sábado, 25 de março de 2017

"Não teria deixado o BES apodrecer tanto", afirma Murteira Nabo sobre Carlos Costa no BdP


NÃO PÕE AS MÃOS NO LUME POR ZEINAL BAVA, NA PT/OI. NEM SABE SE É CORRUPTO

Murteira Nabo não pede a demissão do Governador mas aponta-lhe o dedo no caso do BES e diz que ele devia ter atuado mais cedo.

Decisões erradas e tardias. É assim que Francisco Murteira Nabo, o novo membro do conselho consultivo do Banco de Portugal avalia a atuação do Banco de Portugal. No caso BES, como em vários outros casos que abalaram o setor financeiro. "Não foi uma inabilidade, foi uma opção", afirma Murteira Nabo quando confrontado com a forma como Carlos Costa geriu o dossier Espírito Santo. O atual presidente da Câmara de Comércio Luso-Brasileira, diz que, se estivesse no lugar de Carlos Costa, teria agido de forma diferente e "não teria deixado a situação apodrecer tanto".

Foram, opções, lembra Murteira Nabo, que levaram, também, à criação do Fundo de Resolução e, neste, como noutros casos, Murteira Nabo considera que Carlos Costa andou mal porque "era uma opção arriscada, que nunca tinha sido testada".

Entrevista a Murteira Nabo na íntegra

Como presidente da Câmara de Comércio Luso-brasileira, o que é que antecipa nas relações económicas entre os dois países?

Precisamos aumentar esta relação, que nunca foi muito grande. Teve um período áureo na década de 90, quando a PT, EDP, Jerónimo Martins e Sonae foram para o Brasil. Muitos destes projetos não correram bem e houve um retrocesso. Neste momento, perante a crise brasileira, não há grandes investidores portugueses no Brasil, há é muitas PME, são cerca de 600, mas que representam no seu conjunto apenas 1% a 2% das exportações para o Brasil.

O caso "carne fraca" vai prejudicar a confiança entre os países?

Vai, com certeza. O Brasil é um dos maiores exportadores do mundo de carne bovina. Vai dificultar muito a imagem do Brasil, pois percebe-se que há ali um sistema de corrupção ou próximo da não certificação.

Falando agora de banca. Após os casos BPN, BPP, BES, CGD, que reflexão deve o sector fazer?

Cometemos um erro: quando detetámos que a banca estava cheia de imparidades, que o país e as empresas estavam endividados, não fizemos o que fez a Irlanda e Espanha, que foi criar um banco mau.

Diz "cometemos um erro", a quem se refere: Governo, Comissão, Banco de Portugal?

Foi o Banco de Portugal e o Governo. Ao não fazer isso, empurrámos o assunto com a barriga, convencidos que se resolveria. Mas não resolveu, e o que aconteceu foi termos bancos a cair ao longo dos tempos. A minha experiência como gestor é que problemas complicados resolvem-se logo, não se adiam, porque sai sempre mais caro e é pior. A banca tem de resolver o problema das imparidades e libertar os bancos de coisas que não podem resolver. É um pouco como a nossa dívida: temos de resolver este problema, não a conseguimos pagar.

A dívida deve ser negociada?

Sim, temos de negociar, não é uma questão financeira, é uma questão política. Toda a gente sabe que não temos capacidade para pagar a dívida. E não somos só nós, mas os países mais débeis sofreram porque não houve o princípio da solidariedade entre os países.

Há falta de coragem política do PS em assumir o que refere?

Acho que não é falta de coragem, acho que o PS está à espera do momento em que haja condições políticas para o fazer.

Esse momento pode demorar?

Pode demorar uns tempos, sim, depende da Europa que vamos ter. Se a Europa se esfrangalhar, então vai demorar mais tempo.

Disse numa entrevista, a propósito do BPN e BES, que a supervisão não tinha funcionado. E hoje, continua a não funcionar?

Não funcionou ao nível da supervisão bancária e não funcionou ao nível da supervisão das empresas. As auditorias não funcionaram, passaram a fazer-se auditorias contabilísticas e não de risco. Portanto nada funcionou em termos de supervisão... Acho que hoje a supervisão já aprendeu, e que, necessariamente, teve de corrigir.

Aprendeu pré ou pós Banif?

Acho que aprendeu antes do Banif, mas só agora se estão a tomar medidas de correção. Há um erro que fazemos na supervisão, que aprendi na China: ou se é um centralizador e se controla tudo, ou descentralizamos, e ao fazê-lo não podemos descentralizar a responsabilidade. As competências delegam-se, a responsabilidade nunca. Ao não delegar a responsabilidade tem de controlar, tem de supervisionar, se não fica dependente do operador. Portanto, em Portugal delegaram-se competências e não se supervisionou as responsabilidades e foram apanhados por isso.

A que nomes atribui o erro?

Não são nomes, são instituições. Foi o Governo, foram os próprios bancos e foi o Banco Central. Foram os europeus, foram os decisores, foi o Banco Central Europeu.

Desiludiu-se com António Costa?

Não estou desiludido com António Costa, acho que estamos a empurrar com barriga alguns problemas estruturais, que não se podem resolver ou não se querem resolver. Não vale a pena pensar que há milagres na economia, pois não há. Costa está à procura do momento para o fazer, ele ou o Governo, seja ele quem for. Se alterações não forem feitas o problema subsiste.

Foi nomeado para o cargo de vogal do conselho consultivo do Banco de Portugal pelo ministro das Finanças. Confia no ministro e no Governador para estabilizar o sistema financeiro?

Não falo em pessoas. Confio no Governador e a minha função no Banco de Portugal é muito pequena, é de aconselhar em certas funções e em certos atos. Estou muito interessado em ir porque tenho ideias muito claras sobre isso que podem até não coincidir com as do Governador ou com os outros, mas isso não me incomoda rigorosamente nada. Acho que foi um erro não termos resolvido os problemas na época, se calhar era até mais doloroso, mas já estavam resolvidos.

Foi inabilidade do Governador?

Foi uma opção, não uma inabilidade.

Isso pode tornar a resposta mais grave, se foi uma opção...?

Sim, foi uma opção, como foi uma opção o Fundo de Resolução. E todos sabiam que era um risco, pois não tinha sido ainda aplicado. E na minha opinião não foi uma grande solução, porque no fundo não resolveu o problema.

Se opção não deu resultado, deveria o Governador demitir-se?

Isso não comento. Agora acho que deve analisar o que tem de concreto para ter sucesso. Acho que ninguém se sente bem se incomodado ou se não tem as condições para ter sucesso.

Tendo em conta GES e BES, o Governador agiu bem ou mal?

A sensação que temos hoje é que deveria ter decidido mais cedo. Talvez possa dizer que se eu lá estivesse faria diferente...

Teria retirado, e cedo, a idoneidade a Ricardo Salgado?

Não sei se teria tirado ou não, mas não deixava apodrecer tanto.

Conhece Ricardo Salgado. Desiludiu-o?

Sim, conheço, fomos colegas de Faculdade. Houve uma mistura explosiva entre um grupo e o seu acionista e isto deveria ter sido tido em conta pelos decisores e pelos acionistas do Grupo BES mais cedo. Provavelmente já sabiam que estava assim.

Acredita na inocência dele?

Não tenho opinião sobre isso. Somos amigos pessoais, gostava que saísse bem destas coisas, mas se é responsável ou não, é um assunto que não abordamos.

Está de acordo com esta nova entidade de supervisão criada pelo Governo, faz sentido?

Faz, porque há falta de coordenação. A ideia não é retirar funções ao operador, é coordenar as entidades que têm que ver com a regulação.

A imagem que passa é que fragiliza um pouco o Banco de Portugal. Concorda?

É um órgão como tantos outros, é um advisor, não um decisor, nem um gestor. Acho que é útil porque a experiência tem demonstrado que não há muita coordenação entre as várias entidades. Talvez não seja mau que se juntem numa comissão.

Passando para as telecomunicações, foi muito elogioso no passado quanto a Zeinal Bava. Como olha para o mesmo gestor hoje, acusado num processo como a Operação Marquês, e sobre o rumo que a PT levou?

Tenho uma análise sobre a situação, não com Bava, mas com a estratégia que a empresa seguiu e foi defendida pelos acionistas.

Acha que foi responsabilidade da empresa?

Foi responsabilidade dos acionistas. A partir de 2002, a empresa decide, ao nível do acionistas, aumentar a política de dividendos, e reduzir a dívida. Ao fazer isso deixou de investir no Brasil, onde tinha uma empresa, a Vivo, que estava a crescer 5 milhões de clientes ao ano e onde era preciso investir em rede digital. A PT que tinha uma relação de 50/50 com a Telefónica, passou a não ser capaz de satisfazer as necessidades de investimento. Começou então a entrar em dívida. Há uma altura em que a pressão da Telefónica para comprar a Vivo era grande, para além da ameaça da OPA à PT. Com a pressão da Telefónica, a Portugal Telecom, que já estava numa relação de 1 para 10, em vez de 1 para 4 como era o acordo inicial, e se dá mais tarde a OPA da Sonae, não aguentou. Isto tem a ver com uma estratégia da empresa, uma decisão dos acionistas. Obviamente o gestor também é responsável, mas a decisão é dos acionistas. Respondendo à sua pergunta a questão não é o Bava; o grupo empresarial PT definiu estratégicas que a levaram à venda da Vivo. Ora uma empresa que vende uma subsidiária que representa 60% do volume de vendas e 40% dos lucros, que tem 55 milhões de clientes, e que fica sem o dinheiro e sem a indústria, o que é que quer que aconteça?

A estratégia foi a errada?

Claro, a estratégia foi errada e o Bava foi apanhado por isso. Se sabia, ou se não sabia, não sei dizer.

Conhece bem Zeinal Bava? Metia as mãos no fogo por ele?

Fui eu que o admiti para a PT, era um excelente profissional. A culpa que ele terá é de ter aceite a estratégia que foi definida pelos acionistas.

Mas acredita que seja corrupto?

Isso não sei, não tenho a mínima noção disso. Agora como gestor, o erro que terá cometido é ter aceite uma estratégia ruinosa para a empresa. Aí fez a opção de ficar. Eu fiz o contrário: saí em 2002 quando comecei a sentir isto. A culpa não é dele, é dos acionistas que decidiram uma política de dividendos altos e redução dos investimentos. Por isso, a venda da Vivo era inevitável. O engenheiro Belmiro percebeu isso muito bem: quando fez a OPA à PT queria fundir a TMN com a Optimus e depois vender a Vivo e fazer o financiamento do seu grupo, claro. Só que os outros acionistas da PT não são burros e disseram que em vez de ser ele a fazer a mais-valia, faziam eles. Esta é questão de fundo da PT, não o Bava, que é apenas uma peça pouco importante neste conjunto.

E a PT na Altice, parece-lhe estar em boas mãos?

Depende do conceito de boas mãos. A empresa mudou muito e, portanto, a empresa de telecomunicações do meu tempo já não existe, é um outro projeto que conheço mal e não faço ideia onde vai acabar.

Anselmo Crespo, na TSF - Entrevista a “passar” na TSF, hoje (sábado) depois das notícias das13:00 horas


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