quarta-feira, 8 de julho de 2020

Junípero Serra, o santo execrado pelos intolerantes


Estátua de São Junípero, vandalizada e derrubada em Los Angeles
  • Péricles Capanema
São Junípero Serra, venerado em especial no México e na Califórnia, faleceu em 28 de agosto de 1784 na Missão São Carlos Borromeu (Monterey), minado pela tuberculose. Em campanha crescente, nos últimos anos ele vem sendo insultado como “o santo genocida”, “agente da conquista imperial que oprimia e escravizava indígenas” etc. Tem estátuas derrubadas, chutadas e cuspidas nos Estados Unidos, em particular na Califórnia. Setores extremados, com a conivência de correntes de mesma orientação, ainda que de comportamento moderado, não toleram no Estado a presença moral do frade franciscano intitulado desde há décadas por opinião generalizada “o Apóstolo da Califórnia”. As mesmas gargantas que vituperam contra ele acusações de genocida, escravagista, imperialista, é corrente, berram elogios ao mundo LGBT e à vida selvagem, descrita idilicamente. E em geral querem a eleição de Joe Biden e até fazem campanha por ele. De passagem, não custa notar, nenhuma mesquita é atacada, nenhum líder muçulmano sofre impropérios, embora Maomé tenha tido escravos e o islamismo tenha promovido a escravidão na África.
Vejamos, de um lado, a narrativa dos que veneram São Junípero Serra (nome em catalão Miquel Josep Seera i Ferrer). O frade nasceu em 24 de novembro de 1713 em Petra (Maiorca, Ilhas Baleares), filho de honrados, analfabetos e católicos pais camponeses. Teve brilhantes estudos eclesiásticos. Em 15 de setembro de 1731 emitiu os votos religiosos, quando adotou o nome de José Miguel Junípero, homenagem ao discípulo de São Francisco de Assis. Foi ordenado sacerdote em 1727, alcançou o grau de doutor em Teologia, tornou-se rapidamente professor respeitado na Universidade de Palma de Maiorca, além de notável orador sacro. Tinha renome em Palma de Maiorca.
Tudo deixou para seguir o chamado de Deus para a vida missionária. Recebeu apoio dos superiores e com a idade madura de 35 anos embarcou em 1749 para o México (na época, vice-reinado da Nova Espanha), juntamente com vinte outros missionários. Desembarcou em Santa Cruz em 7 de dezembro do mesmo ano. De lá, juntamente com seu companheiro, frei Francisco Palóu, mendigando, foi a pé até a Cidade do México estabelecendo-se no Colégio San Fernando. Ali permaneceu cerca de um ano, sendo enviado depois para missionar em Sierra Gorda, próxima a Querétaro, a uns duzentos quilômetros da Cidade do México. Permaneceu na região por cerca de 10 anos. Além da catequese, os frades ensinavam rudimentos de agricultura e pecuária aos índios, bem como fiação, tecelagem e cozinha para as mulheres. Em 1758, voltou para o Colégio San Fernando. Os nove anos seguintes foram tomados com trabalhos administrativos, formação de noviços, missões nas dioceses de México, Puebla, Oaxaca, Valladolid e Guadalajara.
Aconteceu o inesperado. O rei Carlos III em 1767 expulsou da Nova Espanha todos os missionários jesuítas. Os franciscanos foram chamados para preencher a lacuna na Califórnia, região ainda selvagem. Deles era a missão evangelizadora, mas havia também colonização e conquista. Sacerdotes, militares, administradores, sob o impulso de Madri, marcharam em direção ao norte. À testa de 15 franciscanos, frei Junípero, em 14 de julho de 1767, deixou a Cidade do México para tomar no porto de San Blás o navio que o levaria à Baixa Califórnia. A expedição zarpou apenas em fevereiro de 1768. O frade estava próximo dos seus 55 anos, idade avançada na época, com dificuldades de saúde, quando chegou à Califórnia.
Trabalhou incansavelmente para estabelecer missões. O sistema era simples. Chegando a um lugar adequado, construíam capela, pequenas moradias para os frades, além de uma fortificação incipiente, proteção contra ataques. Muitos índios, curiosos, aproximavam-se. Vinham os contatos, as amizades, a catequese. A mais, os missionários ensinavam agricultura, criação de animais, noções de construção, serralharia, carpintaria. Havia também para as mulheres ensino de cozinha, costura e tecelagem.
Já idoso, em pouco mais de dez anos, frei Junípero fundou nove missões, percorreu cerca de 9 mil quilômetros a pé, 5.400 quilômetros embarcado. Muitas das grandes cidades da Califórnia têm origem nas povoações iniciadas por ele, entre as quais, San Francisco, Los Angeles, San Diego. É o único religioso a ter estátua no Congresso dos Estados Unidos, ao lado dos “Founding Fathers”, ou seja, é considerado, até por pessoas sem formação religiosa, uma espécie de “Founding Father” da nação norte-americana. Convém ainda notar, lutou pelos direitos dos índios, muitas vezes desrespeitados por administradores e militares. Houve abusos? Toda atividade humana é passível de abusos. Contudo, temos o fato histórico, gigantesca obra evangelizadora e civilizatória.
Vejamos agora o outro lado, o dos detratores. Respigo palavras de um deles, exemplo sintomático de até a que extremos estão dispostos a chegar. São afirmações delirantes de um scholar e ativista conceituado, o dr. Dean Chavers, publicadas em 2 de março de 2015, pouco dias antes de Junípero Serra ser canonizado, em artigo intitulado “Turning a killer into a saint?” (“Vão canonizar um assassino?”, em tradução livre). Claro, o “assassino” é o frei Junípero. “Só Deus sabe quantos índios Serra matou pessoalmente, mas foram centenas, se não milhares. Garroteou, enforcou, fuzilou, encarcerou, chicoteou. As mulheres indígenas foram tratadas com crueldade quase igual — estupradas, escravizadas e abusadas”.
Os detratores de São Junípero Serra fazem opção preferencial pela selvageria, bem como pelo ocultamento da vida de miséria, crimes e sofrimentos em que infelizmente estavam afundadas as comunidades indígenas por séculos. Romantizam fraudulentamente a realidade para tornar debilmente crível os ataques à evangelização e ao esforço civilizatório. A morte de George Floyd potencializou o movimento “Black lives matter”, que trouxe em seu bojo o vandalismo contra as estátuas. Nem santos são poupados. É só esperar, os padres Anchieta e Manuel da Nóbrega sofrerão a mesma sorte. São Junípero, São José de Anchieta, rogai por nós, rogai pelas Américas!
ABIM

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