Dias atrás, navegando pela internet, encontrei um site de apologética espírita, e li um artigo defendendo a doutrina, tentando desestruturar a passagem comumente usada por protestantes e católicos de Hebreus 9.27 para refutar a reencarnação. Diz a passagem: "E, como aos homens está ordenado morrerem uma vez, vindo depois disso o juízo".
Eu achei interessante o artigo, porque quem o escreveu usou de vários artifícios para eliminar a importância deste trecho da Bíblia. Entre eles:
1 - um ataque ao livro inteiro de Hebreus, já que o autor desta epístola é motivo de grande controvérsia entre os estudiosos. Como não é possível reconhecer a autoria, não é possível, segundo o articulista, aceitar também a sua autoridade e conseqüentemente a validade do que ele escreveu.
2 - nem toda a Bíblia é aceitável para os espíritas; ela não é infalível e inerrante "de capa a capa". A despeito disto, cita a passagem de 1 Tessalonicenses 5.21 ("Examinai tudo; retendes o bem") para validar esta discriminação.
3 - Tenta mostrar uma contradição entre "morrer uma só vez" e as ressurreições que aconteceram, tanto pelas mãos de Jesus quanto pelas dos profetas no AT. Colocam os milagres de Jesus contra a "ordenação" (que o articulista diz não saber de quem é) de morrer apenas uma vez. Até utiliza estas ressurreições para demonstrar que é possível viver mais de uma vez.
4 - quando encontram uma passagem de algum escritor que aparentemente contrarie o que Jesus disse, os espíritas seguem o que Jesus falou, baseando-se em Mateus 10.24 ("Não é o discípulo mais do que o mestre, nem o servo mais do que o seu senhor.")
Mas como nem tudo que reluz é ouro, farei algumas considerações:
1 - Primeiramente, o fato de não conhecermos o autor de algum texto não o torna falso obrigatoriamente. Alguém que seja desconhecido para mim pode afirmar algo que seja lógico e verdadeiro. Segundo, não é somente esta passagem que defende uma única vivência: Jó 7.9; 14.12,14 entre outras. E Jesus disse ao ladrão na cruz que naquele mesmo dia estaria com Jesus no paraíso. Levando em conta que o ladrão ainda precisaria pagar suas falhas com "algumas reencarnações a mais" segundo a doutrina espírita, Jesus estaria mentindo quando falou aquilo?
2 - "Examinai tudo; retendes o bem". Porque esta passagem é mais válida que "E, como aos homens está ordenado morrerem uma vez, vindo depois disso o juízo"? Qual o conceito de "bem" para o articulista? "Bem" é o que "me convém"? "Bem" é o que "eu gosto" ou o que "eu quero que seja verdade"? O fato de gostar ou não de algum tema não o torna verdadeiro ou falso.
3 - Não há contradição entre a ordenação de "morrer uma só vez" e os milagres da ressurreição. Tal ordenação decorre da determinação divina, afinal, se a reencarnação fosse uma doutrina importante, Deus a teria deixado bem explícita nas escrituras. E, além disso, o milagre da ressurreição não elimina a ordenação, apenas a suspende. Como o fato de Jesus ter andado sobre a água: a lei do empuxo (criada, obviamente, por Deus) não foi abolida, mas suspensa temporariamente. "Morrer uma vez" subentende "viver uma vez". Se Lázaro ressuscitou, ele não viveu uma nova vida, mas continuou a anterior. Não dá para deduzir que a reencarnação é válida a partir da ressurreição; são coisas bem diferentes.
4 - O versículo citado (Mt. 10.24) não tem ligação com o que o articulista queria afirmar. Tudo bem, deve-se seguir o que Cristo disse... mas o que falar sobre o fato de que quem não crer nele perecerá no inferno? E só ler um pouquinho mais adiante (Mt 10.28). Jesus falou muito sobre o inferno, mas parece que estas partes não fazem parte do "bem" que o articulista, e os espíritas em geral, gostariam de reter.
Fonte:liberdadeepensar
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