domingo, 27 de agosto de 2017

TRABALHO Risco de escravatura moderna está a aumentar em Portugal


Chegada de refugiados à Europa aumenta as probabilidades de exploração de indivíduos vulneráveis. Em Portugal, falha a aplicação das leis.
Agricultura é dos setores de maior risco de exploração de mão de obra migrante.
Agricultura é dos setores de maior risco de exploração de mão de obra migrante.
Portugal está entre os 20 países europeus onde aumentou o risco de escravatura moderna em 2017, de acordo com o relatório da consultora Verisk Maplecroft. Só que, enquanto a maioria dos países mal classificados viram aquele risco crescer devido ao acolhimento de refugiados e migrantes, no caso português é a inoperância das autoridades que deveriam fiscalizar o cumprimento das leis laborais, a par do aumento do trabalho temporário e dos relatos de servidão e tráfico humano, que colocam o país na categoria de risco médio de escravatura moderna.

De acordo com a consultora, três quartos dos países da UE pioraram a pontuação no índice devido “ao impacto da chegada cumulativa de população migrante vulnerável à exploração”. No caso de Portugal, o motivo do agravamento encontra-se nos “indicadores que avaliam a severidade e frequência de ocorrências”, reportando-se a “relatos de formas severas de escravatura moderna, incluindo trabalhos forçados, servidão e tráfico”.

Além disso, a classificação do país reflete “o aumento da pressão na capacidade de as autoridades fiscalizadoras da lei fazerem-na cumprir efetivamente” e neste parâmetro o país viu agravar o risco entre 2016 e 2017.

“Há relatos de vítimas de trabalhos forçados, incluindo migrantes da Europa de Leste e de África, explorados na agricultura, na construção e no turismo – todos setores de trabalho intensivo e de baixos salários”, refere fonte da Maplecroft, que associa também o aumento da atividade em empresas de trabalho temporário a maiores riscos de “escravatura moderna”, dado que é frequente terem salários inferiores aos de trabalhadores permanentes.

No ano passado, as 230 empresas de trabalho temporário registadas em Portugal faturaram 1,18 mil milhões de euros (+7,3% que em 2015). Mais de 84 mil pessoas trabalham através destas empresas, sendo os contact center os principais clientes deste setor.

Mafalda* “trabalhava aos dias no campo”, num concelho do Interior Norte. Quando surgiu a oportunidade de trabalhar num café, rejubilou. “Apesar de trabalhar dez ou doze horas por dia, chegava ao final do mês e tinha um ordenado”, recorda. Só que, em 16 anos, nunca teve folgas, férias ou descontos. Desempregada há dois meses, está “a desesperar por não conseguir arranjar trabalho” e nem sequer tem direito ao desemprego.

“Não tinha hora para almoçar ou fazer uma pausa para ir ao wc, das 10 às 17 horas. Trabalhei fins de semana, feriados, horas extra, sem ganhar um cêntimo a mais. Não tinha salário. Recebia comissões, a recibos verdes, com um máximo de 395€ ”, relata Maria*, que desistiu do emprego a vender brinquedos em centros comerciais. Ninguém deve trabalhar mais de cinco horas sem pausas e o salário mínimo nacional é obrigatório.

Mesmo com o curso de Dentista, Filipa* não escapou ao flagelo da “escravatura moderna”. Na clínica onde trabalha não tem salário e ganha apenas “1% daquilo que fizer aos pacientes”. Dalila* tem 16 anos e trabalhou nas férias na fábrica onde familiares têm emprego. O patrão disse que no fim faziam as contas e pagou-lhe pouco mais de 400€ por dois meses de trabalho. Bruno* trabalhou “320 horas em 19 dias, a fazer segurança a eólicas no Norte para uma empresa de Lisboa, sem ter local para pernoitar, tomar banho ou comer. Na hora de receber, pagaram apenas o salário correspondente às horas que legalmente poderia ter feito”. Ficaram a dever-lhe 800 euros.

A Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) abriu concurso, há cerca de meio ano, para acrescentar 83 inspetores aos cerca de 300 que possuía em 2015, ano em que esse efetivo realizou mais de 39 mil visitas inspetivas relativas a mais de 4,5 milhões de pessoas empregadas em mais de um milhão de empresas. No início da crise, em 2011, realizaram-se mais 56% de inspeções do que em 2015.

A ACT divulgou na sexta-feira o resultado da ação inspetiva concretizada entre janeiro e julho deste ano junto da Meo. Foram elaborados 124 autos de notícia que deram origem a 12 autos por assédio, 97 autos por violação do dever de ocupação e uma participação-crime por não pagar salário.

Tem dúvidas sobre a sua situação laboral? Nuno Cerejeira Namora responde aqui a algumas dúvidas mais frequentes sobre trabalho. *Nomes alterados a pedido das testemunhas.

Fonte: Dinheiro Vivo

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