Há incerteza quanto ao futuro nos
cidadãos venezuelanos que nos últimos meses têm chegado a Portugal. Fogem de um
país onde a alimentação, garantem, passou a ser um luxo.
Os medicamentos faltam em farmácias e
hospitais. É um país onde a insegurança amedronta.
"A Venezuela está à beira de um
abismo", afirmam em uníssono os venezuelanos com quem o JN falou. Sem
conseguirem acreditar numa melhoria num futuro a curto prazo, muitos deixaram
tudo para trás, casas, empresas, familiares, amigos. "Não tem a ver com
política, tem a ver com os direitos humanos simples, que são violados".
Christian Höhn, presidente da Venexos,
uma associação de ajuda a venezuelanos em Portugal, é direto: "Já batemos
no fundo em muitos sentidos. Há um ano, a Venexos recebia, por semana, cerca de
30 a 40 mensagens de pessoas a fazer perguntas ou a dizer que queriam vir para
o país. Atualmente, chegam à associação 30 mensagens por dia. Não é fácil ouvir
a realidade destas pessoas".
Em Portugal há 17 anos, Christian Höhn é
venezuelano, filho de mãe alemã. "A minha mãe permanece lá. Tem 80 anos.
Quando lhe pergunto o que pensa fazer, diz: "Nada. Sempre vivi aqui."
Como se muda de vida aos 80 anos?". De acordo com o responsável, há cerca
de cem mil venezuelanos em Portugal (números não oficiais), dos quais mais de
metade com dupla nacionalidade.
O presidente da associação aponta ainda
para a existência de cerca de 1800 venezuelanos ilegais no país. E revela que,
no último trimestre, chegaram 37 famílias sem qualquer ligação a Portugal.
Recentemente, face à precariedade do
sistema de saúde, a Venexos lançou a campanha "Medicamentos para a
Venezuela" em vários pontos da Europa.
"Está a ser um sucesso", diz
Christian Höhn. "Em três semanas, só em Portugal, foram recolhidos 255
quilos de medicamentos. Tenho 18 anos de voluntariado em muitos setores. Nunca
imaginei ter de abrir uma campanha de voluntariado para medicamentos para o meu
próprio país..."
Um português e três venezuelanos contam
como foi
Carlos Abreu
Emigrante na Venezuela há 39 anos,
chegou há cinco dias a Portugal, onde tem família. Veio acompanhado da mulher,
Miriam, e de dois filhos de 5 e 8 anos. Foi acolhido pela irmã, Liliana
Rodrigues, nascida na Venezuela, mas regressada há nove anos. "Agora
andamos à procura de casa". Carlos Abreu é dono de uma padaria, em
Valência, a 150 quilómetros de Caracas. "Já só tínhamos farinha para mais
um ou dois meses de produção. Não há onde reabastecer. Preocupava-nos a falta
de segurança, com os cortes constantes de energia elétrica. Agora até fecham as
escolas às sextas-feiras para poupar eletricidade. A falta de medicamentos é
outra situação dramática. Não podíamos continuar lá nesta situação".
Jormán Torres
"Toda minha família, mãe e dois
irmãos, mora na Venezuela. A situação é realmente muito complicada. Não há
comida, nem os serviços básicos estão garantidos. O pior é a falta de
medicamentos", conta este músico e professor de violino da orquestra da
Casa da Música, no Porto. O que trouxe Jormán Torres a Portugal, há cinco anos,
foi um caso de amor. Veio com a namorada. Mas, como lembra, já nessa altura a
situação era difícil. "O problema é que nós, os venezuelanos, encaramos essas
situações como normais. Pensamos que não podem piorar mais do que o que estão.
Mas pioraram. Caminhar na rua, falar ao telemóvel, coisas tão simples como
estas não se podem fazer sem risco de se ser assaltado. É uma situação de
guerra".
Juan Cardenas
Este engenheiro informático de 49 anos
abandonou a Venezuela há um ano. Não obstante, sente motivos para sorrir.
"Só de ver os meus filhos em segurança, a irem para a escola sozinhos, sem
problema, e de ver que o meu filho mais velho, que ainda não fez 14 anos, é o
melhor da turma e se integrou perfeitamente na escola portuguesa, é uma pequena
vitória, no meio do caos em que se tornou a nossa vida". Juan decidiu vir
para Portugal porque ficou sem trabalho, porque se cansou da "falta de
segurança, das filas enormes para comprar bens essenciais. Em Portugal teve a
ajuda de uma portuguesa que viveu muitos anos na Venezuela. "A mudança não
foi difícil, difícil era viver na Venezuela".
Marco Aurélio
Quando fala da Venezuela, emociona-se. O
advogado Marco Aurélio, de 41 anos, e a mulher, desenhadora gráfica, vieram
para Portugal há dois anos. "A nossa empresa de publicidade deixou de ter
encomendas, era cada vez mais difícil comprar alimentos e, quando os havia, os
preços eram bastante inflacionados. Vimos o nosso futuro hipotecado". Os
primeiros tempos em Portugal, admite, foram difíceis. "Eu cheguei primeiro
para preparar as coisas para a vinda da minha mulher. Não é fácil começar do
zero. Não ter uma cama para dormir. Consegui alugar uma casa em Sintra, mas não
tinha móveis. Cá nos fomos arranjando. Troquei a advocacia pelo treino de cães
e a minha mulher dá aulas de ioga.
Fonte: jn
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