quinta-feira, 4 de maio de 2017

PORTUGAL À SOMBRA DE AMBIGUIDADES AINDA NÃO ULTRAPASSADAS – III


Martinho Júnior | Luanda 

Em saudação aos 60 anos do MPLA, aos 52 anos da passagem do Che por África e aos 43 anos do 25 de Abril… e assinalando os 50 anos do início do “Exercício ALCORA” e os 50 anos do início da Guerra do Biafra. 

5- A ambiguidade dos sucessivos Governos portugueses pós o 25 de Novembro de 1975 teve“cultores” que actuaram “por inércia” em função do passado histórico em relação a África, aproveitando as experiências do âmbito da internacional fascista e entre elas a que se refere ao Exercício ALCORA, o que explica o facto de nenhum dos signatários desse acordo o ter publicitado em tempo, muito menos os governos que o poderiam e deveriam fazer, por que poderiam e deveriam ter-se preocupado no anúncio efectivo de sua caducidade, livrando-se dos efeitos que se lhes seguiriam.

É evidente que em relação a Portugal o peso das “redes stay-behind” da NATO, assim como a vassalagem em relação aos Estados Unidos, as “obrigações” para com a União Europeia e até a vassalagem recriada na moderna esteira do âmbito da aliança anglo-lusa de 1373, explicam-no e justificam-no e por isso, por exemplo, muitos dos velhos diplomatas que serviram o Estado Novo não tiveram suas carreiras postas em causa com o 25 de Abril.

Explicam-no também as actuações na base da democracia cristã, em conformidade com os interesses mentores do “Le Cercle”: como os interesses não só se mantiveram, mas se avolumaram, a democracia cristã teve a garantia dum “terreno fértil” que pode ser observado por exemplo nos“Jogos Africanos” de Jaime Nogueira Pinto.

A democracia cristã conforme ao “Le Cercle”, soube aproveitar-se em tempo do maoismo, demarcando o seu campo absorvente de sua “estratégia de tensão” na sua “luta contra o comunismo”e, quando o neoliberalismo vitorioso se assumiu mais tarde (depois do 25 de Abril de 1974) em função desde logo das experiências encetadas pela administração republicana de Ronald Reagan, veio a garantir a introdução de elementos doutrinários e ideológicos não só da própria teoria de Milton Friedman, mas a de outros filósofos estado-unidenses como os que tenho vindo a citar: Gene Sharp (“Manual de autoajuda para os golpes de Estado suaves”) e o neoconservador Leo Strauss(sobretudo em “Jews philosophy and the crisis of modernity”, “What is political philosophy” e “Liberalism ancient – modern”).

6- As vulnerabilidades africanas de toda a ordem que possibilitaram a Conferência de Berlim nos finais do século XIX, garantiram por si as resistências coloniais e do “apartheid”, pois África só muito a custo conseguiu começar a erguer a sua voz para denunciar os crimes contra a humanidade que na essência se constituíam na existência da própria internacional fascista no sul do continente, que quando era conveniente, recorria ainda a mercenários para se esconder e para esconder os interesses e as implicações que tinham origem nos Estados Unidos, na Europa e na NATO.

A expressão libertária africana assente no marxismo-leninismo de Amilcar Cabral, Agostinho Neto, Samora Machel, Ernesto Guevara e Fidel, foi decisiva para que África conseguisse ganhar essa voz, que seria impossível com outros como Leopod Senghor, Houphouet Boigny, Bongo, Mobutu, Kaunda, ou Savimbi!

A passagem do Che pelo Congo foi proverbial para a constituição da linha da frente informal que o Movimento de Libertação em África alicerçou entre Dar es Salam e Brazzaville com seus aliados cubanos, pois o Comandante Fidel conjuntamente com seus pares africanos marxistas-leninistas, entre eles Amílcar Cabral, Agostinho Neto e Samora Machel, levaram por diante uma saga que venceu as alianças da internacional fascista em quase todos os campos de luta (inclusive no que toca a algumas das suas sequelas)…

…Menos quando a aristocracia financeira mundial no rescaldo de sua vitória sobre o campo socialista, aproveitou o que o capitalismo neoliberal fez a partir da administração republicana de Ronald Reagan e neoconservadora de Margareth Thatcher, de doutrinas, ideologias e práticas levadas a cabo pelas “redes stay behind” da NATO (maoistas e trotskistas conjugados com os democratas-cristãs, nazis, fascistas e mercenários do “Le Cercle”), que providenciaram sentido, inspiração e antropologia cultural em benefício dos actuais neoconservadores e agentes de caos e terrorismo, em estrita conformidade à expressão filosófica de Milton Friedman, Gene Sharp, Francis Fukuyama e Leo Strauss, das escolas estado-unidenses incentivadas e financiadas pelos interesses dos clãs Rockefeller e Rothschield, que engrossaram as fileiras dos “lobbies” do petróleo, armamento e dos minerais, nas suas constantes práticas de subversão em África.

Os agentes contemporâneos das “revoluções coloridas” e das “primaveras árabes” têm muito tacitamente a ver, no quadro de seus mentores e impulsionadores, com os mercenários africanos de então, em especial no quadro das intervenções que hoje implicam golpes de estado, caos e terrorismo: eles contribuem para criar a cínica oportunidade da “responsabilidade para proteger”, tal como antes, por exemplo, os mercenários da Operação Dragão Vermelho em Stanleyville (1964/65).

Ao mínimo sinal da possibilidade da presença do Che no Congo em 1965, a inteligência estado-unidense reagiu, retirando a outros (entre eles os colonialistas belgas e portugueses, bem como os agentes mercenários do “apartheid”) os vínculos na utilização de alguns grupos de mercenários no leste daquele país que se apresentava balcanizado também em função dos interesses da aristocracia financeira mundial, na altura (revoltas do Katanga e do Kassai, além da situação nos Kivus).

Em “Mercenários S.A.”, de Philippe Chapleau e François Misser, há um capítulo sobre esse tema ("des affreux à la chimère de l'état mercenaire", “Bukavu – la chimère d´un État mercenaire”), do qual dou especial realce (pag.37):

“…Tudo começou em 1964, um ano depois do fim da secessão catanguesa.

Face à rebelião dos guerrilheiros mulelistas, os irredutíveis simbas (leões em língua swahili) dirigidos no Kivu por Laurent Kabila, (actual Presidente do Congo-Kinshasa), Tshombé, promovido a Primeiro-Ministro do Congo-Léopoldville, solicita o apoio dos seus velhos cúmplices – Mike Hoare, que Dénard considera como um homem da CIA, o próprio Bob, Schramme e Tavernier, que à cabeça do seu 14º Batalhão pacifica a região de Watsa.

Desta vez ainda os africanos têm um talismã.

No Batalhão Leopardo, testemunha Schramme, um homem da igreja ocupa-se com efeito do reconhecimento, um certo Louis O., missionário flamengo, um antigo da frente Oriental.

Os fieis Noddyn e Bracco continuam lá.

O coronel Vandewalle está no terreno conduzindo a Operação Ommegang em Stanleyville, onde milhares de expatriados são reféns dos simbas.

Antigos homens da Wehrmacht, como o major Sigfried Muller, condecorado com a Cruz de Ferro na frente russa, completam o efectivo.

Para coroar tudo, a CIA engaja pilotos cubanos anticastristas e comandos de marinha recrutados na África do Sul e na Europa.

A CIA procura vedetas para atacar a partir do Lago Tanganika os rebeldes de Kabila e cortar as suas linhas de abastecimento, indica uma obra colectiva prefaciada por Sean Mac Bride.

Para esse efeito a Agência recorre à sociedade-écran Western International Ground Maintenance Organization (WIGMO), baseada em Liechtenstein.

Na região encontra-se de tudo, inclusive jovens à procura de aventura e alguns psicopatas – Burlion recolhe testemunhos dos mercenários sobre a morte de rebeldes queimados vivos, ou de um soldado da fortuna que colecionava cabeças dos mortos… (Jacques Burlion autor de Moisés Tshombé abandonado).

O próprio Hoare tem um discurso desafiador e arrogante no regresso do Congo e numa entrevista ao quotidiano La Libre Belgique, de 15 de Dezembro de 1965 declarou – matar os comunistas é como matar vermes; matar os nacionalistas africanos é como matar animais; não gosto nem de uns nem de outros”…

Do outro lado do “front”, do lado dos simbas e de Laurent Kabila, esteve o Che e alguns dos combatentes cubanos que deram consistência às duas colunas do Che em África e às alianças em prol do Movimento de Libertação, formando a linha da frente progressista e informal de então (1965), contra a internacional fascista que na altura era tremendamente poderosa.


Tenho muitos depoimentos do próprio Comandante Che Guevara (nome de código em África, em swahili, Tatu) sobre essa saga, mas vou aqui citar Victor Dreke (nome de código em África, em swahili, Moja), que recentemente deu uma entrevista a propósito numa Mesa Redonda da Televisão Cubana:

“MISIÓN EN EL CONGO

De la colaboración de Cuba en África, y de la postura solidaria de la Revolución con ese continente, puede dar fe Víctor Dreke, uno de los protagonistas excepcionales de varias misiones.

Durante la noche del 31 de marzo de 1965, horas antes de salir para el Congo –de lo cual el compañero Osmany Cienfuegos es testigo-, tuvimos un intercambio con el Comandante en Jefe y con el Che, en el que Fidel nos explica la situación de África. Y aunque era lógico que teníamos que cuidar al Che, el Comandante nunca nos lo dice explícitamente, porque cuando tú vas con alguien de esa altura eso no hay ni que decirlo. Fidel se detiene a hablarnos de grandes cosas de África, que eran aristas que yo no conocía.

Tampoco nadie en el Congo imaginaba que el Che iba a ir. Por eso cuando llegamos a Tanzania,  quien nos espera se queda impactado con el hecho de que era el Che quien estaría al frente de la misión personalmente.

De África no sabíamos mucho. Los libros sobre ese continente quienes los escribían eran los capitalistas, y daban la impresión de que ellos eran unos salvajes. Por eso fue muy reveladora esa vivencia.

Entre las anécdotas que compartió, estuvo que ninguno de los cubanos allí en el Congo identificó al Che. Y cuando se supo, muchos quedaron realmente impresionados con esa certeza.

Benigno dijo muchas cosas, porque él coge noticias de cosas que pasaron en el Congo, a partir de lo que el Che explicaba de los errores que cometimos. Pero él nunca estuvo allí. Además, es mentira que el Che no estuvo en algún momento junto a la tropa, de hecho, cuando él lo refiere, el Che estaba enfermo gravemente de paludismo y con asma. Creíamos que moría y aún así dijo que no salía. Yo tenía una situación compleja porque no lo podía dejar morir. La decisión fue tratar de curarlo. Pero el Che hasta perdió el sentido. Si el Che viviera hoy, las interpretaciones sobre esa experiencia serían diferentes.

Han pasado los años, y yo creo que esa fue la historia de una experiencia y no de un fracaso, porque nosotros no conocíamos África, y eso no quiere decir que engañaron al Che. Qué se dio allí, que cuando se hizo la exploración se vio a un grupo de armas, y vestidos, todos los negros son bastante parecidos, y los vieron armados. Nosotros logramos con las acciones ver lo que realmente tenían. Esa fue una experiencia de cosas que no conocíamos. Pero el Che a lo negro le decía negro, no andaba con medias tintas. Tenía la moral de lucha que cuando se equivocaba, decía que se equivocaba y si tú tenías la razón lo admitía, pero no te andaba pasando la mano por la cabeza.

Además, dentro de ellos mismos –los congoleses- salen muchos que traicionan. Ellos no se acabaron de unir. Pero el Che era el jefe de los cubanos, y llegó un momento en el que estaba prácticamente aislado. Nos pidió seleccionar 15 hombres, pero no se quiso ir. Queríamos que saliera porque el Movimiento de Liberación había planteado el fin de la guerra y dijeron que iban a resolver sus problemas sin el apoyo de ninguna otra fuerza. Pero los cubanos salimos en zafarrancho de combate, y los belgas se quedaron allí.

Dreke hizo énfasis en que en esa misión ni Fidel ni Raúl abandonaron al Che, hubo momentos en los que faltó la comunicación y ahora uno fácilmente puede juzgar la historia, porque hay celulares…, pero en aquellos momentos no era fácil la comunicación con Cuba. No obstante, este país jamás abandonó a África. Prueba de ello es que después regresé al frente de un grupo a Guinea Bissau.

Hay un combate del cual se habla mucho. Ahí perdimos a 4 compañeros en una emboscada, pero se trata de solo uno de los combates. Nosotros reforzamos la crítica de la pérdida, pero no fue la debacle. Sin embargo, no sabíamos cómo llegar, porque qué le decíamos a Fidel. Cuando nos despedimos en Tanzania, el Che se va con Papi Villegas, y yo me digo qué le digo a Fidel. Aragonés venía con nosotros. Pero yo formé esa tropa y llegué con el Che allí, pero Fidel nos recibió y no nos castigó, y nos dio una explicación de la situación.

Para Dreke, el Che llegó a África con la idea de lograr la unidad. “Nosotros también pasamos por el problema de la unidad, y él lo vivió. Los que tenemos cierta edad sabíamos que habían personajes. Pero la estrategia permitió dar un giro a esa problemática, y el pueblo fue reconociendo tempranamente a sus verdaderos líderes. Una demostración de ello fue cuando, en el Estadio del Cerro, Fidel se quedó sin voz en medio del discurso en el que explicaba todo lo relacionado con la intervención de los centrales, el pueblo espontáneamente pidió que siguiera Raúl, y ese respeto él se lo ganó con su moral, no porque era el hermano de Fidel.

Ante la pregunta de por qué se hizo revolucionario, respondió que por tres condiciones fundamentalmente: por ser cubano, joven y negro. Y esas singulares razones han sostenido el destino de Víctor Dreke, un combatiente que ha puesto su vida al lado de las mejores causas de su patria.”

A consultar de Martinho Júnior: 
Eleições na letargia duma colónia periférica – http://paginaglobal.blogspot.com/2013/10/eleicoes-na-letargia-duma-colonia.html
Neocolonialismo em brandos costumes e dois episódios – http://paginaglobal.blogspot.com/2017/03/neocolonialismo-em-brandos-costumes-e.html
Portugal à sombra de ambiguidades ainda não ultrapassadas – I – http://paginaglobal.blogspot.pt/2017/04/portugal-sombra-de-ambiguidades-ainda.html
Portugal à sombra de ambiguidades ainda não ultrapassadas – II – http://paginaglobal.blogspot.pt/2017/04/portugal-sombra-de-ambiguidades-ainda_30.html

Outras fontes:
Lista de entidades do “Le Cercle” – https://isgp-studies.com/le-cercle-membership-list
La guerra secreta en Portugal – http://www.voltairenet.org/article170116.html

Imagens: Capa do livro “ALCORA – o acordo secreto do colonialismo”; capa do livro “Mercenaires S.A.”; mapa da primeira linha da frente progressista e informal (Dar es Salam – Kvu – Brazzaville); mapa que ilustra a área afecta aos rebeldes simba no Congo (1964); capa do livro“Pasajes de la guerra revolucionaria: Congo”.

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