish Kapoor. Este momento abriu o caminho para exposições e projetos de uma dimensão maior e mais desafiadores, obrigando, também, a que tivesse de aumentar não só a minha equipa como o meu espaço de trabalho.
Que sentimentos lhe despertou conseguir uma das exposições mais visitadas de Paris?
Foi uma honra e um motivo de muito orgulho. Já tinham exposto no Palácio de Versalhes a obra do Jeff Koons e do Takashi Murakami, artistas muito populares, e as exposições deles tiveram cerca de 900 mil visitantes. Quando me disseram que a minha exposição tinha ultrapassado os 1,6 milhões e era a mais visitada em Paris nos últimos 50 anos fiquei surpreendida. Talvez essa boa recetividade se deva ao facto de eu ser uma artista europeia e essa identificação plena foi decisiva para gerar um diálogo rico e harmonioso com o Palácio de Versalhes.
É impossível ser-se artista em Portugal sem internacionalizar. Somos um país muito rico em termos de criação, mas a economia não aguenta esta equação
Sente que é mais valorizada em França do que em Portugal?
É difícil avaliar, pois sou muito acarinhada pelos portugueses, mas é impossível ser-se artista em Portugal sem internacionalizar. Temos poucos colecionadores e nem o Estado nem as instituições têm o poder económico para responder face ao número de artistas que o país produz. Felizmente, somos um país muito rico em termos de criação, mas a economia simplesmente não aguenta esta equação e por isso os artistas têm de encontrar maneira de mostrar e de trabalhar para fora.
Representar Portugal na Bienal de Veneza tornou o seu nome indissociável de Portugal?
Creio que o meu nome foi sempre indissociável de Portugal através da minha obra – quer pelos elementos que utilizo, quer pelos que represento. Portugal é, naturalmente, um ponto de partida para muitos dos meus trabalhos, pois é aqui que vivo e isso condiciona o meu modo de olhar e pensar o mundo. Também grande parte dos materiais utilizados é produzida e adquirida em Portugal e o meu atelier tem servido como laboratório para o desenvolvimento de algumas técnicas artesanais locais. Mas, no final, o que me interessa acima de tudo é confrontar estes elementos tão característicos da nossa cultura com outras culturas, sendo que encontramos sempre pontos em comum.
É uma vergonha que a cultura, o alicerce de qualquer povo, seja tão negligenciada e irresponsavelmente desconsiderada
Os governos portugueses valorizam pouco a cultura? Que argumentos daria aos governantes para que a cultura seja olhada como uma prioridade?
Alguns políticos têm consciência da importância da cultura, mas quando chega a hora de decidir falta força e coragem política. É uma vergonha que a cultura, o alicerce de qualquer povo, seja tão negligenciada e irresponsavelmente desconsiderada. Cada euro investido na cultura é rentabilizado em todas as outras áreas, como por exemplo o turismo. Um cidadão com uma cultura alargada é também capaz de responder aos desafios com mais sucesso, logo estará mais apto a ter bons resultados no ensino e no exercício da sua profissão. Além disso, a cultura, em si, é cada vez mais capaz de gerar receitas próprias. Recordo que a minha exposição no Palácio da Ajuda recebeu cerca de 350 mil visitantes em quatro ou cinco meses, quando o Palácio recebia apenas 30 mil por ano e com isso gerou receitas recorde. A cultura será sempre um investimento fundamental para o nosso crescimento e nunca um gasto.
As redes sociais, muitas vezes, reagem sem conhecer o exato contexto, o que, inevitavelmente, gera equívocos
Como é que viu as críticas de que foi alvo devido ao desafio que lhe foi lançado pela Plataforma de Apoio aos Refugiados?
As reações nas redes sociais foram normais, pois, muitas vezes, reagem sem conhecer o exato contexto, o que, inevitavelmente, gera equívocos. Acontece a toda a hora e deve ser dada a importância que tem, pois temos de saber separar o fundamental do acessório. No que me diz respeito, fundamental é continuar a inspirar o mundo com práticas verdadeiramente positivas, construtivas e solidárias com o mundo.
A arte é um veículo transformador da sociedade?
Sem dúvida que sim. A arte dá-nos outros modos de ver e de pensar, o que nos enriquece os sentidos e a mente. Ela oferece-nos diferentes pontos de vista que nos ajudam a alargar os nossos horizontes e a compreender melhor o mundo em que vivemos.
Onde é que se inspira para a concretização das suas obras?
Inspiro-me no dia a dia e nos aspetos por vezes mais banais do quotidiano, repensando a realidade. As minhas ideias resultam de uma observação crítica do que me rodeia.
Se tivesse de eleger duas obras suas de eleição, quais elegeria?
A Noiva (2001-2005) – por ser a peça que marca o início da minha internacionalização e porque acontece sempre algo quando é ou está para ser exposta, como foi o caso de ser censurada da exposição de Versalhes – e sempre a última obra acabada. Neste caso, a Valquíria Rán, a instalação permanente recentemente inaugurada no ARoS Museum, em Aarhus, Dinamarca. Trata-se da maior e mais desafiante Valquíria já produzida, não só pela sua dimensão – com 50 metros de comprimento, atravessando oito andares do edifício do museu –, como pelo facto de incorporar luz ao longo de todo o seu corpo e uma composição sonora associada.
Fonte:noticiasaominuto
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