Quem parte para uma negociação deve estar preparado para perdas e para ganhos. Se assim não fosse, decidia-se sozinho e não se gastava dinheiro com águas e bolinhos de bacalhau. Dito desta forma, entende-se melhor que a Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP) alcance êxito numas pretensões e não obtenha noutras.
Mas não concordo que se inicie uma negociação, dizendo, à partida, que o apoio às populações nunca estará em causa, dizer isso no início é reduzir as negociações à importância zero e condená-las ao fracasso, mesmo que se pense tal coisa, nunca se diz.
Depois, parece-me haver uma avaliação presunçosa e vaidosa da LBP, no comunicado difundido, e que resulta do erro estratégico do seu posicionamento neste processo negocial.
A LBP terá obtido garantias do Governo para o alargamento das EIPs, muitas delas viradas para as pataletas, sem ganhos para a emergência, não fechemos os olhos a isso, ao aumento da compensação das ECINs. Garantias de que o governo foi receptivo ao cartão Frota para abastecimento de viaturas do DECIF, receptivo ao adiantamento de verbas para a alimentação, à revisão da forma de comparticipação da recuperação das viaturas, sem dizer como.
Garantias da Directiva Financeira, que há-vir, mas já se acredita que vai servir. Convém não esquecer o episódio ridículo do ano passado, de pura gozação, quando a Directiva foi a parecer da LBP, e afinal, já estava homologada, isto é, antes de o ser já o era. A LBP fez figura de corpo presente. E, ao que parece, sem consequências, que somos todos boa gente e com a idade a memória vai piorando.
O dinheiro é importante, sem ele as Associações vivem em sufoco, no período mais crítico dos IFs é um drama, eu fui presidente 25 anos e sei bem o que a casa gasta, não falo por falar nem falo de barriga cheia. O governo compromete-se com as questões financeiras, e mesmo nessas, em termos muito equívocos, “reconhece”, “é receptivo”, “compromete-se”, “espera-se”.
Tudo espremido, nada de concreto e garantido.
Acontece que a questão central não é essa, a questão essencial é saber qual o papel que fica reservado, no futuro, aos Bombeiros, no combate aos incêndios florestais (IF). Se vão ser o forcado da cara ou se vão ser o rabejador. Se pegam o touro, o fogo, de caras, no ataque inicial e no ataque ampliado, ou se ficam para evitar que o touro, o fogo, invista sobre as pessoas e as casas quando outros o largarem. Se os bombeiros vão ser secundários no combate aos IF, e porquê.
E é aí que a LBP tem que bater o pé, “obrigando” o governo a definir-se. Antes disso não há vitórias. Falar de vitórias, neste momento, é uma escorrência. Porque, pelo que se ouve, e ainda ninguém responsável o desmentiu, os bombeiros voluntários ficarão com a defesa de pessoas e casas e os profissionais com o combate aos IF.
Para isso, o governo recrutou 500 elementos para os GIPS da GNR, 100 para o SEPNA e 200 para as FA, e mais não sei quantos sapadores, já lhes perdi o conto.
Não nos iludamos, o governo quer profissionalizar o combate aos IF, com gente que se insira, inequivocamente, na sua estrutura hierárquica e de comando. E não o podendo fazer num ano, vai fazendo aos poucos, e quando tiver as forças profissionais bastantes – GIPS, FEB, Sapadores, SEPNA – descarta os bombeiros voluntários com a mesma hipocrisia com que hoje os elogia e incensa.
Se tal vier a acontecer, estaremos na presença da mais desavergonhada descaracterização da matriz fundacional dos bombeiros portugueses.
Esta é a verdadeira questão, para a qual deverão encontrar-se respostas urgentemente. O resto, desculpem-me, os amantes das “bejecas” e não só, são amendoins, tremoços e miúdos de frango.
E a LBP que se cuide, porque depois pode ser tarde demais e pode não haver desculpas para a distracção.
Longe vão os tempos em que se exigia um presidente oriundo dos bombeiros, e aceitámos que o não fosse, depois contentámo-nos com o Comandante Nacional oriundo dos bombeiros, agora já nos satisfazemos com os adjuntos nacionais e nem nos coçamos de raiva. E nos CDOS, já nos alegramos com os adjuntos de operações e de planeamento. Não basta o governo dizer que os bombeiros são “fundamentais e imprescindíveis” na Protecção Civil e que está disponível para publicamente o reconhecer e afirmar.
Essa conversa é música de violino e tem teias de aranha, que já nos enredou a todos. E saltar prazos de 28 de Fevereiro e 30 de Março, está-se a empurrar o problema com a barriga e quando a barriga é avantajada, mais se adiam os problemas e se esquecem as soluções.
Se o governo confia, de facto, nos bombeiros portugueses e os tem como imprescindíveis e aposta na profissionalização, porque não cria os bombeiros florestais, vocacionados para a prevenção e para o combate, investindo nessa opção, aproveitando recursos humanos, formativos, financeiros e materiais?
Dito isto, julgo que a LBP, após as negociações, que ainda decorrem com o governo, fez a festa, deitou os foguetes e apanhou as canas. Oxalá que nenhum foguete lhe rebente nas mãos.
Rebelo Marinho
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