quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

LEGITIMIDADE

 

Príncipe Dom Luiz de Orleans e Bragança
  • Péricles Capanema

Assisti ao vídeo do XXX Encontro Monárquico Nacional — encontro virtual, online, imposto pelas presentes circunstâncias. Foi postado no YouTube. Embora mais viva e calorosa a realização presencial, houve no recurso escolhido certa compensação pela apresentação bem cuidada e bonita do empreendimento monarquista. Ali se trataram temas de relevo, houve informações que é preciso conhecer, tanta coisa que poderia com proveito ser destacada e elogiada.

Não irei entrar pela divulgação das informações, propostas e esclarecimentos doutrinários; de qualquer modo, estão na rede. Se por aí enveredasse, estou certo, poderia ser útil a muitos. Contudo, tais objetivos desbordam os limites estreitos de um artigo. Escolhi então outra via, tentar descrever, precisando melhor, explicitar, o que fui sentindo, com intensidade crescente, ao longo do vídeo. Não é o trajeto do evento, é a minha viagem mental à medida que observava seu desenrolar.

A simplicidade e despretensão perpassaram o evento. Digo mais, a modéstia de meios, apresentada sem disfarces, causou efeito favorável. Pôs em evidência a seriedade da conduta, a veracidade das palavras, a clareza e segurança das posições. Não se buscou inflar realidades. E o que apresenta é inestimável: a legitimidade. Sem legitimidade, nada se faz de verdadeiramente proveitoso. E foi o que senti do começo ao fim, era a legitimidade em movimento. Uma bênção, chuva em terra sáfara.

Princesa Dona Maria Gabriela de Orleans e Bragança

Havia nela clara nota de continuidade. As exposições, abertas por Dona Maria Gabriela [foto], salientaram-na. A princesa, em rápidos traços, recordou três ascendentes, inspiração de vida: a imperatriz Leopoldina, a imperatriz Teresa Cristina, “mãe de todos os brasileiros”, a princesa Isabel. Maneira simpática e pedagógica de iniciar a caminhada. Balizou.

Outra continuidade. O Segundo Império, se quisermos, o período monárquico, recordado em algumas de suas características exemplares, e aí colocado como ponto de partida de onde, com adaptações e aperfeiçoamentos, se poderia avançar.

Príncipe Dom Rafael de Orleans e Bragança

A continuidade fulgurava em especial com três tonalidades: familiar, respeitosa e doméstica. Dom Rafael [foto], irmão de Dona Maria Gabriela, falou do bisavô, o Príncipe Dom Luiz, “o Príncipe Perfeito”, visto por ele como modelo de fidalgo, de batalhador, de seu amor pelo Brasil. Para Dom Rafael, o ancestral ilustre, a tantos títulos, é inspirador de conduta, formador de mentalidade, pregoeiro de objetivos. O pai de Dom Rafael, Dom Antônio [foto abaixo], piedoso e grave, tratou das características por ele desejadas em eventual restauração monárquica. E que podem se resumir em uma expressão, ele almeja a ordem temporal cristã. Tratou com desassombro de um tema, antes tido até como anacrônico, mas que vem ganhando crescente atualidade, o Direito Natural. Outro ponto a salientar, reiterou a nota religiosa do encontro: obediência a princípios católicos, devoção a Nossa Senhora Aparecida.

Príncipe Dom Antonio de Orleans e Bragança

Vida pública saudável tem como caldo de cultura atmosfera familiar calorosa, respeitosa e pujante de valores domésticos — nasce dali. Como no encontro se manifestaram os temas da vida pública? Em certa medida estavam nas palavras de Dom Antônio. Contudo, de forma muito especial, apareceram na intervenção do Dr. Evaristo de Miranda [foto abaixo], que discorreu sobre especialidade sua, a agricultura. Houve na intervenção acento de modernidade salutar, empreendedora, ciência e experiência juntas, descreveu realidade pujante, dotada de vantagens comparativas extraordinárias em relação a outras nações. Estadeou o douto pesquisador, uma vez mais, o comprometimento do movimento monárquico com o campo brasileiro, com um Brasil de confluência harmônica das várias atividades econômicas, mas que tenha base muito assentada na produção agropecuária, vocação natural da qual nunca deve fugir.

Prof. Evaristo de Miranda

Outros falaram bem, mas o espaço pequeno impede alusões a eles. E, recordo, o objetivo não é o relato do fato, mas minha caminhada interior. Que terá sido parecida com a de vários que viram o vídeo.

Continuo no tema central por mim escolhido. Várias legitimidades confluíam no encontro. Pairava serena a legitimidade dinástica de Dom Luiz, atual Chefe da Casa Imperial do Brasil [foto no topo]. Existia mais. Tudo era perpassado pela legitimidade da ordem apregoada pelos palestrantes. Qualquer legitimidade deita raízes na legitimidade da ordem. Nenhuma pode admitir ruptura com tal legitimidade originária. Destroçados os laços com ela, caem como galhos sem vida, podres, todas as demais legitimidades. Em seus reflexos sociais, a legitimidade da ordem tem como base a sanidade e força da instituição familiar, das quais decorrem o respeito aos direitos existentes em todos os âmbitos sociais.

Chamava a atenção a ênfase em duas características históricas do Brasil, hoje bastante depreciadas, a bondade e a cordialidade. Foram postas em destaque; mais ainda, apresentadas como modeladoras da vida familiar e na raiz de realidades sociais. Pois delas decorrem logicamente o desvelo pelo próximo, a busca de uma organização social inclusiva, harmoniosa, respeitosa das benéficas diferenças nascidas, entre outras fontes, do mérito, da História, da continuidade familiar, da instrução e da idade. São vacinas eficazes contra retrocessos e preconceitos desagregadores.

É claro, em tal quadro, o golpe de 15 de novembro de 1889 — de passagem embora e com espírito ordeiro — foi considerado, e não podia deixarde sê-lo, como regressão, ruptura trágica com rumo de progresso contínuo, dotado de gigantesco potencial. Tolamente, em parte por mimetismos irrefletidos, tomamos o atalho do atraso.

Príncipe Dom Bertrand de Orleans e Bragança

No evento online, sob o alvor da legitimidade, que rutilava no fundo, foi posto óleo novo na candeia da restauração. A luz não bruxuleou, brilhou firme, ainda que seus raios tenham alcançado, de momento, proporções modestas. Não pode se apagar tal cintilação (vai depender dos assistentes), portadora de esperanças. O pavio aceso reflete bem a doutrina segura, as perspectivas esboçadas, bem como a vida admirável de seus representantes mais expressivos, cujo eco o Brasil do futuro recolherá.

Utopia? Utopia é palavra enganadora. Não era o caso. Havia outra coisa, um ânimo mobilizador, enfunado pelo sopro da legitimidade.

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