terça-feira, 26 de maio de 2020

São Felipe Neri, Fundador do Oratório

Plinio Maria Solimeo
ABIM

Os santos são modelos para nós. Pela sua vida eles nos ensinam de modo concreto como servir a Deus e praticar a virtude.
─ Que lição especial nos dá São Felipe Neri?
Esse jovial santo italiano nos ensina a “servir o Senhor com alegria” (Salmo 99,2).

São Felipe nasceu em Florença em 1515

Pelo seu caráter amável, São Felipe foi chamado o “santo da alegria” ou “o jogral de Deus”. Ele é o padroeiro da santa alegria. Assim, ele pode ser nosso poderoso intercessor quando estivermos acabrunhados pelo peso da vida ou nos períodos de tristeza ou depressão — infelizmente tão frequentes nos difíceis dias em que vivemos. E também nos períodos de aridez espiritual a que estão sujeitos os homens, como uma provação a ser vencida para merecerem a recompensa celeste.

Primeiros anos de “Pippo Buono”

Segundo filho de Francisco Neri e Lucrecia da Mosciano, Filippo Romolo Neri nasceu na bela cidade de Florença, na Toscana. O casal tivera já uma filha, Catarina, nascida dois anos antes, e teria depois Elizabetta (ou Isabel), três anos mais nova. Outro filho, Antonio, morreria em tenra idade. Felipe foi batizado na igreja de São Pedro Gattolino no dia seguinte ao seu nascimento.

Francisco, modesto tabelião, era bom católico. Sua família havia sido nobilitada no serviço do Estado, por ter exercido durante gerações funções de relevo na cidade.

Felipe contava apenas cinco anos quando perdeu sua mãe, mas encontrou na madrasta, Alexandra de Michele Lensi, uma digna sucessora que o amou como filho.

O menino era tão amável, jovial e terno, que logo se tornou conhecido como Pippo Buono, “o bom Felipinho”. Sua bondade de coração e sua amabilidade eram contagiantes. Permeadas pela graça divina, elas se tornariam o grande segredo de suas conquistas apostólicas.

Sua irmã Isabel, testemunhando no processo de beatificação do irmão, afirma que ele “jamais causou desgosto a seu pai, nem fez algo pelo qual ele o repreendesse (exceto por uma zanga feita uma vez à sua irmã). […] Era pacífico, e jamais se zangou; era alegre [‘brincalhão’, dizia ela numa primeira declaração], máxime com a madrasta, e era manso e paciente”.(1)

Aventuras dos tempos infantis

Felipe aprendeu as primeiras letras com um professor chamado Clemente, que lhe ensinou a ler, escrever e contar.

De sua primeira infância restam-nos dois episódios, narrados pelos seus primeiros biógrafos. Quando Pippo tinha cerca de oito anos, querendo certa vez silêncio para poder refletir sobre algum assunto que lhe viera à mente, começou a ser perturbado por sua irmã. Eles se encontravam no alto de uma escada. O menino não teve dúvidas: deu-lhe um empurrão e ela rolou escada abaixo.

O outro fato é apresentado pelos seus biógrafos. Quando Felipe tinha mais ou menos essa mesma idade, foi brincar num terreno perto de sua casa. Vendo ali uma mula carregada de frutas que alguém trouxera para vender, não hesitou um instante: pulou na garupa da besta para fazê-la cavalgar. Assustada, a mula desequilibrou-se, rolando com a carga e derrubando o menino. Quando os pais e vizinhos acorreram, pensando encontrar morto o imprudente cavaleiro, viram-no ileso e sorrindo devido àquela aventura.

Felipe estudou depois no convento dominicano de São Marcos, na sua cidade natal. Mais tarde dirá que devia muito do seu progresso intelectual a dois professores daquela casa religiosa, Frei Zenóbio de Medici e Frei Servanzio Mini.

Falta de tino comercial, mas senso do divino

Aos 18 anos Pippo foi enviado à casa de seu “tio” (primo-irmão do pai) Bartolomeu Romolo, na vila de São Germano, aos pés do Monte Cassino, para iniciar-se na carreira de comerciante. Ganhou a confiança e a afeição do tio, mas, “apesar de se dedicar com empenho ao negócio, suas cogitações estavam muito acima das mercadorias com que tratava. Logo se viu que ele não tinha tino comercial, mas senso do divino. Apenas terminado o trabalho do dia, Pippo se retirava para uma igreja ou um oratório, abundantes na Itália. Servia-se também do emprego para fazer apostolado, perguntando aos fregueses se sabiam o Pai-Nosso ou se haviam feito a Páscoa. O tio comentava: ‘Felipe nunca será um bom comerciante. Eu lhe deixaria toda a minha herança, se não fosse essa mania de rezar’. Para Felipe isso não era ‘mania’, mas necessidade. ‘Nada ajuda mais o homem do que a oração’, dirá mais tarde”.(2)

Um dos locais preferidos de Felipe era uma “capela de montanha pertencente aos beneditinos de Monte Cassino, construída sobre a baía de Gaeta, na fenda de uma rocha que, segundo a tradição, fendera-se na hora da morte de Nosso Senhor”.(3)
São Felipe promoveu a música e a pintura como um meio de formação de seus jovens

Peregrinação à Cidade Eterna

Em 1534, com 20 anos incompletos, movido por um impulso sobrenatural, Felipe partiu para Roma como peregrino, na mais completa pobreza. Não comunicou sua resolução aos pais nem a qualquer outro parente.

Na Cidade Eterna ele procurou Galeotto Del Caccia, um aristocrata seu conterrâneo e aduaneiro, que pagava as aulas ministradas por Felipe a seus dois filhos com pousada e uma renda em farinha, que Pippo transformava em pão para seu sustento.

Seu quarto na casa desse aristocrata — talvez por escolha do próprio hóspede — era um cubículo, tendo como únicos móveis um leito, uma pequena mesa e uma corda presa à parede para pendurar suas roupas.

Felipe destinava quase todo o seu tempo livre à oração. Sua vida era tão pura e edificante, que logo chamou a atenção, começando sua fama de santidade a espalhar-se por Roma, chegando até Florença. Quando falaram dele à sua irmã Isabel, esta ponderou: “Isso não me surpreende. Desde seus primeiros anos, vendo suas virtudes, eu podia já conjecturar que ele se tornaria um grande santo”.(4)

Prosseguimento de seus estudos

Após dois anos de vida reclusa, Felipe, movido pelo Espírito Santo, resolveu recomeçar seus estudos, cursando filosofia no Estudo Geral dos agostinianos. Alguns de seus mestres participaram ativamente no Concílio de Trento. Cursou também teologia na Universidade La Sapienza. Contudo, segundo um seu moderno biógrafo, esse curso foi de pouca duração, pois, como explica seu discípulo cardeal César Barônio, “toda a organização acadêmica do tempo, o sistema escolástico, era-lhe áspero: as disciplinas filosóficas eram para ele verdadeiras cadeias, das quais logo decidiu livrar-se. […] Dir-se-á, em seguida, que o fato de abandonar o estudo se dera pelo quotidiano encontro na aula, de um grande crucifixo, que o comovia até às lágrimas”.(5)

Outros afirmam que, em 1538, quando Felipe julgou que tinha aprendido o suficiente, vendeu seus livros para socorrer os pobres. Foi assim que ajudou um jovem sacerdote calabrês e futuro cardeal, Guilherme Sirleto, que estava em dificuldades.

Entretanto, “embora nunca mais tenha estudado com regularidade, sempre que chamado a dar o seu parecer, apesar de sua habitual reticência, [Felipe] surpreendia os mais eruditos pela profundidade e clareza de seus conhecimentos teológicos”.(6)

Com efeito, “até seus últimos anos ele discutia as questões mais elevadas e mais subtis com a mesma facilidade e erudição daqueles que consagram sua vida ao estudo. Ele não se esqueceu das controvérsias mais importantes, e espantavam-se ouvi-lo repetir com exatidão os sentimentos dos doutos sobre essas questões, e os raciocínios nos quais se apoiavam”.(7)

Despojando-se de seus livros, Felipe conservou apenas dois: a Suma Teológica e a Bíblia. Ele julgava Santo Tomás “o teólogo por excelência”, e sempre, em suas controvérsias, apoiava-se no Doutor Angélico.

Foi provavelmente durante o ano em que era tutor dos filhos de Caccia que ele escreveu a maior parte de suas poesias, tanto em latim quanto em italiano. Infelizmente, elas não passaram para a posteridade, pois Felipe, antes de morrer, queimou todos os seus escritos, só restando uns poucos sonetos. Isso explica também a nossa pobreza de material de seu próprio punho, que pudesse nos transmitir mais fielmente o seu pensamento.

Apostolado com os pobres e doentes
O santo atendendo confissões

Felipe viveu 17 anos como leigo, sem pensar em ordenar-se sacerdote. Tendo conseguido juntar um pequeno pecúlio para atender às suas parcas necessidades, entregou-se totalmente ao apostolado com os doentes e os pobres, o que lhe valerá mais tarde o título de “Apóstolo de Roma”.

Foi por isso que ele passou a frequentar os hospitais da Cidade Eterna, em particular o Hospital de São Tiago dos Incuráveis, onde se inscreveu na confraria de Santa Maria da Purificação para assistência dos enfermos. Embora ainda leigo, a par da assistência material, ele prodigalizava a todos a esmola da palavra divina.

Ao mesmo tempo o santo começou a fazer a Visita das Sete Igrejas (São Pedro, São Paulo extra-muros, São Sebastião, São João de Latrão, São Lourenço extra-muros, Santa Maria Maior e Santa Cruz de Jerusalém), antiga forma de piedade popular que depois legou ao Oratório.

Felipe frequentava a igreja de Santa Maria da Estrada, dos primeiros jesuítas, onde conheceu Santo Inácio de Loyola. Consta que esse santo o teria querido entre os seus, para enviá-lo às Índias. Mas Felipe não quis entrar na Companhia, aguardando os desígnios da Providência. Entretanto, como enviava muitos recrutas para a recém-fundada Companhia de Jesus, Santo Inácio dizia que Felipe era como um sino, que chamava os demais para entrar na igreja, mas ficava sempre de fora…

O grande milagre de Pentecostes

No ano de 1544, no qual, segundo Felipe, teria início a sua “conversão” — entenda-se uma entrega mais decidida ao serviço de Deus —, ele rezava ao Espírito Santo na catacumba de São Sebastião quando se deu o grande milagre de Pentecostes, que ele próprio narrou ao cardeal Frederico Borromeu.

Isso ocorreu do seguinte modo: um pouco antes da festa de Pentecostes daquele ano, depois de uma aparição de São João Batista, “golpeou-o um ímpeto de ardor, uma irrupção do Espírito Santo, que o fez cair por terra e marcar seu corpo”.(8)

Sobre isso, afirmou seu médico, Vittori: “Dizia-me que, aos 30 anos, estava com grande fervor, e pedia ao Espírito Santo que lhe desse um cúmulo de espírito; e me disse que lhe fora dado tanto, que o lançou por terra. Ao levantar-se, sentiu elevado o peito e uma contusão por dentro, a qual durou enquanto viveu”.(9)

. Seu segundo biógrafo, Pietro Giacomo Bacci, assim descreve o sucedido: “Quando ele estava com o maior empenho pedindo os dons do Espírito Santo, apareceu-lhe um globo de fogo que entrou em sua boca e alojou-se em seu peito; em seguida ele ficou tomado com um tal fogo de amor que, incapaz de suportá-lo, atirou-se ao solo e, como alguém tentando refrescar-se, despiu seu peito para de algum modo moderar a chama que sentia. Quando permaneceu assim por algum tempo e recuperou-se um pouco, levantou-se cheio de inusitada alegria, e imediatamente todo seu corpo começou a tremer violentamente; e, pondo sua mão no peito, sentiu no lado de seu coração um inchaço grande como o punho de um homem, mas nem então, nem depois isso provocou a mais leve dor ou ferida”.(10)

O impacto divino quebrou-lhe duas costelas 

Quando, depois de sua morte, os médicos examinaram seu corpo, viram que o coração estava dilatado — em decorrência de um subito impulso de amor! — e, a fim de que ele tivesse espaço suficiente em seu peito para mover-se, haviam-se quebrado duas costelas, que ficaram com a forma de um arco. Um dos médicos, Andréa Cesalpino, que fez a autópsia, declarou: “Percebi que as costelas estavam rompidas naquele ponto, isto é, estavam separadas da cartilagem. Só dessa maneira era possível que o coração tivesse espaço suficiente para levantar-se e abaixar-se. Cheguei à conclusão de que se tratava de algo sobrenatural, de uma providência de Deus para que o coração, batendo tão fortemente como batia, não se machucasse contra as duras costelas”.(11)

A partir desse milagre, seu coração palpitava violentamente toda vez que ele fazia qualquer ação espiritual: “Crescia esta palpitação mais, ou menos, estando em oração, e às vezes o fazia tremer, bem como a cadeira ou cama onde se achava, e mesmo o aposento, como se sucedesse algum terremoto. Sentia também naquela parte um calor tão excessivo, que por mais frio que fizesse, e sendo já muito velho, era obrigado a desabrigar-se o peito e, às vezes, sendo inverno, abrir as portas e janelas do aposento para temperar aquele fogo que se espalhava por todo seu corpo”.(12)

O berço do Oratório em Roma
São Felipe sendo recebido pelo Papa

Em 1547 Felipe começou a frequentar a igreja da Arquiconfraria de São Jerônimo da Caridade, onde um grupo de sacerdotes seculares levava uma vida exemplar, constituindo uma pequena comunidade. Cada um vivia de suas próprias rendas, ao serviço do templo e da confraria, tendo mesa em comum. Não se obrigavam a nenhum voto. Este será o berço do Oratório de São Felipe Neri.

Por sua boa fama, essa igreja passou a ser o ponto de referência para eclesiásticos que chegavam a Roma, entre os quais estarão alguns dos filhos mais queridos do santo.

Foi ali que Felipe encontrou seu confessor, o primeiro de que se tem notícia, o Pe. Persiano Rosa, a quem se afeiçoou por seu ânimo alegre e espírito sereno.

Nesse tempo, Felipe começou suas conquistas entre seus jovens conterrâneos, aprendizes e empregados de banco. O santo sentia-se atraído especialmente para cuidar da juventude. Para colocar os jovens em guarda contra as seduções da idade e conservar todo o frescor da virtude, ele lhes dizia para se lembrarem sempre das palavras do profeta: “Bem-aventurado o homem que leva o jugo do Senhor desde a sua adolescência”. Ele os exortava a uma mudança de vida. Havia em sua voz e em suas maneiras tanto atrativo, que muitos, cedendo à ascendência que Felipe tinha sobre eles, renunciavam às frivolidades do mundo, e se entregavam inteiramente a Deus. Conta-se que, numa só ocasião, ele converteu com suas palavras trinta jovens dissolutos.

Confraria da Santíssima Trindade dos Peregrinos

Em 1548, juntamente com seu confessor, Pe. Persiano Rosa, Felipe fundou a Confraria da Santíssima Trindade. Sua finalidade era inteiramente devocional, com preeminência ao culto eucarístico. Seus confrades reuniam-se na igreja de São Salvador in Campo para a Comunhão e outros exercícios de piedade. Aí o santo introduziu pela primeira vez em Roma a exposição do Santíssimo Sacramento na devoção das Quarenta Horas.

Durante o ano jubilar de 1550, o Vicariato de Roma conferiu à Confraria uma finalidade nova e estável: a assistência aos peregrinos e convalescentes que, saindo do hospital, necessitavam ainda de cuidados.

Crescendo a associação, “as obras que os confrades exercitavam com os peregrinos e convalescentes causaram tanta edificação em todos, que muitos se moveram a imitá-los, vindo servir os pobres pessoas de grande qualidade e prelados eclesiásticos; até o papa Clemente VIII vinha lavar-lhes os pés, abençoando-lhes muitas vezes a mesa e servindo-os nela”.(13)

Não contente com a visita a hospitais, São Felipe punha-se também a percorrer ruas e praças, falando da maneira mais comovedora e cativante às pessoas sobre a Religião e as coisas de Deus. A um perguntava: “Então, meu irmão, quando é que começaremos a amar a Deus?”. A outro: “É hoje que nos decidimos a comportar-nos bem?” Ele era, sobretudo, um semeador da santa alegria dos filhos de Deus.

“Grande bondade e costumes angélicos”

Como um ímã, Felipe continuava a atrair pessoas para seu grupo. Ele, que era todo fervor e alegria, entretinha o crescente núcleo de seus discípulos com fervorosos e prolongados sermões.

Nessa época a maturidade do santo atingia seu auge. Um de seus conterrâneos assim o descreve: “Era de belíssimas feições […] e sempre foi tido como de grande bondade e de costumes angélicos. Sua natureza sempre alegre e prazenteira, seu rosto alegre e jovial, sua hilaridade (um atributo que se nomeia com frequência) concorrem até agora para explicar o fascínio que vai exercendo e a sua crescente popularidade”.(14)

O santo pouco comia “pouquíssima carne, verdura, ovos, nada de laticínios, um pouco de vinho temperado com água. Por espírito de pobreza, gostava de viver de esmola e, portanto, mandava trazer do cardeal Cusani e Borromeu algum ovo e um pouco de pão [declaração de Antonio Gallonio, seu primeiro biógrafo]. Sempre amante da pobreza, com esta buscará formar o espírito de seus filhos, como uma virtude básica para o homem de Deus”.(15)

Seus discípulos o admiravam profundamente. E testemunharam: “Com todos se familiarizava: crianças, grandes, medianos, mulheres, senhores, cardeais, prelados e outros. Todas as pessoas que iam ter com o Padre, tendo falado uma vez, regressavam, e não podiam separar-se dele”. O Cardeal Panfili afirma: “Era afável, agradável e carinhoso com todos, de modo que, com grandíssima facilidade e alegria, atraía para o caminho de Deus qualquer pessoa que com ele tratasse, e eram raros os que escapavam de suas mãos”.(16)

Amor à Eucaristia e a Nossa Senhora

Outra nota marcante na vida de São Felipe Neri foi seu amor pela Eucaristia. Era tão grande o fervor de sua caridade que, em vez de se recolher para celebrar a Missa, tinha que procurar deliberadamente uma distração, para ser capaz de prestar atenção depois no rito externo do Santo Sacrifício.

“Deus o havia gratificado com excepcionais carismas: êxtases, levitações (especialmente durante a celebração da Missa), lúcido discernimento dos espíritos, predições seguras, intuição das profundidades do coração, intervenções prodigiosas para os enfermos”.(17)

“Junto com o culto eucarístico, na experiência e na direção filipenses, tem notória relevância a devoção à Virgem, que Felipe recomenda como um elemento indispensável no progresso da virtude. Sua experiência a este respeito, de uma devoção mariana terna, afetiva, quase infantil, o leva a sugerir aos seus uma singela e compendiada jaculatória, repetida como um rosário: ‘Virgem Maria, Mãe de Deus, roga a Jesus por mim’”.(18)

Sacerdote para a Eternidade

Quando Felipe tinha 36 anos, o Pe. Rosa ordenou-lhe, em nome de Deus, que se tornasse sacerdote. Assim, depois de mais alguns estudos, foi-lhe conferido o sacerdócio no dia 29 de maio de 1551.

Como sacerdote, São Felipe dedicou-se especialmente ao confessionário, onde passava grande parte do dia. Com efeito, “dedicou-se ao exercício da confissão, no qual consumiu o resto de seus dias”, dirá um de seus discípulos. “O título ideal que o qualificará para sempre, será o de confessor, conselheiro, guia e mestre das almas”.(19)

Muitos de seus penitentes, levados pelo desejo de recolher a doutrina desse pai espiritual, passaram a ir visitá-lo diariamente. “Pouco a pouco os discípulos se tornaram tão numerosos, que foi preciso ter a reunião numa igreja; e, por fim, a concorrência cresceu tanto, que foi necessário distribuí-la em grupos, à frente dos quais o mestre punha um de seus discípulos mais capazes. Assim nasceu o instituto do Oratório, sem outras regras que os cânones, sem outros votos que os compromissos do batismo e da ordenação, sem outros vínculos que a caridade”.(20)

O número de seus seguidores foi crescendo. Entre eles figura um sapateiro, um miniaturista, um notário, e outros que ele convertera quando era ainda leigo.

As reuniões com esse grupo eleito eram informais. Diz um deles: “No princípio, liam-se páginas edificantes e interessantes, de fácil compreensão; seguia-se um comentário do Padre […]. Alguém tomava a palavra, dialogava-se, e continuava-se discorrendo durante longo período, sem um programa determinado”.(21)

Entre seus discípulos estavam Francisco Maria Tarugi, nobre de Montepulciano aparentado com o Papa, que se tornaria arcebispo de Avignon e cardeal, e César Barônio, célebre historiador da Igreja e doutor em leis, admitido ao círculo de Felipe em 1557, um dos primeiros a receber o sacerdócio. Ele sucedeu ao santo na direção do Oratório e se tornou mais tarde cardeal.

Ouvindo contar as maravilhas de São Francisco Xavier na Índia e de outros missionários no Novo Mundo, São Felipe e seus discípulos pensaram muito em ir também para o Oriente. Entretanto, querendo conhecer a vontade de Deus, Felipe dirigiu-se a um santo religioso cisterciense, também seu conterrâneo, Agostinho Ghettini, muito favorecido por Deus, pedindo-lhe que consultasse o Senhor sobre esse seu projeto. A resposta divina foi: “Felipe não deve buscar as Índias, mas Roma, onde o destina Deus, assim como a seus filhos, para salvar almas”.(22) Mais tarde o santo dirá a seus discípulos: “Quem faz o bem em Roma, o faz a todo o mundo”.

A singular Congregação do Oratório

O Oratório surgiu, como vimos, de maneira muito modesta. Sua denominação veio da extensão da palavra — que no princípio se referia a um pequeno edifício, um sinônimo de confraria. “Foi desde o princípio uma experiência de agrupação totalmente singular, nem sequer poderia chamar-se de associação porque era de participação livre, sem estatutos nem elenco de inscritos; uma acolhida espontânea, regulamentando-se necessariamente na prática. […] A estrutura, agora já completa do Oratório, bosquejada em suas formas essenciais no desvão [da igreja] de São Jerônimo, está delineada detalhadamente nas antigas memórias, entre as quais está o autorizado breve ensaio de Barônio, De origine Oratorii”.(23)

“Ao longo de todo o processo de restauração que se construía na Igreja no século XVI [após a devastação do herético Lutero], o aporte de Felipe foi, sem dúvida, o de modelar e propor — com sua esplêndida vida e através de sua restrita família presbiterial — a singela figura do sacerdote secular, em sua expressão original e genuína”.

“Exatamente por suas características singulares, esta família sacerdotal, é bom destacar, é absolutamente um unicum na Igreja: não existem instituições, entre as inumeráveis, afins a esta. Afirmava-o com autoridade o primeiro sucessor de São Felipe, o padre (depois cardeal) César Barônio, apresentando o texto das Constituições revistas por ele. A Igreja, recordava, é a rainha das vestes de jaspe celebrada pelo salmo circumdata varietate (Sl 44). A Congregação do Oratório se preza por representar, em sua humilde particularidade, um dos tantos vestidos reais da santa Igreja de Cristo”(24)

“O exercício quotidiano da palavra de Deus ‘de modo fácil, familiar, frutífero’ representava a essência particular do Oratório […]. Neste sistema oratoriano nada há de escolástico, de retórico, de difícil compreensão: falar ao coração era o método: ‘exortações e fervores mais afetivos que intelectuais’ eram os assim chamados ‘arrazoados’. Felipe não quis jamais que o oratório ‘entrasse em coisas escolásticas’, para as quais não faltavam escolas ou cátedras em Roma”.(25)

Em 1564 Felipe também ficou encarregado da igreja de São João dos Florentinos, para lá mandando alguns de seus discípulos. E, em 1575, o Papa Gregório XIII concede ao “querido filho Felipe Neri, sacerdote florentino e preposto de alguns sacerdotes e clérigos”, a igreja de Santa Maria in Vallicella, dedicada à Natividade de Maria (bula Copiosus in misericordia). Esta bula “ficará como o documento solene de fundação da sociedade oratoriana […]. A agrupação designada expressamente com esta locução pela bula de Oratorio nuncupandam, define a congregação por antonomásia: ‘Congregação do Oratório’ […]. Nas Constituições aprovadas pelo Papa Paulo V em 1612, o Pontífice declara expressamente que tal convivência presbiterial (mais tarde se agregarão irmãos leigos), ‘instituída por divina inspiração pelo santo Padre Felipe’, estava cimentada só pelo vínculo da caridade, fora de todo vínculo por voto, juramento ou promessa, e assim devesse perseverar na igreja santa ‘de vestiduras variadas’ (Sl 44)”.(26)

História da Igreja como arma apologética

Para combater a heresia protestante, São Felipe encarregou seu discípulo César Barônio de escrever uma verdadeira e documentada História da Igreja que refutasse as falsas versões divulgadas pelos heréticos.

O futuro cardeal levou 30 anos para produzir os seus monumentais Annales Ecclesiatici ─ Anais Eclesiásticos, que se tornaram paradigma de historiografia católica e mereceram ao seu autor o título de Pai da História Eclesiástica.

A música tinha um papel importante no apostolado de São Felipe. Ele introduziu, entre os sermões e no final, o cântico de motetes latinos e italianos. E, como muitos com talento musical acorreram ao Oratório, a música ficou nele incorporada como parte importante de sua espiritualidade.

Embora alguns o afirmem, não está documentada a participação no Oratório do maior compositor de música sacra do século XVI, Giovanni Pierluigi da Palestrina.

São Felipe era o “santo da alegria” e nele essa característica se unia a sua dignidade e responsabilidade. Assim, exigia dos membros e hóspedes do incipiente Oratório uma absoluta obediência, sob pena de expulsão. Ao morrer, deixou um documento no qual fazia um severo juízo sobre vários membros da Congregação, não os querendo como sucessores no governo. Ele chegou a denunciar como herege ao Santo Ofício um dos seus mais antigos discípulos. Este, mantido na prisão por um ano, foi depois absolvido. Entretanto Felipe não quis recebê-lo de volta na comunidade, apesar das súplicas de autorizados intercessores.(27)

Apesar de ardoroso defensor do Papado, houve um momento em que Felipe discordou do Soberano Pontífice. Foi quando se tratou de aceitar a conversão e, portanto, a consequente habilitação do herege huguenote, o futuro Henrique IV, para o trono da França. “Clemente VIII mostrou-se indeciso e vacilante. Felipe mostrou-se desde o primeiro momento partidário da reconciliação […], e aconselhou o Papa nesse sentido, mas sem obter dele uma decisão eficaz. […] Felipe atuou através de Barônio, confessor do Papa. Deu-lhe instruções no sentido inclusive de lhe negar a absolvição enquanto ele não aceitasse um conselho reconciliatório. Barônio triunfou nessa empresa tão delicada. A França contará mais adiante com Felipe entre seus santos protetores”.(28)

Vítima de calúnias e incompreensões

Como acontece com todos os santos, também São Felipe teve que enfrentar muitas calúnias. O próprio Cardeal-Vigário de Roma, levado por certo preconceito e pelos rumores de que o santo mantinha assembleias perigosas e semeava novidades entre o povo, chegou a repreendê-lo severamente, retirando-lhe durante 15 dias a licença para atender confissões. Mas, tendo o purpurado adoecido repentinamente, o Papa Paulo IV, chamado a julgar o caso, não só absolveu São Felipe como se recomendou às suas orações.

São Felipe Neri entregou sua alma a Deus no dia 26 de maio de 1595, sendo canonizado 27 anos depois, juntamente com Santo Isidro Lavrador, Santo Inácio de Loyola, São Francisco Xavier e Santa Teresa d’Ávila.

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Notas:

1. Pe. Antônio Cistellini, C.O., San Felipe Neri, breve historia de una gran vida, Congregación del Oratorio de México, Ciudad de México, 1999, p. 19.

2. Plinio Maria Solimeo, São Felipe Neri, Catolicismo, maio/2009.

3. C. Sebastian Ritchie, Philip Romolo Neri, The Catholic Encyclopedia. CD Room edition.

4. Mons. Paul Guérin, Les Petits Bollandistes, Vies des Saints, Bloud et Barral, Libraires-Éditeurs, Paris, 1882, tomo VI, p. 207.

5. Cistellini, op.cit. pp. 27-28.

6. Ritchie, op.cit.

7. Guérin, p. 217.

8. Cistellini, pp. 30-31.

9. Cistellini, p. 31.

10. Ritchie, op.cit.

11. Apud Guilherme Sanches Ximenes, Felipe Neri – O sorriso de Deus, Editora Quadrante, São Paulo, 1998, p. 17.

12. Pedro Ribadeneira, Flos Sanctorum, in D. Eduardo Maria Vilarrasa, La Leyenda de Oro, L. González y Compañia, Barcelona, 1896, tomo II, p. 332.

13. Ribadeneira, p. 333.

14. Cistellini, pp. 36-37.

15. Cistellini, p. 75.

16. Cistellini, p. 73.

17. Cistellini, p. 66.

18. Cistellini, pp. 122-123.

19. Cistellini, p. 40.

20. Fr. Justo Perez de Urbel, O.S.B., Año Cristiano, Ediciones Fax, Madri, 1945, vol. II, p. 457.

21. Cistellini, p. 42.

22. Edelvives, El Santo de Cada Dia, Editorial Luis vives, S.A., Saragoça, 1947, vol. III, p. 266.

23. Cistellini, pp. 49-50.

24. Cistellini, pp. 142-143.

25. Cistellini, p. 53.

26. Cistellini, pp. 84-86-87.

27. Cfr. Cistellini, p. 124.

28. J.M. Leonet Zabala, Gran Enciclopedia Rialp, Ediciones Rialp, S.A., Madri, 1972, p. 843.

____________________ Box 1 ____________________

Santos na vida de São Felipe

Os santos se atraem. Assim São Felipe manteve relações com todos os santos que viviam então na Cidade Eterna: São Carlos Borromeu, São Camilo de Lellis, Santo Inácio de Loyola, São Félix de Cantalício. São Francisco de Borja, terceiro Geral da Companhia de Jesus, terá grande estima por São Felipe. Outro grande santo jesuíta, São Pedro Canísio, também esteve no Oratório, encontrando-se com Felipe. O Papa São Pio V depositava muita confiança no Pe. Felipe e em seus seguidores, e quis que um deles tomasse parte na delegação chefiada por seu sobrinho, cardeal Bonelli, enviada à Espanha e Portugal, junto com o Geral dos jesuítas, Francisco de Borja, e outros ilustres personagens.

Entre outros santos que tiveram pelo menos breve relação com São Felipe Neri estão Santo Alexandre Sauli, bispo de Aleria e Pavia; São João Leonardi, fundador dos Clérigos Regulares da Mãe de Deus; São Francisco Caracciolo, fundador dos Clérigos Menores, e Santa Catarina de Ricci, dominicana de Prato.

São Roberto Belarmino terá profundos laços de amizade com o Cardeal Barônio, sucessor de Felipe.

“São Carlos Borromeu votava tanta estima e veneração por ele que, todas as vezes que o encontrava, prosternava-se diante dele e lhe suplicava que o deixasse beijar suas mãos. Santo Inácio de Loyola não fazia menos caso de sua santidade, e via-se frequentemente esses dois ilustres fundadores olharem-se sem nada dizer, na admiração mútua que tinham pela virtude que reconheciam um no outro”.(*)

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(*) Mons. Paul Guérin, op. cit. p. 217.

A Congregação do Oratório em nossa Pátria

Abenemérita presença da Congregação do Oratório no Brasil se compõe de dois períodos. O primeiro se estende de meados do século XVII até a primeira parte do século XIX, quando foi extinta em 1830, deixando assim de existir no mundo uma Congregação de língua portuguesa.

Nesses primórdios, os padres oratorianos foram dedicados apóstolos em vários aldeamentos indígenas em Pernambuco e Ceará, chegando a erigir uma casa em Salvador, nosso primeiro bispado. Todavia, deve-se reconhecer a presença do Oratório de São Felipe Neri em terras de Santa Cruz, sobretudo através da Congregação que se instalou na capital de Pernambuco, cujo belíssimo templo que até hoje se encontra edificado, a célebre igreja da Madre de Deus.

Os primeiros padres oratorianos “foram educadores notáveis, tendo ministrado tanto o ensino secundário quanto o superior e, como promotores da cultura, podiam se gloriar de possuir a melhor biblioteca de Pernambuco colonial”.(*)

Cumpre dizer que os oratórios lusófonos nasceram concomitantemente em Portugal e no Brasil, sendo o Oratório lisboeta e seu fundador, Pe. Bartolomeu de Quental, a obra-prima de todas as Congregações espalhadas pelo abrangente domínio português. Já aqui no Brasil, coube ao venerável Pe. João Duarte do Sacramento a grande missão de ser o seu primeiro prepósito.

O segundo momento da Congregação do Oratório no Brasil é bastante recente. Desde a extinção dos padres oratorianos em 1830, até 1957 não tivemos entre nós a presença de um filho de São Felipe Neri.

A Divina Providência escolheu então o reverendíssimo Pe. Aldo Giuseppe Maschi, do Oratório de Verona, para tão alta empresa. Ele foi o primeiro pároco da Paróquia São Felipe Neri, na capital paulista, criada em 11 de fevereiro de 1958.

Somente após 40 anos da sua presença é que Pe. Aldo conseguiu reunir as condições necessárias para a ereção canônica da Congregação do Oratório, que se deu aos 25 de março de 1996, quando passou a ser a única casa de língua portuguesa em todo o orbe.

Correspondendo ao amor de São Felipe Neri pela Santa Igreja e pelo Santo Sacrifício, os padres oratorianos nunca deixaram de celebrar a Santa Missa em sua forma tradicional. Eis por que, no Parque São Lucas, na cidade de São Paulo, a Santa Missa, segundo as orientações prescritas no Motu proprio “Summorum Pontificum”, é celebrada ininterruptamente, desde a sua vigência.
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(*) Lima, Ebion de. A Congregação do Oratório no Brasil. Rio de Janeiro, 1980, p. 1.

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