Investigador falava para um auditório com mais de três centenas de pessoas
Reconhecido como uma das principais vozes a nível nacional contra o sedentarismo das crianças, o investigador Carlos Neto, figura incontornável da motricidade infantil, foi o orador principal da conferência “Brincar Lá Fora”, que teve lugar esta quinta-feira, no auditório da Universidade de Évora, numa organização da Câmara Municipal de Évora, em parceria com os quatro agrupamentos escolares do concelho, Universidade de Évora e Hospital do Espírito Santo.
Defensor de um maior equilíbrio no sistema educativo entre tempo de recreio e tempo em sala de aula, Carlos Neto alertou para o que denomina como “analfabetismo motor” ou “iliteracia motora” e avisa para as consequências nefastas de uma educação que tende a superproteger as crianças ao invés de as desafiar, confrontando-as com a vida, com o mundo.
“O comportamento do brincar é das coisas mais importantes nas primeiras idades. É o elemento estruturante de todo o desenvolvimento motor, emocional, social e cognitivo. É através do brincar que as crianças aprendem a ser crianças. O brincar nesta perspetiva em que não se dá tempo para brincar é uma forma de negligência que está na Convenção Internacional dos Direitos da Criança”, afirma.
“Os pais querem tudo de bem para os filhos, mas a proteção em demasia desprotege-os na possibilidade de terem mais confronto com o risco, mais mobilidade ativa e autonomia, contacto com a natureza e possibilidade de identidade do espaço onde vivem e crescem e de conquistarem mais amigos no seu processo de socialização. Nesta angústia pandémica em que vivemos, teremos que restaurar o corpo das crianças e dos pais, com mais tempo e espaço para a realização de novas experiências e descobertas”.
“O brincar na escola é não só fundamental ao desenvolvimento integral de crianças e jovens, como essencial no sucesso escolar e processo de socialização. A obesidade curricular existente na escola tem de ser repensada, bem como a forma como como se operacionaliza o processo de ensino e aprendizagem. Na escola não entra só o cérebro, entra o corpo todo. A escola não é só a sala de aula, é também todo o espaço exterior e sua extensão para a comunidade. Fornecer oportunidades de espaço e tempo para crianças brincarem de forma livre em espaços interiores e exteriores é a melhor estratégia para formar pequenos pesquisadores, cientistas e artistas para o futuro do mundo. Teremos de transformar a escola a tempo inteiro, numa escola de desafio, prazer e aventura em atividades novas e reinventadas perante as motivações e modelos participativos das crianças”.
O professor catedrático aponta, entre outros erros cometidos, a falta de autonomia dada pelos pais às crianças e a ausência de tempo para a brincadeira livre, que expõe os mais novos à aventura e ao risco, essenciais para um crescimento saudável, dos pontos de vista físico, mental e emocional.
“Brincar é treinar para o incerto e é preparar as crianças para a sobrevivência”, disse, lembrando mais à frente que é “fundamental mudar a Lei Laboral para que a família tenha qualidade de vida”.
“Libertem as crianças. Saudável é quem tem os joelhos esfolados”, rematou Carlo Neto, para quem os espaços de recreio têm de “ser também parte de projetos educativos”.
Durante a conferência, que contou com a presença, na Sessão de Abertura, do Vice-Presidente da autarquia, Alexandre Varela, e da vice-reitora da Universidade de Évora, Ana Paula Canavarro, o jogo A Serpente Papa-Léguas – Jogo da Mobilidade, que tem como objetivo incentivar as viagens sustentáveis nas viagens casa-escola (a pé, de transportes públicos, de bicicleta ou de carro partilhado), com grande sucesso há vários anos no concelho de Évora foi alvo de uma apresentação por parte da técnica superior Teresa Engana.
Antes, o autarca eborense recordou o esforço da edilidade para combater estas questões que grassam na sociedade, salientando a mais valia que é o Plano de Mobilidade Urbana Sustentável do concelho em que “um dos aspetos essenciais é a possibilidade das crianças conhecerem o território, não no banco de trás, mas a pé, de bicicleta ou em transportes públicos”.
O professor Paulo Infante, da Universidade de Évora, abordou os “Hábitos da Atividade Física e Hábitos do Sono no 1º Ciclo do Concelho de Évora” e à colega Guida Veiga coube a apresentação: “Academia Gulbenkian do Conhecimento OUT to IN: Impacto nas competências sócio emocionais das crianças”.
Este encontro pretendeu criar espaço de reflexão com a comunidade local, professores, educadores, auxiliares de educação, encarregados de educação, estudantes, técnicos de saúde, para melhor compreensão das dimensões e papeis do brincar na qualidade de vida, no bem-estar e desenvolvimento das crianças, sobretudo o Brincar lá fora, impactos na criança, na sociedade e nos espaços e territórios
atuais.
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