O jovem Keisuke Matsumoto resolveu escrever um livro sobre os hábitos de faxina diária dos monges e virou um autor de sucesso. O seu “Manual de Limpeza de um Monge Budista”, disponível em Portugal na Fnav, entrou na lista dos mais vendidos no Japão, na Espanha e na Itália. Foi um dos livros mais delicados que li nos últimos tempos. Parece auto-ajuda, mas chega perto da poesia.
A sua força está concentrada na crença budista de que fazer limpeza remove a sujidade do espírito. A orelha do livro já anuncia: um dos discípulos de Buda encontrou o nirvana enquanto estava varrendo. Simples e profundo, Keisuke Matsumoto explica aos poucos a relação entre o ambiente e o espírito. Por exemplo: ele aconselha lavar imediatamente cada louça suja, da mesma forma que devemos expulsar todo pensamento ruim assim que ele chega, para que não encontre morada.
Acumular louça na pia e coisas por arrumar na casa só torna as tarefas mais pesadas pelo volume de trabalho e perturba o espírito. A rotina de limpeza dos monges é de um pouco por dia. “Cada segundo de limpeza é de pleno significado”, diz. E justifica, com tranquilidade, página por página.
O que impressiona neste livro tão delicado é que ele leva-nos a um estado de paz de espírito ao longo da leitura. Quase uma meditação. Logo no começo, ele sugere que as janelas sejam sempre abertas pela manhã para que o ar puro limpe a casa com o fresco de cada estação. A descrição é tão bonita que é quase possível sentir uma lufada de vento japonês no rosto. A relação com os objectos em redor também merece atenção do autor. O minimalismo é levado a sério.
Ele sugere que tenhamos apenas “objectos de qualidade excelente feitos mediante tempo e esforço. Ao tocar algo assim, toda energia concentrada no seu fabrico percorre o corpo e chega ao coração”. Lembrei imediatamente das rendas, do linho e dos bordados, das peças feitas com a força de uma tradição e que já estão deixando de existir, pouco a pouco, porque não cabem mais na pressa da vida ocidental.
O minimalismo que ele prega está centrado na crença de que precisamos de muito pouco para viver. Uma casa com menos objectos é mais fácil de limpar. Uma vida com excessos torna-se mais pesada. “Desapegue e terá o universo. É o vazio budista”.
Há tempos, venho pensando no resultado de sermos uma sociedade com tantas marcas de um regime escravocrata, acostumados a pensar nos serviços de casa como algo a ser feito somente por empregadas domésticas, como se limpar a própria casa diminuísse o valor de alguém. Associar a limpeza do ambiente com a cura do espírito faz absoluto sentido.
O efeito deste texto é quase literário porque tem o poder de transporte para uma vida em outro ritmo, tão diferente da nossa correria habitual, acumulando obrigações, objectos, cansaço. O “Manual de Limpeza de um Monge Budista” é sobretudo uma pausa. E uma forma de ver a rotina diária como possibilidade de meditação ou de iluminação, a depender da alma de cada um.
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