Grupo Parlamentar
Exmo. Senhor Presidente
Comissão Parlamentar de Trabalho e Segurança
Social
Deputado Feliciano Barreiras Duarte
São Bento, 5 de julho de 2017
Assunto: Audição da Senhora Secretária de Estado da Segurança Social sobre Ação Social
e regras dos Acordos de Cooperação com asInstituições Particulares de Solidariedade Social
para garantir o acesso dos cidadãos mais carenciados às respostas sociais financiadas pelo
Estado
A cooperação entre o Estado e as instituições sociais assenta no primado do
estabelecimento de uma parceria, com partilha de objetivos, mediante a repartição e
assunção de obrigações e responsabilidades, com vista ao desenvolvimento de serviços,
respostas e equipamentos sociais para a proteção social dos cidadãos.
A Lei de Bases do Sistema de Solidariedade e de Segurança Social estabelece no seu artigo
5º que, a par das instituições públicas, designadamente autarquias, o sistema de Ação
Social pode ser desenvolvido por instituições particulares sem fins lucrativos. Para a sua
prossecução, o apoio desenvolve‐se, de acordo com a lei, “através de subvenções,
programas de cooperação e protocolos com as instituições particulares de solidariedade
social ou por financiamento direto às famílias beneficiárias”. De acordo com a
Constituição da República Portuguesa (nº 5 do artigo 63º), “o Estado apoia e fiscaliza, nos
termos da lei, a atividade e o funcionamento das instituições particulares de solidariedade
social e de outras de reconhecido interesse público sem caráter lucrativo, com vista à
prossecução de objetivos de solidariedade social”.
Nas últimas décadas, o número de IPSS tem crescido substancialmente, verificando‐se um
aumento significativo da rede solidária de serviços e equipamentos sociais financiados
através do Orçamento de Estado por via de Acordos de Cooperação, que garantem
respostas sociais para os cidadãos. De facto, mesmo em anos de contração do Orçamento
do Ministério do Trabalho e da Segurança Social (nomeadamente no período da
austeridade), a despesa com Acordos de Cooperação nunca cessou de aumentar,
ultrapassando desde 2012, pela primeira vez, os 1.200 milhões de euros. Na época, vale a
pena lembrar, privilegiou‐se os cortes nas prestações sociais contributivas (pensões e
subsídio de desemprego) e não contributivas (cortes consideráveis no Complemento
Solidário para Idosos e no Rendimento Social de Inserção, por exemplo).
Com o novo Executivo, a par dos passos dados no âmbito da recuperação de rendimentos
(designadamente via aumento do Salário Mínimo Nacional) e da reposição (ainda
incompleta) dos mínimos sociais, também a comparticipação financeira da Segurança
Social relativa ao funcionamento dos equipamentos e serviços sociais com acordo de
cooperação com instituições particulares tem aumentado. Em 2015, o valor foi de 1.351,5
milhões de euros, em 2016 foi de 1380,8 milhões. Para o ano de 2017, as verbas para estes
acordos de cooperação sofreram um acréscimo em 2,1% face ao observado em 2016,
atingindo o valor de 1471,2 milhões de euros orçamentados.
Ora, conforme o disposto na Lei de Bases da Segurança Social, o Estado, que apoia as
instituições particulares de solidariedade social, deve exercer “poderes de fiscalização e
inspeção sobre as instituições particulares de solidariedade social”, no sentido de garantir
o efetivo cumprimento dos seus objetivos sociais. Este papel fiscalizador do Estado é
essencial para assegurar a qualidade das respostas. Para além da qualidade e da extensão,
o cofinanciamento das respostas sociais por parte do Estado pressupõe ainda que as
instituições efetuem uma diferenciação positiva capaz de privilegiar o acesso das pessoas
com menos recursos. Cabe‐lhes também diferenciar a contribuição das famílias e as
mensalidades pagas pelos utentes.
Sucede que isso nem sempre acontece. Com efeito, há Instituições Particulares de
Solidariedade Social que recebem apoio do Estado mas não cumprem este desígnio,
privilegiando o acesso de pessoas mais ricas, violando princípios básicos de justiça social,
transformando num negócio lucrativo aquilo que deveria ser uma resposta social, ou
oferecendo respostas em que os direitos dos utentes e a qualidade dos serviços não se
encontram plenamente verificadas.
O modelo de cooperação que está em vigência consiste na transferência para as IPSS, por
parte do Estado, de um valor fixo mensal por utente, valor que é depois multiplicado pelo
número de utentes com acordo. É à instituição, e apenas a esta, que cabe a
responsabilidade de promover o acesso dos cidadãos mais vulneráveis e mais
desprotegidos, bem como a determinação dos montantes de comparticipação familiar.
Ora, como tem vindo a público, a ausência de regras explícitas nos Acordos de Cooperação
tem permitido práticas inaceitáveis por parte de IPSS que recebem apoios do Estado.
No caso dos Lares de Idosos, é o próprio presidente da União das Misericórdias
Portuguesas quem assume que idosos mais ricos passam à frente de idosos mais pobres
no acesso a estas respostas sociais comparticipadas pelo Estado: "Sim, isso acontece,
porque atualmente é a única forma possível de algumas Misericórdias terem os idosos
menos dotados financeiramente.”. De acordo com este dirigente, "não é nenhuma
imoralidade ou ilegalidade. Eu próprio tenho dito aos provedores para, depois de uma
avaliação da situação das pessoas, e em nome da nossa sustentabilidade, fazerem o
equilíbrio nas entradas. Ou seja, que deixem entrar um que tem mais posses e dois com
menos. É uma questão de equilíbrio".
No caso das creches, o problema parece ser ainda mais grave. Sendo a única limitação
legal para determinar os montantes a pagar pelas famílias o custo médio real do serviço
prestado, nada impede, legalmente, que uma IPSS cobre às famílias a totalidade das
despesas que tem com os utentes e receba ainda um subsídio mensal do Estado de 259
euros por criança, obtendo, assim, receitas superiores ao custo real dos serviços que
oferece à comunidade. Ao mesmo tempo, a inexistência de qualquer obrigação
relativamente a uma percentagem mínima de utentes de escalões mais baixos permite
que uma creche financiada pelo Estado possa, em teoria, não ter nenhuma criança de
origem social economicamente mais carenciada, muito embora as IPSS tenham o dever de
privilegiar as respostas a estes grupos sociais.
No caso das cantinas sociais, uma das medidas emblemáticas do anterior Governo
PSD/CDS, o relatório de avaliação da medida revelou que a distribuição dos acordos não
tinha relação com critérios de carência económica, que o número de refeições era
excessivo nuns sítios e deficitário noutros, que não havia controlo nem fiscalização por
parte do Estado. Na realidade, a divergência entre a distribuição territorial das cantinas
sociais e a distribuição territorial de população em situação de carência económica
indicava que eram outros os critérios que presidiam à atribuição de financiamento –
critérios injustificados do ponto de vista da justiça social.
O Governo fez publicar, no dia 7 de março de 2017, a Portaria n.º 100/2017, através da
qual se criou o Programa de Celebração ou Alargamento de Acordos de Cooperação para
o Desenvolvimento de Respostas Sociais (PROCOOP). De acordo com esse diploma, “o
PROCOOP tem como objetivos a introdução de critérios e regras de hierarquização e de
seleção das candidaturas transparentes e objetivas”. Acrescenta‐se ainda que “os critérios
de seleção assentam em indicadores de planeamento territorial, de cobertura local ao
nível da cooperação, de adequação do número de utentes com acordo face à capacidade
instalada na resposta social e de sustentabilidade económica e financeira das
instituições”. O objetivo deste Programa era justamente “assegurar que a concessão de
apoios financeiros do Estado às entidades do setor social e solidário, consubstanciada no
aprofundamento da Rede de Serviços e Equipamentos Sociais (RSES), é efetuada de forma
objetiva e transparente, visando o alargamento e diversificação da oferta de respostas
sociais, direcionadas em particular às pessoas e grupos mais vulneráveis”.
Na sequência desta Portaria, foi assinado a 3 de maio de 2017 um compromisso de
cooperação para 2017/2018, subscrito pelo Governo e pela União das Misericórdias de
Portugal, pela Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade e pela União das
Mutualidades Portuguesas. Mas apesar de ter estado previsto que, no quadro deste
compromisso, se reforçasse “o princípio da diferenciação positiva enquanto pilar do
modelo de cooperação”, o facto é que, até à data, não houve nenhum avanço nesta matéria.
De facto, tem havido um conjunto de obstáculos que têm impedido regras mais claras que
garantam os direitos dos cidadãos e o primado da justiça social na prestação destas
respostas sociais financiadas pelo Estado.
Assim, no sentido de esclarecer a fiscalização relativamente ao cumprimento dos Acordos
de Cooperação, bem como as diligências do Governo para garantir que a oferta de respostas
sociais financiadas pelo Estado e prestadas pelas IPSS respeitam critérios de qualidade e
chegam efetivamente às pessoas e grupos mais vulneráveis, o Bloco de Esquerda requer a
audição da Senhora Secretária de Estado da Segurança Social na Comissão de Trabalho e
Segurança Social.
O Deputado do Bloco de Esquerda
José Soeiro
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Apresentação do Mapa de Sessões de Colheitas de Sangue a realizar no ano de 2018 no Posto Fixo da ADASCA em Aveiro
Todas
as formas de divulgação
possíveis são bem-vindas!
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