sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

O segredo e a fé na banca

Tiago Freire
Tiago Freire 03 de Fevereiro de 2017 às 00:01










Há uns dez anos, as livrarias recebiam "O Segredo", um livro razoavelmente pavoroso que vendeu milhões, e que parece ser agora recuperado no universo Caixa Geral de Depósitos.

"O Segredo" é uma espécie de guia para o equilíbrio e a felicidade, baseado num pressuposto muito simples: o poder do pensamento positivo. Se acreditarmos muito numa coisa, temos mais probabilidade que ela aconteça.


Agora, há uma frente unida em torno de outros segredos. A comissão parlamentar de inquérito à Caixa está, quase sem querer, a testar os limites legais do segredo bancário, do segredo de negócio, do segredo de supervisão. Depois de uma decisão judicial que considera que o Banco de Portugal e a CMVM não podem recusar-se a dar a informação pedida pelo parlamento, criou-se uma verdadeira frente unida em torno do segredo. 

A questão vai continuar a ser discutida judicialmente e, dada a pressa da esquerda em acabar com uma comissão desenhada para não apurar nada, qualquer decisão deverá chegar já tarde. A importância é outra, para o futuro, para outras comissões de inquérito.


Não há uma leitura fácil para esta questão. Estamos, de facto, perante um conflito entre dois interesses públicos, como salientou a CMVM num comunicado de ontem. De um lado o acesso dos cidadãos - por  via dos seus representantes eleitos - à informação que diz respeito a todos; do outro, o dever de reserva e de sigilo que está na lei dos reguladores e que, pelo menos em teoria, é um elemento que permite às autoridades exigirem, elas próprias, a informação aos supervisionados, tendo estes a garantia de que esta não é disseminada. Cabe à Justiça decidir.


Os reguladores e a própria Caixa podem até ter razão nos seus argumentos, mas com esta postura acabam por completar o ciclo de opacidade à volta do banco PÚBLICO.


Temos uma comissão parlamentar partidarizada e que não funciona; temos um multimilionário plano de recapitalização com o nosso dinheiro e não o conhecemos; temos a Caixa a alegar o segredo bancário; e temos os supervisores a defenderem o seu dever de sigilo. E temos, naturalmente, o cidadão-contribuinte, que paga e bem pode bufar à vontade.


Não temos a hipótese de confirmar se a Caixa foi bem gerida ou bem supervisionada. Temos de confiar nas instituições, e acreditar que sim. É uma questão de fé, na banca e na supervisão. Tal como em "O Segredo", não nos resta outra via que não seja acreditar muito que os bancos serão bem geridos, que os deputados querem saber a verdade, que os supervisores são competentes e implacáveis com os prevaricadores. E que não nos vão pedir novamente para pagar algo que não provocámos e que, muitas vezes, não nos permitem entender na totalidade.

Fonte: Jornal de Negócios

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