Tenho
28 anos de jornalismo, ininterrupto. É uma vida, de muitas
experiências, muitas reportagens e uma aprendizagem contínua e
muito profícua. Estes anos de jornalismo como principal fonte de
rendimento, deu-me, sem sombra de dúvida, algum à-vontade para
teorizar sobre a razão por que o jornalismo regional não sai da
cepa torta. Importa referir que o meu pensamento não se
baseia em previsões astrológicas, ou cartas de Tarot, mas sim
são baseadas no estudo do setor, que desde sempre o tenho feito e
mais recentemente, juntando-se as medidas que estão em cima da mesa
do Secretário de Estado e do Ministro Leitão Amaro.
“O
jornalismo regional debate-se e contorce-se com a falta de recursos e
financiamento para poder trabalhar de uma forma autónoma e isenta”
Quem
trabalha no regional, sabe perfeitamente que não é fácil impormos
a nossa marca, a nossa visão de como vemos os acontecimentos do dia
a dia, e acima de tudo, a nossa independência.
O
jornalismo regional debate-se e contorce-se com a falta de recursos e
financiamento para poder trabalhar de uma forma autónoma e
isenta. Quanto mais locais somos, mais independência
perdemos. Se queremos fazer um trabalho de cobertura das diversas
agendas, (política, cultura, eventos, etc.) para a comunidade onde
estamos inseridos (seja grande ou pequena), precisamos de
jornalistas, equipamento, viaturas, redação, parque tecnológico e
meios de difusão (papel ou digital). Isso custa muito dinheiro, para
o investimento inicial, e depois para suportar toda a estrutura da
operação.
As
fontes de financiamento que os veículos informativos têm à
disposição resumem-se à venda da publicidade, assinaturas (papel e
digital), banners no formato digital e venda de jornais ou revistas
em formato tabloide. Há também aqueles são aconchegados
pelo poder local, e conseguem avenças razoáveis ou venda de páginas
de publicidade (por vezes propaganda pura). Desde que sou gente
nesta área, a fórmula é sempre esta e nada mudou em 50 anos, ou
pelo menos em 28 anos da minha experiência in loco.
Importa
referir que temos uma legislação e legisladores, no que ao
jornalismo diz respeito, que são muito profícuos a
encontrar soluções, para os jornais…nacionais! Em 50 anos de
jornalismo regional, podemos apenas falar de apoios para o Porte-Pago
para a imprensa regional, e mesmo este subsídio já foi alvo de
pretensões de mudança, mas felizmente ainda se mantém. Enquanto o
jornalismo nacional avança, sem medos, porque nas derrapagens, está
lá o governo para os apoiar, o regional estagna e não avança.
Aliás, faz marcha-atrás. Há uma verdadeira cultura
política para acabar com a maior parte dos títulos da
imprensa regional.
“90%
dos títulos vai afundar. Literalmente!”
Nunca
se falou tanto, nos últimos 15 meses, sobre regulamentos e apoio
para a imprensa regional, mas de facto, o que tem avançado e
que se tem materializado em apoios reais, são os subsídios ao
jornalismo nacional. E não podemos esquecer que a ser aprovado o
regulamento ainda negociado pelo anterior governo, vai ser mais uma
estaca nas empresas de comunicação, pois obriga-nos a investir e a
suportar condições de trabalho que não se coadunam com a
capacidade de retorno financeiro levantadas pelos órgãos de
comunicação regionais.
Vai
ser bom para meia dúzia de jornais, que têm uma implantação
regional robusta, tendo os seus canais comerciais já muito
desenvolvidos e em que auferem mensalmente do poder público verbas
interessantes. Mas isto resume-se a 10% dos títulos existentes. 90%
dos títulos vai afundar. Literalmente! Só para terem uma
ideia de uma das medidas previstas, obriga que todos os
jornais tenham ao seu serviço um jornalista profissional, que vai
onerar as operações mensalmente em mais de 2 mil euros. Isto do
proprietário e diretor fazer as notícias, vai acabar. Se
realizarmos que 90% da imprensa regional subsiste justamente
porque é o proprietário e diretor que empurra o barco, este
novo regulamento a ser aprovado e implementado, vai ser a machadada
final no jornalismo regional.
“O
que vai haver são regras muito apertadas para estrangular de vez o
jornalista e o jornalismo de proximidade.”
Ao
governo, assiste a ideia que é mais fácil controlar 50 a 100
jornais regionais, do que 800 (número aproximado) ou 1700
como erámos há bem pouco tempo. A estratégia do governo está a
resultar, porque anualmente centenas de órgãos de
comunicação encerram a atividade, e agora prepara-se o
desfecho da cortina final. Quando sair o novo regulamento, o
jornalismo regional plural, forte e independente, acaba. Ficam apenas
aqueles que reúnem as condições para serem subsídio-dependentes
das câmaras (uns 100 jornais se tanto). Isto é o sistema a
testar-nos e a forçar-nos a mudar ou a acabar. E nós vamos
deixando.
Isto
tudo acontece justamente porque nunca houve uma política para a
imprensa regional. Nem vai haver tão cedo. O que vai haver
são regras muito apertadas para estrangular de vez o jornalista e o
jornalismo de proximidade. É a globalização, os grandes grupos
de comunicação que perdem anualmente muito dinheiro para a imprensa
regional de receitas publicitárias, e decidiram também ajudar o
legislador a fazer mais pressão na bota que nos sufoca e tira o ar.
“É
esta pressão e este medo constante, de uma forte retaliação a
vários níveis, que nos empurra a todos para a beira do precipício…”
Temos
tudo e todos contra nós. Mas a culpa desta situação não é só do
sistema. É também nossa. Sempre vivemos à sombra da
bananeira, no que tange os direitos e deveres da profissão e
nunca quisemos saber nem tão pouco perder (ou investir) um pouco de
tempo a pensar de como havemos de dar a volta ao texto. Como o povo
diz, “para se dançar o tango, são precisos dois”, e nós
fizemos a nossa parte, fomos o parceiro mais passivo desta dança.
Deixámos que o parceiro ativo nos conduzisse e agora pode ser tarde
demais.
No
final, não somos só nós, profissionais do setor que perdemos.
Perde o país e as pessoas, que deixam de contar com a primeira linha
de defesa da democracia, em que somos os primeiros fiscais dos 308
municípios que o país tem. É factual que 80% das notícias
sobre a corrupção e as más práticas da gestão dos dinheiros
públicos, em organismos regionais (quase sempre as câmaras) que
aparecem nas notícias nacionais, são de origem do jornalismo de
proximidade, que em associação com os canais nacionais, guia-os
para a difusão da possível corrupção, pois se muito do
compadrio fosse denunciado pela imprensa de proximidade, vidas
perigavam e jornais já tinham encerrado, sem falar dos
processos em tribunal que os jornalistas regionais iriam ter que
enfrentar.
É
esta pressão e este medo constante, de uma forte retaliação a
vários níveis, que nos empurra a todos para a beira do precipício,
chegando agora a uma encruzilhada. Ou lutamos ou encerramos. Vamos
a tempo? Não sei!
No
próximo artigo, e conforme
prometido no artigo anterior,
vou argumentar de “Como
se combate esta estratégia que visa afundar este setor”.
*José Vieira – Jornalista e Presidente da Mesa da Assembleia Geral da APMEDIO (Associação Portuguesa dos Media Digitais Online)
.webp)
Nenhum comentário:
Postar um comentário