Por trás da pandemia vai surgindo o espectro de uma ditadura para implantar uma “nova ordem mundial”. Simultaneamente cresce a oposição à globalização, bem caracterizada no Brasil, nos EUA e na Igreja. |
Adolpho Lindenberg
Aatual pandemia está sendo utilizada pelos agentes da globalização para alegar que, por serem universais, os grandes males que nos atingem precisam ser sanados por uma entidade supranacional. Algo parecido com uma ONU, só que com mais poderes. A globalização, em seu início, apresentou-se como mero processo político de integração de países, mas recentemente tornou-se um instrumento para os que almejam uma nova ordem mundial orquestrada por um governo supranacional.
Esse intuito, porém, está sendo contestado por um movimento ético-político recente, diversificado, difícil de ser definido, que muitos classificam como “onda conservadora”. Na Europa, as pessoas não suportam mais as ingerências descabidas da União Europeia nos governos de seus países. E multiplicam-se nos Estados Unidos as reações contra o movimento globalizante e os intuitos reformistas do Papa Francisco. Talvez possam auxiliar a compreensão do fenômeno os qualificativos “saturação” e “inconformidade” da população, em relação às propostas revolucionárias.
Até recentemente, a globalização, por ser incentivada pela mídia e pelo establishment, parecia incoercível. Mas hoje ela tem despertado reações dos que a julgam uma ameaça às soberanias nacionais e à privacidade das pessoas. No Brasil, temos um exemplo na intenção de entidades ligadas à ONU — no caso a OMS (Organização Mundial da Saúde) — de se sobreporem ao nosso governo, obrigando-o a aceitar suas diretrizes no combate ao coronavírus.
A instauração de um governo mundial tem sido denunciada por numerosos autores católicos como um projeto de inspiração revolucionária. Entre eles figura o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, que assim se expressa num de seus magistrais ensaios: “Como prefigura de um Governo Mundial, a ONU almeja a mistura de todas as raças, de todas as nações e de todas as línguas para formar um tipo humano já anunciado — o homem pardo da ONU. O homem pardo professará também uma religião que será ecumênica, uma mistura sincrética e eclética de todas as religiões”.
“Nova ordem mundial”, pretexto para uma ditadura global
Voltaram a figurar na lista dos best-sellers os livros que desde o século XIX vêm sendo publicados na Europa, em especial na França, alertando para o perigo da instauração de um governo mundial com poderes ditatoriais — o tão comentado big brother. Os mais recentes deixaram de acusar a maçonaria e passaram a denunciar as poderosas fundações norte-americanas. Ao lado dos grandes bancos e de pessoas como o bilionário George Soros, elas dão suporte financeiro aos programas globalizantes. O compêndio Nova Ordem Mundial, de Alexandre Costa, enumera mais de 100 obras com esse intuito.
Temáticas referentes à criação de um governo mundial com poderes ditatoriais começaram a ser discutidas por jornalistas em seus programas televisivos, despertando grande interesse entre o público. Com algum alívio, pode-se constatar que a maioria deles é contrária à sua instauração.
Está tendo grande sucesso o livro Sociedade do cansaço, do filósofo sul-coreano Byung-Chul Han. Destaca os poderes cada vez maiores que o Estado chinês utiliza para saber de cada indivíduo o que ele pensa, qual seu posicionamento político, quanto ganha, quais são seus hábitos. Embora o artigo se limite a descrever o crescente poder do governo chinês, sua leitura nos permite prever quais meios um eventual governo mundial terá à sua disposição para restringir a privacidade e a autonomia das pessoas. Chul Han assim descreve o que está ocorrendo no país mais populoso do mundo:
“A China introduziu um sistema de crédito social inimaginável aos europeus, que permite uma avaliação exaustiva das pessoas. Cada um deve ser avaliado em consequência de sua conduta social. Na China não há nenhum momento da vida cotidiana que não esteja submetido à observação. Cada compra, cada clique, cada contato, cada atividade nas redes sociais é controlado pela vigilância virtual. Quem atravessa com o sinal vermelho, quem tem contato com críticos do regime, perde pontos. Quem compra pela internet alimentos saudáveis e lê jornais que apoiam o governo, ganha pontos.
“Na China existem 200 milhões de câmeras de vigilância, muitas delas com reconhecimento facial. Essas câmeras dotadas de inteligência artificial podem observar e avaliar qualquer espaço público: lojas, ruas, aeroportos. A vida pode chegar a se tornar muito perigosa. Na China essa vigilância social é possível, porque ocorre uma irrestrita troca de dados entre os usuários da Internet e dos smartphones com as autoridades. No vocabulário dos chineses não há o termo ‘esfera privada’. Todo esse aparelhamento, segundo se divulgou, mostrou-se muito eficaz para controlar a epidemia do coronavírus”.
Câmeras vigiam continuamente as ruas de Londres
O senador democrata Bernie Sanders perdeu o apoio para disputar a Presidência por causa de suas posições acentuadamente esquerdistas
Revigoramento de reações contra-revolucionárias
Nos Estados Unidos de modo especial, mas também em outros países, o público conservador saturou-se com a exuberância com que os movimentos ditos sociais — ecológico extremado, LGBT, pró-imigração, tribalismo e dezenas de outros — atuam com o apoio do establishment e da mídia.
Concomitantemente, o aborto, a ideologia de gênero, o “casasamento” homossexual, os pseudo-direitos humanos estão sendo legalizados na maior parte dos países ocidentais, sem que contra isso o Papa Francisco se manifeste. Essas mazelas, tendo atingido excessos inacreditáveis, estão despertando nos católicos tradicionais as mais diversas reações — protestos, marchas, abaixo-assinados, terços rezados em público, entre outras sadias reações.
O Prof. Plinio Corrêa de Oliveira afirmava que a velocidade do processo revolucionário, visando eliminar os últimos vestígios da Cristandade, é limitada pelo perigo de a opinião pública conservadora acordar de sua letargia e expressar sua inconformidade. E isso é exatamente o que está acontecendo nestes últimos anos. Boa parte do público, que até havia pouco dava as boas-vindas às reformas progressistas, nos dias atuais começou a reagir, a se organizar politicamente e a querer que os antigos valores éticos voltem a pautar o comportamento humano.
Essas reações tomaram corpo, revigorando os partidos de direita na Europa e o Republicano nos EUA. O orgulho nacional, a defesa da família e uma política mais firme em relação à socialização interna, vistos até pouco tempo atrás como frutos de um nacionalismo malsão, tornaram-se nos EUA o hit do momento.
O Partido Democrata americano adotou uma agenda progressista acentuada, a ponto de um líder socialista como o senador Bernie Sanders ser escolhido para disputar a Presidência; e está perdendo seu prestígio junto aos eleitores devido a essa posição. O apoio a Trump, ao contrário, está se consolidando.
A esquerda, após décadas, parece ter encontrado um adversário à sua altura. Até alguns anos atrás, ninguém se atrevia a dizer-se “de direita”, reacionário, conservador, mas agora esses termos deixaram de ser pejorativos. Com a derrota dos sociais-democratas nas eleições europeias recentes, e o desligamento da Inglaterra da União Europeia, consolidou-se a chamada “onda conservadora”. Por falta de outra denominação adequada, seus seguidores passaram a ser denominados “populistas”, pelo fato de estarem em sintonia com as aspirações do povo.
Abrindo um parêntese, é impossível deixar de apontar o paradoxo de o establishment e a mídia estarem acusando os populistas de serem antidemocráticos, quando na verdade são estes que auscultam os anseios da opinião pública, utilizando para isso as redes sociais. Com efeito, o povo influencia o governo com mais autenticidade por meio do universo virtual do que pelo sistema pouco confiável de eleições dos representantes, realizadas de quatro em quatro anos.
Muito sintomático nessa “onda conservadora” foi a marcante presença de jovens, como estes que rezam de joelhos nas adjacências de Notre-Dame de Paris no dia do trágico incêndio. Alguns deles portavam o terço em suas mãos
“Onda conservadora” comprovada entre brasileiros
O establishment não poupa críticas aos líderes populistas por pregarem um patriotismo e uma moralidade fora de moda. Acusa-os de caipiras, evangélicos de carreira ou de fascistas. Essas críticas são de tal modo unilaterais e agressivas, que o público deixou de levá-las a sério. O que está ocorrendo agora no Brasil comprova o acima dito: o presidente Bolsonaro está suportando um inferno astral especialmente midiático, acusado pelo que disse e pelo que não disse, sendo denegrido por sua postura popular e moralizante. Uma coisa é certa, certíssima: se ele deixasse de se opor à ideologia de gênero e ao aborto, de enaltecer o patriotismo e os valores do “antigo Brasil”, as críticas seriam substituídas por aplausos da mídia, e ele seria apontado como um grande presidente.
A onda conservadora não foi planejada por políticos nem é fruto da iniciativa de um líder carismático. Nasceu concomitantemente em quase todos os países, de modo espontâneo e com surpreendente vigor. Algo parecido com o que ocorre quando a vegetação, adormecida por uma longa estiagem, renasce após as primeiras chuvas com uma vitalidade a toda prova.
Até pouco tempo atrás o establishment menosprezava sua existência, crendo ser fruto de mentalidades retrógradas ou de heranças fascistas. Mas agora foi obrigado a reconhecer que parte da opinião pública a está vendo com simpatia — digamos mesmo, com alívio — por ter encontrado um movimento alinhado com suas convicções e disposto a combater em sua defesa. Um combate do qual muitos gostariam de participar, mas que não dispõem de meios ou de coragem para fazê-lo.
Jovens participantes da Marcha pela Vida, realizada anualmente em Washington, exibem cartazes e bradam slogans contra o assassinato de inocentes. Cenas como esta são cada vez mais frequentes em muitos países e têm indiscutível repercussão no mundo político.
Nos EUA polarizado, preeminência do polo mais tradicional
Uma análise de como eclodiu a onda conservadora nos Estados Unidos pode nos auxiliar a ver como as pessoas reagem quando seus modos de vida e suas convicções herdadas dos antepassados ficam ameaçados pela Revolução. De início manifestam seu desagrado, depois partem para protestos os mais variados, e finalmente organizam-se em movimentos ou partidos políticos.
Nos EUA, é de longa data uma oposição latente entre as mentalidades e os modos de viver dos habitantes das costas Leste e Oeste (Nova York, Washington, Los Angeles, São Francisco), e do outro lado os equivalentes americanos do Centro e Oeste. Dir-se-ia que um muro de discordância passou a dividir os democratas e os republicanos. Essa oposição é antiga, mas recentemente acentuou-se e passou a assemelhar-se a um conflito infindável.
Os democratas e o establishment liberal (esquerdista, no sentido americano) possuem um estado de espírito que outrora era descrito como sendo o American way of life. Consiste numa visão otimista da realidade, descompromissada e na crença de que o progresso e o conhecimento solucionarão todas as mazelas que nos afligem. Além dessa concepção rósea do mundo, são simpáticos aos movimentos sociais e indulgentes quanto às reivindicações das minorias; são globalizantes, enquanto julgam inevitável um governo mundial; e estão convictos de que a tão almejada paz entre os EUA e os países comunistas só será obtida por meio da boa vontade e de concessões recíprocas. São críticos ao uso de armas pelo público, restringem as verbas para as Forças Armadas e são defensores convictos do Obama care e de outros atendimentos sociais pelo Estado.
Pessoas típicas dessa mentalidade são os líderes políticos democratas e os participantes do jet-set internacional — artistas, escritores, figuras de proa do movimento ecologista —, todos enaltecidos pela mídia e por membros do establishment.
A onda conservadora nos EUA é formada por dois públicos diferentes: o primeiro inclui os americanos fiéis às suas tradições cristãs, que cultivam os valores típicos do tempo em que foram pioneiros — honestidade, trabalho árduo, consumo morigerado. Desconfiam do governo e ficam desagradados com as extravagâncias de seus conterrâneos da costa leste. É devido a eles que o Partido Republicano tem conseguido vencer as eleições.
O segundo público participante da onda conservadora é formado por aqueles que defendem a liberdade econômica e são contrários à assistência social estatal. Empresários e banqueiros de grande porte se alinham aos moradores das pequenas cidades do Meio Oeste, de mentalidade conservadora, com o objetivo de proteger o país das novidades socializantes vindas da Europa logo após o fim da guerra, tão caras aos democratas. Dir-se-ia uma conjunção esdrúxula, inviável à primeira vista, mas que provou sua viabilidade ao participarem lado a lado da “onda conservadora”.
Quem viaja pelo interior dos Estados Unidos fica admirado com o número de casas com a bandeira nacional hasteada, mesmo nos estados com predomínio democrata. O derrotismo vigente nos anos da guerra do Vietnam foi submergido pelas primeiras ondas conservadoras, e Trump não só venceu as eleições como também se tornou o ponto de referência para os governos populistas do mundo inteiro.
O apoio popular a Trump é devido, em parte, à insatisfação dos americanos ao verem que o individualismo empreendedor, tão caro a eles e tão bem descrito nos livros de Anna Ryan, estar sendo contestado pelos que julgam que a solidariedade entre as pessoas é mais importante do que a competição. Por outro lado, explica-se por ter ressuscitado o “orgulho nacional”, sintetizado no lema America first, por ter acabado com o desemprego e contrabalançado o poderio comercial da China.
Crise na Igreja e onda conservadora católica
A densidade revolucionária, presente na atual crise pela qual a Igreja está passando, não tem comparação com a de qualquer outro cisma ou heresia do passado. O Papa Francisco, aparentando simplicidade evangélica, mostra desagrado em relação ao esplendor ostensivo da corte pontifícia; preferência pelas vítimas de um sistema que visa ao enriquecimento, e não à partilha; e assim tornou-se uma figura simpática a vários setores da opinião pública no início de seu pontificado. Com o tempo, no entanto, começou a revelar sua verdadeira face de um reformador convicto, intencionado em transformar a Igreja Católica num simulacro do modelo criado por Jesus Cristo.
Seu hábito de expor seus planos enquanto retorna das viagens ao exterior permitiu-lhe apresentar-se como sendo um humilde devoto de São Francisco, incompreendido pelos “poderosos”, indulgente com as fraquezas humanas, protetor dos pobres e oprimidos. Ele sorri, mostra-se confortado por estar conversando com seus companheiros de viagem, cria um ambiente informal, acolhedor, distendido. Quem poderá acusá-lo de desdém pelo ensino tradicional, vituperado como se fosse fruto de um dogmatismo rígido já superado?
Tal imagem edulcorada, no entanto, é frequentemente contrariada pela rispidez com que trata os prelados que não partilham de seus projetos, transformando-se em amargura e desencanto revelados em suas fotografias.
Suas palavras dúbias, pouco ortodoxas, seu modo popularesco de se apresentar em público e seu alinhamento com a esquerda vêm suscitando reações de cardeais, teólogos e fiéis católicos, e até mesmo de não católicos. Exemplos dessas reações são as Marchas pela Vida, os abaixo-assinados, os protestos contra peças de teatro satânicas e blasfemas, o Terço rezado em praças públicas, todas iniciativas promovidas ou apoiadas pela TFP americana (American Society for the Defense of Tradition, Family, and Property) [foto acima]. Tão significativo quanto essas iniciativas é o apoio entusiasta encontrado no público jovem. A essas se acrescentam as publicações do Instituto Plinio Corrêa de Oliveira e do Pan-Amazon Synod Watch, bem como a atuação do Prof. Roberto de Mattei e dos publicistas José Antonio Ureta e Julio Loredo, que ao longo do Sínodo Amazônico alertaram os fiéis para as heresias presentes nos movimentos ambientalista e indigenista.
O fato de o conteúdo revolucionário estar ficando cada vez mais visível nos movimentos reformistas — LGBT, feministas, imigração, tribalismo, ecologia extremada, patrocinados pela ONU e apoiados pelo Papa — deixou os católicos conservadores alarmados e dispostos a participar das reações que estão eclodindo por toda parte. Em razão da espontaneidade de cada uma dessas reações, e de se insurgirem contra este ou aquele contrassenso sem estarem interconectadas, não é fácil a formação de uma onda conservadora religiosa semelhante às existentes no campo político. Se em determinado momento, porém, os cardeais e bispos de orientação conservadora formarem uma frente única com os fiéis perplexos com o que está ocorrendo na Igreja, as reações crescerão, tomarão corpo e se transformarão num movimento de proporções universais. Terão eles, num futuro próximo, o poder de inverter a marcha dos acontecimentos? Decorrem de uma graça especial as atuais ondas conservadoras, tanto as políticas quanto a religiosa? São elas instrumentos de Nossa Senhora para congregar os fiéis num confronto final com os revolucionários? Seja como for, a desproporção de forças é assustadora. Os revolucionários contam com o apoio do atual Papa e da maioria dos cardeais e bispos, da mídia internacional e das entidades que se pretendem supranacionais. O que fazer? Rezar, continuar a participar dos movimentos contra-revolucionários? Sim, e cada vez mais, pois Nossa Senhora prometeu em Fátima que o seu Imaculado Coração triunfará. Mas Ela depende para isso do nosso esforço, e o tem implorado repetidamente para que possa cumprir o que prometeu.
ABIM
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