P.e Gustavo Fernandes, que tem trabalhado na área do património religioso da Diocese de Aveiro, Vítor Serrão, Hugo Cálão (historiador e conservador que moderou o encontro) e Sandra da Costa Saldanha |
Há muitas ameaças sobre o património religioso. As comunidades cristãs têm de as conhecer. E é preciso aprender a ler a arte sacra.
“É difícil fazer chegar a mensagem às comunidades”, afirmou Sandra da Costa Saldanha, na tertúlia sobre cuidar do património religioso, que decorreu no dia 28 de junho, no Centro Universitário Fé e Cultura (CUFC), promovida pela Comissão Diocesana de Cultura. A diretora do Secretariado Nacional para os Bens Culturais da Igreja, organismo dependente dos bispos portugueses, elencou diversos perigos que pairam sobre o património religioso, que consiste em grande parte nos templos de culto e no que está no seu interior. Mas primeiro congratulou-se pela evolução qualitativa do trabalho realizado neste campo nos últimos anos.
Quanto aos perigos, sem pretender fazer da tertúlia um ateliê sobre conservação, Sandra da Costa Saldanha elencou-os porque é necessário “vigiar, proteger, cuidar” e porque “há sempre formação a fazer, reformular, refrescar”. Eis alguns, muitos deles relacionados com a “ornamentação ostensiva dos espaços”: “ter cuidado com as flores nos altares, porque podem transmitir fungos e bactérias” às peças e imagens, principalmente se foram de madeira; ter cuidado com a exposição solar sobre esculturas, pinturas e altares; ter cuidado com as velas, por razões de segurança e porque a cera pode estragar objetos e o fumo escurece telas; ter cuidado com os circuitos elétricos por razões de segurança e de integridade dos espaços; tratar dos arrumos, principalmente da sua salubridade.
Sandra da Costa Saldanha, que é também professora universitária na área da arte e do património, alertou que “um mau restauro pode ser pior do que um furto” e afirmou várias vezes que a Diocese de Aveiro tem vindo a fazer um trabalho meritório no que diz respeito à conservação da arte sacra.
O historiador de arte Vítor Serrão realçou que “toda a obra de arte é sacra, sempre – ou não é arte”. Na sua perspetiva, a obra de arte, mesmo profana, encarna e veicula um “diálogo espiritual”. O historiador defendeu um rigoroso “registo inventarial” de todas as obras de arte, mesmo da arte popular como os ex-votos (geralmente pinturas que se ofereciam a um santo como agradecimento da promessa) e lamentou as “atitudes iconoclastas, ainda que inconscientes”. A iconoclastia é a destruição de imagens ou outras obras de arte como esculturas e templos, praticada por fundamentalistas de modo consciente, mas também por católicos, certamente de modo inconsciente, quando deitam abaixo uma igreja para construir outra.
D. António Moiteiro, encerrando a sessão, referiu que o “património cristão é mais do que obra de arte”, porque é algo que “ajuda a ler” a mensagem cristã. É, segundo as suas palavras, “uma beleza que leva à outra beleza, que é Deus”. Neste sentido, as recentes obras da capela do Seminário de Nossa Senhora da Conceição, em Braga, tão elogiadas por tantos e também por Vítor Serrão, podem ser criticadas, pois muitos dos seminaristas e padres que rezaram no templo anterior, noutra organização dos espaços e perante outras imagens, não se reveem nas mudanças. As anteriores mediações do divino foram destruídas. Vitor Serrão ficou um pouco perplexo ao dar-se conta na tertúlia de que em Braga tinha havido iconoclastia.
Fonte: Correio do Vouga
Julho 7, 2017
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