segunda-feira, 2 de março de 2020

Braga: Carro com quilometragem alterada, stand não assume, tribunal diz que não é crime

Advogado do queixoso avisa que decisão judicial é perigosa
Um caso de suposta fraude na quilometragem de um veículo usado, vendido por um stand em Braga, foi arquivado pelo Tribunal de Instrução de Braga. Uma decisão controversa: o advogado do queixoso, João Magalhães diz que se trata de uma decisão “perigosa”, já que, se se tornar jurisprudência, todos os vendedores de automóveis vão poder alterar os quilómetros dos carros, sem serem penalizados. “Os stands já estão a esfregar as mãos de contentes. Podem enganar os clientes que tal não é crime”, lamenta.

Já o jurista João Ferreira Araújo, que defendeu o stand, disse a O MINHO que “o Tribunal não podia ter decidido de outra forma, já que não se provou quem falsificou o contador, nem que houve qualquer fraude quantificável, como a lei determina”.

O veículo, um Renault Megane, foi comprado em maio de 2018 por 10.300 euros e, poucos meses depois, em novembro, no regresso de uma viagem a Bragança o motor partiu-se. Quando foi adquirido, o stand assumiu que a viatura tinha 200 mil quilómetros mas o comprador pensa que tinha bastante mais. A reparação custou 17 mil euros, conforme fatura que consta no processo, e o vendedor não quis assumir o custo.

A queixa tinha sido arquivada pelo Ministério Público de Braga, mas a advogada Maria Sequeira, do escritório de João Magalhães, pediu a instrução do processo, e o julgamento do stand e do seu proprietário.
Importado

No requerimento de instrução, a jurista referia que o veículo, em novembro de 2015, possuía 187 mil quilómetros. Foi importado da Alemanha por uma firma de Matosinhos e, no processo de legalização, em maio de 2016, indicava 166 mil quilómetros.

A advogada diz que o stand “tinha perfeito conhecimento de tal factualidade e como tal, agiu para se eximir às responsabilidades que poderiam advir, na tentativa de enganar e burlar o comprador, o que veio a lograr”.

“Torna-se de fácil assunção a existência de uma situação de falsificação da quilometragem de tal veículo”, argumentou, pedindo que fossem acusados dos crimes de falsificação de notação técnica e de burla.

No caso da burla, a jurista argumenta que o processo de venda envolveu duas empresas do mesmo dono, e que, a que passou a fatura, entrou em insolvência precisamente para não assumir responsabilidades.
Juíza diz que não é crime

Estas duas teses não colheram junto da juíza, a qual no final do debate instrutório, concluiu que “não tendo os arguidos intervido no processo de legalização em Portugal, não lhes pode ser atribuída qualquer responsabilidade nessa conduta, como bem salienta o despacho de arquivamento do MP”.

“Tem sido considerado pela jurisprudência que tal conduta não integra a prática de crime de falsificação de notação técnica como pretende o assistente”, escreve a magistrada, sublinhando que, “no caso em apreço e estando em causa um veículo automóvel, facto juridicamente relevante seriam os elementos de identificação do mesmo, tais como dos números de matrícula, da carroçaria e do motor, elementos estes que embora oriundos de entidades particulares, têm por lei uma força probatória equivalente à dos documentos públicos”.

E prosseguindo, afirma: “o objetivo principal que presidiu à criação deste tipo legal de crime (falsificação de notação técnica), para além da proteção aos dados que de forma total ou parcial são automaticamente processados por aparelhos, foi igualmente a segurança e credibilidade no tráfico jurídico-probatóriovia”.

Ou seja, falsificar números de matrícula, do motor ou do chassis é uma prática que configura aquele crime, enquanto que a falsificação do número de quilómetros não o é.

Sobre a existência de fraude, diz que “o crime está no engano astuciosamente provocado pelo agente, com intenção de obter enriquecimento ilegítimo, ou seja, crime está na “burla”, enquanto meio de obter um proveito económico e causar o correspondente prejuízo, enganando a vítima. O problema é que no presente caso, nem sequer o prejuízo do assistente está objetivamente demonstrado, nem quantificado (ou o lucro ilegítimo dos arguidos apurado)”.

Fonte: O Minho

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