A meia viagem entre a primeira e a segunda volta das presidenciais francesas, e na altura em que se completam os primeiros 100 dias da Administração Trump, será que o populismo já começou a recuar? Na Holanda o partido de Geert Wilders não ganhou as eleições, que consagraram um liberal. Em França Marine Le Pen passou à segunda volta, mas não terminou em primeiro lugar, como pareceu possível durante quase um ano. E nos Estados Unidos o Presidente Trump está a ter de recuar nalgumas das suas propostas mais populistas – ainda esta semana disse que afinal não ia denunciar o acordo de livre comércio da NAFTA, apenas renegociá-lo com o México e o Canadá. Na Alemanha o partido anti-imigração está a desfazer-se em guerras intestinas e começa a cair nas sondagens. Será que a onda populista já atingiu o seu ponto alto e agora vai começar a recuar?
Calma. É muito cedo para falar, ou para ter certezas, como veremos através da selecção de textos deste Macroscópio de fim-de-semana. Sigo, nesta avaliação, a do colunista do Washington Post Charles Krauthammer que, em Populism on pause, faz uma recapitulação destes acontecimentos e conclui que “If the populist threat turns out to have frightened the existing powers out of their arrogant complacency, it should be deemed a success. But make no mistake: The French election wasn’t a victory for the status quo. It was a reprieve. For now, the populist wave is not in retreat. It’s on pause.”
Na verdade, se recuperarmos a definição de populismo que eu mesmo usei num texto de Março (Populismo? Quem disse que a peste não tinha chegado a Portugal?), a definição de Cas Mudde e Cristóbal Rovira Kaltwasser desenvolvida num pequeno livro que acaba de sair em Portugal, “Populismo – Uma Brevíssima Introdução” (Gradiva), é difícil concluir que este fenómeno político esteja a desaparecer. Aqueles dois autores definem “populismo como uma ideologia de baixa densidade que considera que a sociedade está, em última instância, dividida em dois campos homogéneos e antagónicos – “o povo puro” versus “a elite corrupta” – e que defende que a política deveria ser uma expressão da volonté générale (vontade geral) do povo”. Ora esta definição, se aplicada à grelha de candidatos que se apresentou ao eleitorado em França, permite ver que ao voto populista de direita, em Marine Le Pen, é preciso somar o voto populista na esquerda radical de Mélenchon e ainda o voto noutros pequenos candidatos, o que junto totaliza perto de 50% (como de resto Rui Ramos sublinhou logo no dia seguinte às eleições em Metade dos franceses votaram contra o euro e a UE). Ou seja, é porventura cedo para dizer que a previsível vitória de Macron na segunda volta corresponderá a uma pesada derrota do populismo.
Dois textos da edição em francês da Slate ajudam a reforçar este raciocínio. O primeiro explica porque é tão difícil aos apoiantes de Mélenchon irem agora votar em Macron contra Marine Le Pen. Em Pourquoi tant de Mélenchonistes sont-ils prêts à s'abstenir?, Gaël Brustier, professor de ciência política faz uma recapitulação do “voto útil” nas eleições francesas ao longo dos últimos 100 anos, indo do «désistement républicain» ao «front républicain» e passando pelo «front unique», para concluir “autant de termes que les amis de Jean-Luc Mélenchon soumettent désormais à leur analyse du contexte né de la crise de 2008” sem serem capazes de se decidir facilmente pelo voto em alguém que vêem como um “ultraliberal”.
Acontece porém que, em França, quase tudo o que não corre bem é sempre culpa de um qualquer “ultraliberalismo”, como se relata na mesma Slate em Emmanuel Macron n'est pas libéral, um texto algo pessimista sobre o que ele pode vir a fazer: “Pour plusieurs raisons, je ne crois pas qu’Emmanuel Macron soit libéral. Ou bien il l’est, dans les limites de l’exercice en France. Il entend mener, assurément, quelques réformes libérales. Mais, s’il est élu, il n’y aura pas de «grand soir thatchérien» comme je le lis parfois; il devra procéder à petites touches. Pour éviter les manifs, il se limitera à un libéralisme très tempéré.”
Mais: como escreveu há uns tempos o colunista do Financial Times Wolfgang Münchau, Os populistas centristas não são de forma alguma isentos de riscos. Esse especialista em assuntos europeus dava vários exemplos de políticas “centristas” não isentas de populismo, acrescentando mesmo que “Uma das características dos populistas centristas é que eles se multiplicam. Berlusconi gerou uma nova geração de populistas. Um deles é Matteo Renzi, primeiro-ministro de Itália de 2014 até dezembro do ano passado.”
Naturalmente que a tese de Münchau é controversa – ele também colocou o antigo chanceler alemão Gerhard Schröder no mesmo saco, acusando-o também de populismo centrista –, mas não deixa de ser curioso analisar as semelhanças do futuro presidente francês com o ex-primeiro-ministro italiano, algo que Mujtaba Rahman faz para o Politico em Emmanuel Macron: Renzi 2.0. Só que também é bom recordar que Renzi fracassou e que, depois de tantas expectativas investidas nestas eleições, “The French will only become more Euroskeptic if their new president does not achieve some symbolic wins fast”.
Mas dir-se-á – ou disse mesmo o Presidente Marcelo – que podemos estar descansados em Portugal, país onde não haverá populismo. Não é essa a opinião ao cientista político José Filipe Pinto que lançou esta sexta-feira um livro significativamente intitulado “Populismo e Democracia – dinâmicas populistas na União Europeia”. Utilizando várias métricas – “o índice de populismo do sueco Andreas Heino – da Fundação Timbro – e o índice de democracia do The Economist” – este académico chegou à conclusão que Portugal tem um índice de populismo semelhante à França, mas de esquerda. Como explicou numa entrevista, “E isto é que me incomoda porque ouvi o senhor Presidente da República [no seu discurso no 25 de abril] dizer que Portugal, felizmente, estava alheio a este fenómeno populista. E estava a falar na Assembleia da República. À sua frente tinha três partidos cujos deputados são populistas: o Bloco de Esquerda (populista autoritário), o PCP (populista totalitário) e o Partido Ecologista Os Verdes (populista autoritário)”.
Mas deixemos Portugal para dar um salto rápido aos Estados Unidos, onde como já referi Donald Trump completou os primeiros 100 dias da sua Presidência (de que o Observador fez um balanço em 100 dias depois, onde estão as promessas de Trump?, mais uma recapitulação visual em 55 fotografias) para conhecer os argumentos de quem entende que também ele está a recuar na sua agenda populista. É o caso de Noah Millman que, na The Week, procura explicar Why Trump is beating a hasty retreat from populism: “It's practically official: The Trump administration is in full retreat from its array of right-wing populist promises. Instead of scrapping NAFTA, they are merely looking for minor adjustments. Instead of showing China who's boss, they have retreated on Taiwan, and are promising a far more favorable stance on trade in exchange for whatever help China might offer on North Korea — while telegraphing that they know help is bound to be limited. Most dramatically, Trump reversed the overwhelming thrust of his campaign with respect to foreign policy, ordering an attack on Syria and welcoming Montenegro into NATO, saying that the Atlantic alliance is "no longer obsolete." Even if advisor Steve Bannon doesn't lose his job, evidence of his influence is at this point distinctly thin.”
Há também uma outra perspectiva que me parece interessante, a de que se pode e deve combater o populismo dando ouvidos aos eleitores em vez de os estigmatizar. Essa ideia está bem defendida num texto do Telegraph, Theresa May is showing the EU that defeating populism requires listening to voters. Nesta crónica Juliet Samuel defende, referindo-se precisamente à necessidade de ultrapassar a tentatação de ignorar as preocupações dos eleitores que “It is also Britain’s rejection of this doctrine that explains why, in six weeks’ time, a British prime minister is likely to become one of the only leaders in Europe currently able to increase the majority of her mainstream political party, rather than ceding ground to extremists. The key difference is that, for Britain and its political leaders, populist backlashes aren’t “aberrations” of history that need to be kept tightly under control until they blow over. They are symptoms of something that has gone wrong. The British solution to populism is not to dig in, but to listen.”
Esta perspectiva leva-me a recuperar dois textos que tinha guardados para vos sugerir num destes Macroscópios de fim-de-semana e que, não abordando directamente o fenómeno do populismo contemporâneo, dão interessantes pistas e são, também ,leituras bem interessantes.
O primeiro é um texto que o site da The Economist entendeu recuperar recentemente e que aborda o legado de uma das figuras políticas mais influentes das últimas décadas, Margaret Thatcher, alguém que curiosamente chegou ao poder em tempos conturbados, de grande desorientação política e caos económico. Em A cut above the rest a revista recordava a excepcionalidade da sua liderança, considerando que “Thatcher transformed Britain and left an ideological legacy to rival that of Marx, Mao, Gandhi or Reagan”. Mesmo assim o seu legado está longe de ser consensual, e “This is not just because she was a divisive figure, but also because the issues that she addressed continue to confront and divide. The British state has continued to expand after a period of continence. Deficits have exploded. The relationship between some companies (this time banks, rather than manufacturers) and government has become too close. Margaret Thatcher and the -ism that she coined remain as relevant today as they were in the 1980s.”
Pertinente, sobretudo se complementarmos esta leitura com a de um ensaio publicado pela BBC onde se aborda um tema recorrente: How Western civilisation could collapse. Todos se recordarão que quando Thatcher chegou ao poder no Reino Unido (e Reagan nos Estados Unidos) também existia a percepção de um declínio irremediável do Ocidente. Ora neste ensaio Rachel Nuwer defende que “Some possible precipitating factors are already in place” e que “How the West reacts to them will determine the world’s future”. Julgo que o ponto de partida do autor coloca o dedo na ferida – e volta a remeter-nos para as raízes dos descontentamentos que alimentam os populismos: “The political economist Benjamin Friedman once compared modern Western society to a stable bicycle whose wheels are kept spinning by economic growth. Should that forward-propelling motion slow or cease, the pillars that define our society – democracy, individual liberties, social tolerance and more – would begin to teeter. Our world would become an increasingly ugly place, one defined by a scramble over limited resources and a rejection of anyone outside of our immediate group. Should we find no way to get the wheels back in motion, we’d eventually face total societal collapse.”
E por aqui me fico, esperando ter-vos trazido sugestões do vosso interesse. Tenham um bom fim-de-semana.
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