domingo, 22 de maio de 2016

Os venezuelanos que fogem para Portugal

Há incerteza quanto ao futuro nos cidadãos venezuelanos que nos últimos meses têm chegado a Portugal. Fogem de um país onde a alimentação, garantem, passou a ser um luxo.

Os medicamentos faltam em farmácias e hospitais. É um país onde a insegurança amedronta.

"A Venezuela está à beira de um abismo", afirmam em uníssono os venezuelanos com quem o JN falou. Sem conseguirem acreditar numa melhoria num futuro a curto prazo, muitos deixaram tudo para trás, casas, empresas, familiares, amigos. "Não tem a ver com política, tem a ver com os direitos humanos simples, que são violados".

Christian Höhn, presidente da Venexos, uma associação de ajuda a venezuelanos em Portugal, é direto: "Já batemos no fundo em muitos sentidos. Há um ano, a Venexos recebia, por semana, cerca de 30 a 40 mensagens de pessoas a fazer perguntas ou a dizer que queriam vir para o país. Atualmente, chegam à associação 30 mensagens por dia. Não é fácil ouvir a realidade destas pessoas".

Em Portugal há 17 anos, Christian Höhn é venezuelano, filho de mãe alemã. "A minha mãe permanece lá. Tem 80 anos. Quando lhe pergunto o que pensa fazer, diz: "Nada. Sempre vivi aqui." Como se muda de vida aos 80 anos?". De acordo com o responsável, há cerca de cem mil venezuelanos em Portugal (números não oficiais), dos quais mais de metade com dupla nacionalidade.

O presidente da associação aponta ainda para a existência de cerca de 1800 venezuelanos ilegais no país. E revela que, no último trimestre, chegaram 37 famílias sem qualquer ligação a Portugal.

Recentemente, face à precariedade do sistema de saúde, a Venexos lançou a campanha "Medicamentos para a Venezuela" em vários pontos da Europa.

"Está a ser um sucesso", diz Christian Höhn. "Em três semanas, só em Portugal, foram recolhidos 255 quilos de medicamentos. Tenho 18 anos de voluntariado em muitos setores. Nunca imaginei ter de abrir uma campanha de voluntariado para medicamentos para o meu próprio país..."

Um português e três venezuelanos contam como foi

Carlos Abreu
 
Emigrante na Venezuela há 39 anos, chegou há cinco dias a Portugal, onde tem família. Veio acompanhado da mulher, Miriam, e de dois filhos de 5 e 8 anos. Foi acolhido pela irmã, Liliana Rodrigues, nascida na Venezuela, mas regressada há nove anos. "Agora andamos à procura de casa". Carlos Abreu é dono de uma padaria, em Valência, a 150 quilómetros de Caracas. "Já só tínhamos farinha para mais um ou dois meses de produção. Não há onde reabastecer. Preocupava-nos a falta de segurança, com os cortes constantes de energia elétrica. Agora até fecham as escolas às sextas-feiras para poupar eletricidade. A falta de medicamentos é outra situação dramática. Não podíamos continuar lá nesta situação".

Jormán Torres
 
"Toda minha família, mãe e dois irmãos, mora na Venezuela. A situação é realmente muito complicada. Não há comida, nem os serviços básicos estão garantidos. O pior é a falta de medicamentos", conta este músico e professor de violino da orquestra da Casa da Música, no Porto. O que trouxe Jormán Torres a Portugal, há cinco anos, foi um caso de amor. Veio com a namorada. Mas, como lembra, já nessa altura a situação era difícil. "O problema é que nós, os venezuelanos, encaramos essas situações como normais. Pensamos que não podem piorar mais do que o que estão. Mas pioraram. Caminhar na rua, falar ao telemóvel, coisas tão simples como estas não se podem fazer sem risco de se ser assaltado. É uma situação de guerra".

Juan Cardenas

Este engenheiro informático de 49 anos abandonou a Venezuela há um ano. Não obstante, sente motivos para sorrir. "Só de ver os meus filhos em segurança, a irem para a escola sozinhos, sem problema, e de ver que o meu filho mais velho, que ainda não fez 14 anos, é o melhor da turma e se integrou perfeitamente na escola portuguesa, é uma pequena vitória, no meio do caos em que se tornou a nossa vida". Juan decidiu vir para Portugal porque ficou sem trabalho, porque se cansou da "falta de segurança, das filas enormes para comprar bens essenciais. Em Portugal teve a ajuda de uma portuguesa que viveu muitos anos na Venezuela. "A mudança não foi difícil, difícil era viver na Venezuela".

Marco Aurélio

Quando fala da Venezuela, emociona-se. O advogado Marco Aurélio, de 41 anos, e a mulher, desenhadora gráfica, vieram para Portugal há dois anos. "A nossa empresa de publicidade deixou de ter encomendas, era cada vez mais difícil comprar alimentos e, quando os havia, os preços eram bastante inflacionados. Vimos o nosso futuro hipotecado". Os primeiros tempos em Portugal, admite, foram difíceis. "Eu cheguei primeiro para preparar as coisas para a vinda da minha mulher. Não é fácil começar do zero. Não ter uma cama para dormir. Consegui alugar uma casa em Sintra, mas não tinha móveis. Cá nos fomos arranjando. Troquei a advocacia pelo treino de cães e a minha mulher dá aulas de ioga.


Fonte: jn

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