Indagação corriqueira e facilmente compreensível à luz da doutrina católica, infelizmente não mais ensinada com adequação nos dias atuais. Em consequência, vai se alastrando a incompreensão do plano de nosso Criador.
Muitas vezes encontramos pessoas que, sabendo da nossa condição de católicos, nos perguntam, como se fôssemos membros de uma religião absurda ou contraditória: “Por que Deus, sendo bom, deseja que as pessoas sofram?”.
Depois dessa pergunta são apresentadas outras, no mesmo sentido: — Por que as crianças adoecem? — Por que muitas vezes os bons morrem jovens e os maus vivem por muito tempo? — Por que há bandidos ricos e pessoas boas e pobres? — Por que alguns têm boa saúde, inteligência, sorte etc., enquanto para outros tudo sai errado? — Por que temos de morrer? E, nesse mesmo tom, prosseguem por muito tempo, no fundo queixando-se de que Deus operou uma criação imperfeita, mal organizada e, no fundo, injusta. E se é uma criação errada, como pode ser Deus? Como um Ser perfeito pode ser autor de uma criação imperfeita?
Observemos, de início, que as perguntas estão mal formuladas. A pergunta correta deveria ser: por que Deus deseja que soframos nesta vida? Que Deus é bom prova-o o fato de Ele desejar que sejamos felizes para sempre, mas na vida eterna.
As pessoas que fazem perguntas desse gênero não têm uma visão completa do problema. Seria como alguém que dissesse que o médico é mau porque operou uma pessoa do apêndice e a operação foi dolorida.
Provar o verdadeiro sentido do amor a Deus
Para responder corretamente a todas essas perguntas importa considerar o panorama inteiro. Que plano tinha Deus ao criar?
Ele, em sua bondade, colocou o homem e a mulher num paraíso onde eles dispunham de tudo que causa felicidade à nossa natureza. Possuíam ciência infusa, não adoeciam nem morriam e mantinham contato com o próprio Criador. Os teólogos julgam que no Paraíso Terrestre, conhecendo todas essas maravilhas, o homem devia aperfeiçoar-se com a contemplação delas e crescer no amor a Deus. E isto, de tal maneira que, em determinado momento, quando tivesse chegado a um alto grau de amor, iria diretamente para o Céu, sem morrer.
Entretanto, para que tal plano fosse perfeito, seria necessário que os homens passassem por uma prova. Qual a razão? Porque se alguém nos ama e nos concede tudo e nós não podemos oferecer-lhe nada em troca, sentir-nos-íamos frustrados. Era necessário que, em determinado momento, o homem, submetido a uma prova, pudesse dizer: “Pude escolher entre Vós, entre vosso amor e tal ou qual prazer; e como renunciar a esse prazer, provo assim o meu amor”.
O Criador altera o plano original
Mas, o que aconteceu quando Adão e Eva foram submetidos a uma prova no paraíso terrestre? E fracassaram completamente. Amaram a si próprios mais do que a Deus. Eles não sentiam inclinação alguma para o mal, não tinham falhas de inteligência ou qualquer motivo de queixa contra o Criador. Por isso seu pecado foi gravíssimo, muito mais grave do que os nossos, pois nascemos com inclinação para o mal. Tão grave, que Deus, em sua sabedoria, mudou o plano original.
Contudo, o que havia de mais importante no plano original da Criação, se manteve: o homem podia ir para o Céu e ser feliz por toda a eternidade. Apenas alterou a forma de alcançá-lo. Desde então, ele não mais viveria num paraíso nem teria todas as perfeições naturais possíveis. Pelo contrário, nasceria com o pecado original — que o inclinaria para o mal. Como consequência desse defeito, teria falhas de inteligência, más inclinações, falta de constância, adoeceria e, sobretudo, morreria para obter o Céu. Viveria numa Terra onde a natureza podia tornar-se uma inimiga, os animais serem-lhe hostis, como também ter de ganhar o pão com suor de seu rosto.
Mas, por outro lado, a graça de Deus o auxiliaria a tornar-se melhor; as numerosas provas decorrentes do pecado original fariam com que ele pudesse demonstrar constantemente seu amor a Deus ao vencê-las; o Criador conceder-lhe-ia uma instituição dotada de doutrina perfeita — a Igreja Católica — para guiá-lo pelo bom caminho; e, sobretudo, para reparar o pecado cometido, o próprio Filho de Deus, Nosso Senhor Jesus Cristo, viria viver entre nós, mediante o mistério da Encarnação.
O sofrimento nos purifica e conduz ao Céu
Embora seja verdade que Deus mudou seu plano original, o novo plano divino é mais perfeito que o anterior. E o demônio, que julgava ter obtido uma grande vitória quando induziu nossos primeiros pais a cometerem o pecado original, de fato perdeu ainda mais.
Se compreendermos o significado desse novo plano de Deus, teremos resposta para as perguntas formuladas no início. — Por que as pessoas sofrem? Porque com os sofrimentos elas compram o mérito que as conduz ao Céu. A uns o sofrimento leva a praticar virtudes como a paciência, a outros permite praticar virtudes como a caridade e a misericórdia. — Por que as crianças adoecem? Para mostrar como o pecado afetou todos nós, até os inocentes. Os pais veem na dor de seus filhos o efeito do pecado; e as crianças, na medida em que compreendem, vão aprendendo como as coisas deste mundo são passageiras e que o mais importante é amar a Deus. — Por que muitas vezes os bons morrem jovens e os maus vivem por muito tempo? Porque Deus leva os bons para o Céu, a fim de gozarem eternamente quando estão preparados, enquanto concede tempo aos maus para que se arrependam e façam penitência. — Por que há bandidos ricos e pessoas boas e pobres? Porque Deus, conhecendo em sua infinita sabedoria que há bandidos que vão se condenar e passar a eternidade sofrendo no inferno, lhes dá neste mundo o prêmio por alguma coisa que tenham feito de bom, enquanto permite muitas vezes aos bons praticarem por meio da pobreza virtudes como a humildade e a ganharem méritos para o Céu. – Por que alguns têm boa saúde, inteligência, sorte etc. e para outros tudo sai errado? Porque Deus tem um plano para cada pessoa, e a cada um concede qualidades na medida em que necessita para pôr em prática tal plano. Mas, como Deus é justo, a quem dá mais, pedirá mais. Por isso o julgamento de quem recebeu mais talentos, como inteligência, beleza, saúde, dotes artísticos etc., será mais severo para ele do que para quem recebeu menos talentos.
A tentação e o pecado original
Se entendermos o pecado original e seus efeitos, compreenderemos melhor muitas coisas. No paraíso, Deus havia concedido a Adão apenas uma proibição: a de não comer da árvore da ciência do bem e do mal. E deixou claro que morreria irremediavelmente caso o fizesse. Portanto, em seu amor pelo homem, Deus o tinha advertido do que poderia ocorrer. Mas o demônio, que já havia fracassado na sua prova de amor a Deus, fora autorizado a tentar os homens. E fê-lo então com Eva, colocando-lhe uma pergunta mentirosa: — Como lhes proibiu Deus comer o fruto de absolutamente qualquer árvore do jardim? Ao que Eva redarguiu com a resposta correta: que podiam comer o fruto de todas as árvores, exceto o de uma, pois do contrário morreriam. Ou seja, sabia perfeitamente o que Deus queria e o que ela fazia.
Eva deveria ter desconfiado do demônio, pois se alguém faz uma pergunta mentirosa, é porque alimenta má intenção. Portanto, ela cometeu o erro de não fugir da tentação. E continuou conversando. E o demônio uma segunda vez afirmando que não morreriam, mas que seriam como deuses. Ou seja, uma tentação de orgulho. Eva sabia perfeitamente como era Deus, cuja perfeição e beleza ela conhecia. Por outro lado, que prova tinha Eva de que a serpente sabia mais do que Deus? Se o Criador dizia uma coisa e a serpente outra, a quem deveria crer? Eva sabia perfeitamente que Deus tinha razão; contudo caiu na tentação do demônio, comeu o fruto proibido e foi tentar Adão a comê-lo também.
Adão não tinha falhas de inteligência como nós. E, como Eva, sabia perfeitamente que Deus tinha razão, que morreria caso comesse o fruto da árvore proibida. Por outro lado, também ser como um “deus” e agradar à mulher. Por isso, aceitou comer o fruto proibido. Seu pecado foi maior, porque ele era o principal, a cabeça da criação, aquele com quem Deus conversava ao passear no Paraíso (Gênesis 3,8).
Os efeitos do pecado original se fizerem imediatamente sentir. O homem e a mulher se viram desnudos e quando Deus perguntou a Adão por que ele pecou, este respondeu que foi a mulher que Deus lhe havia dado quem o tentou (Gênesis 3,12).
Deus castiga, mas tem pena do pecador
Cometido o pecado, sobreveio o castigo, sendo os seus protagonistas castigados na ordem em que pecaram, e justamente pelas razões por que pecaram. O demônio, cheio de orgulho e que desejava ser o primeiro na Criação, é castigado a ser o último, o menor, o mais desprezível. A mulher, que sonhava tornar-se uma “deusa”, estará submetida a seu marido. E o texto bíblico esclarece: “Multiplicarei os sofrimentos de teu parto, darás a luz com dores, teus desejos te impelirão para teu marido e tu estarás sob seu domínio” (Gênesis, 3, 16).
E Adão é também castigado. Não só terá de sofrer para produzir seu alimento, como a Terra, por sua culpa, recebe uma maldição e todos os seres humanos terão de morrer. E as portas do Céu estarão fechadas até que o pecado venha a ser reparado.
Mas Deus que é misericordioso, com pena do homem pecador, muda seu plano original e introduz outro, novo e melhor. E através de seus profetas promete enviar ao homem um Redentor, que repare o dano feito, a ofensa cometida.
A parte central e mais importante do novo plano é Nosso Senhor Jesus Cristo. O pecado cometido necessitava uma reparação, que deveria ser proporcional à ofensa praticada e à pessoa ofendida. Quem teria proporção suficiente para reparar uma ofensa feita a Deus? Só o próprio Deus. Por isso, Nosso Senhor veio à Terra para reparar tal ofensa. Também para nos dar exemplo de como sofrer e de resignação em nossas provações e limitações, por amor a Deus.
O Divino Redentor, exemplo da aceitação da dor
Jesus Cristo era verdadeiro homem, e, portanto, “semelhante a nós em tudo, menos no pecado” (Heb. 4, 14-16). Sentia fome, sede, cansaço, porque deseja padecer como nós. Nas Sagradas Escrituras, vemo-lo manifestando sentimentos humanos: alegria, tristeza, surpresa, admiração, amor, indignação etc. Foi igualmente tentado pelo demônio como nós.
Mas há uma grande diferença. Como fomos concebidos no pecado original, temos em consequência dele, más inclinações. O sofrimento e as tentações nos educam e obrigam a praticar virtudes. Nosso Senhor não necessitava do sofrimento para produzir esses efeitos, pois era perfeito. Mas aceitou sofrer, para nos ensinar e dar-nos exemplo.
Em sua infinita sabedoria, quis nascer pobre, mas tendo como Mãe a mais perfeita das criaturas e como pai oficial um santo da Casa real de David. Assim o dispôs para nos patentear o primado das coisas espirituais sobre as materiais. Quis ser perseguido desde o início para nos mostrar que o pior não são as perseguições, mas o pecado; permitiu que o demônio O tentasse três vezes para esclarecer que os ataques do inimigo infernal faz parte das provas desta vida. Jesus foi caluniado, suas divinas intenções foram mal interpretadas, aqueles a quem curou milagrosamente não lhe manifestaram o devido agradecimento; e, por fim, todo o bem por ele praticado foi retribuído com a morte mais dolorosa e infame.
Nosso Senhor escolheu o sofrimento para nos ensinar a sofrer com resignação, sem rebeldia.
A Santíssima Virgem, modelo de amor à Cruz
Nossa Senhora foi isenta do pecado original. Mas escolheu o sofrimento para nos dar o exemplo de como devemos carregar nossas cruzes. Ela foi um modelo de humildade, o oposto de Eva, que pecou por orgulho. A Santíssima Virgem respeitava os Apóstolos como bispos da Igreja e reconhecia sua superioridade concedida por Deus.
Hoje, lamentavelmente, não se prega como anteriormente o amor à Cruz nem se explicam às pessoas os motivos pelos quais Deus permite o sofrimento. É um grande apostolado poder expô-los às pessoas conhecidas que não receberam adequadas lições de catecismo.
Peçamos a Nossa Senhora obter-nos de seu Divino Filho a graça de entender a razão dos padecimentos nesta vida, e de que as cruzes que Ele nos envia não são arbitrárias, mas fazem parte de um plano superior. Compreendendo e amando esse plano divino, estaremos em condições de alcançar a bem-aventurança eterna.
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Fonte: Revista Catolicismo, Nº 791, Novembro/2016.
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